Boa tarde bloguistas.
Agradeço do fundo do coração por terem visualizado o meu Blog e por estarem comigo em meus projectos.
Obrigado por quererem conhecer esta doutrina grandiosa.
Há uns dez anos atrás, vivia em
uma cidade de Goiás, bem próxima da Capital do Estado um cidadão
chamado Manoel Truncado.
Ele era casado com uma mulher
pacata e jovem chamada Maria.
O casal tinha três filhos: José,
o caçula, Marília e Josefa, duas mocinhas.
Manoel Truncado estava com mais
de 40 anos e havia lutado muito para sobreviver com sua família. Seu
pai fora um fazendeiro no interior de Goiás e Manoel crescera na
dura vida de peão. Apesar das terras serem boas, o pai de Manoel
Truncado nunca soubera tirar melhor proveito delas e com isso a vida
para eles sempre fora de luta e sofrimentos.
Um dia o pai de Manoel acabou por
perder a fazenda e eles tiveram que se mudar para aquela cidade. Os
velhos logo morreram e Manoel teve que se ajustar a uma vida para a
qual não fora preparado. Trabalhou aqui e ali, mas não conseguiu se
firmar em lugar algum.
Um dia ele conheceu Maria, uma
jovem bonita e simples que trabalhava para ajudar os pais. Os dois se
amaram e logo se casaram sem muitos planos para o futuro. As pessoas
acostumadas com a pobreza não olham muito à frente e resolvem seus
problemas com certa facilidade. Assim fizeram Manoel e Maria e o
casal logo ganhou uma filhinha.
No primeiro ano de casado Manoel
procurou se firmar no trabalho árduo de carroceiro. O casal morava
numa casinha construída no fundo do terreno, deixando a frente toda
livre. Manoel mantinha uma cocheira onde guardava a carroça e seus
dois animais. Nas tardes quentes e de vento parado, o cheiro do
estrume invadia a pequena residência, mas eles já estavam tão
acostumados que nem o sentiam. Manoel Truncado gostava de acariciar o
corpinho tenro de Josefa, deitada numa bacia forrada de panos.
Depois vieram Marília e por
último José. A vida ficou tão apertada como a casinha em que
moravam. Manoel começou a frequentar com mais assiduidade o botequim
da beira da estrada e a descuidar de seus negócios.
Logo começou a se manifestar
nele um gênio arrogante e agressivo, que atemorizava os vizinhos e
deixava as crianças com os olhos arregalados de medo.
Enquanto isso, Maria sempre
quieta e acostumada ao trabalho duro, se resignava lavando roupa para
ganhar algum dinheiro.
Manoel começou a se ausentar de
casa e chegava a passar noites fora. Nos dias que se seguiam essas
ausências, ele costumava chegar na carroça com os cavalos meio
estropiados e os largava no pátio. Resmungava qualquer coisa e se
deitava em pleno dia de roupa e tudo.
Maria desatrelava os cavalos com
auxílio de José e das meninas e, a casa ficava quieta ouvindo-se
apenas os roncos surdos de Manoel. Quem mais sofria com isso era o
pequeno José. Ele já estava no primeiro ano do grupo escolar e sua
inteligência viva, procurava explicações das coisas que a escola
não lhe ensinava. No princípio Manoel procurava ajuda-lo em suas
lições e Zezinho adorava fazer perguntas. Mas, depois que Manoel
começou a beber e se ausentar, ele ficava horas e horas manuseando
seus cadernos, na espera que Manoel o ajudasse.
E assim a situação foi piorando
a ponto de se tornar insustentável. Começou a faltar a comida e as
discussões violentas se processavam, sem mais nem menos. Maria que
habitualmente mal tinha tempo de chegar até a cerca da casa para
falar com a vizinha, começou a sair em busca de auxílio. As
crianças ficavam em casa e deixaram a escola.
Maria acostumada a viver sempre
na vida dura de casa, começou a se embaraçar na vida fora de casa.
Fez as primeiras dívidas e das dívidas passou aos favores ilícitos.
Em pouco tempo se separou de Manoel Truncado e se prostituiu por
completo. Um dia Manoel Truncado descobriu que estava só com seus
cavalos estropiados. Maria o abandonara sem deixar endereço, levando
consigo as crianças.
No princípio Manoel pouco se
importou e, juntando o pouco que restava de sua vida material se
lançou nas aventuras baixas da periferia da cidade, até que uma
ocasião saudoso da família, decidiu sair a sua procura.
Sua busca foi infrutífera, até
que ele encontrou a morte num desses tristes episódios que acontecem
na calada da noite. Nos seus últimos tempos na Terra, ele começara
a atribuir toda sua desdita à esposa que o abandonara.
Seus sete dias na Pedra Branca
foram de intensa agonia. Ele não conseguiu dominar seus desejos de
vingança, fomentados pela sua mente desvairada.
Ao se ver livre encaminhou-se
como relâmpago em direção à família.
Os Mentores Espirituais ficaram
temerosos do que podia acontecer à já tão sofrida família e o
desviaram de rumo. Cheio de rancor e agressividade, Manoel Truncado
acabou por ser atraído pelos Bandidos do Espaço (1) e foi vendido a
uma Falange de um Terreiro (2).
Essa Falange pertencia ao reino
do Exú Tranca Rua, e Manoel Truncado passou a sofrer nas garras dos
Exús tarimbados do Terreiro. Ele agora era um prisioneiro da Lei
Negra.
A Lei Negra é uma espécie de
máfia do Mundo Invisível e como sua similar na Terra física, ela
escraviza seus membros, quase sem possibilidades de libertação.
Suas Falanges são alimentadas e
crescem a custa dos Espíritos nômades e sem protetores. E isso
acontece por opção do próprio Espírito com seu livre arbítrio.
Sempre que um Espírito termina
seu estágio na Pedra Branca, onde ele tem a oportunidade de conhecer
a verdade sobre si mesmo, seus Mentores dão-lhe toda a assistência
e lhe mostram o caminho. Mas a decisão é sua e a chance permanece
até o último instante. Se ele toma a decisão errada acaba por se
tornar vítima da Lei Negra.
Existem uns Espíritos no
submundo invisível que se chamam Exús Caçadores (3). Eles ficam a
espreita e aguardam as decisões dos Espíritos recém desencarnados.
Assim que os Mentores desistem eles entram em ação.
Aproximam-se dos Espíritos,
seduzem e os levam às suas Cavernas (4). Lá eles são submetidos a
todas as sevícias e são treinados nos costumes, até se tornarem
Exús.
Manoel Truncado conheceu então o
que era realmente sofrer.
Os anos na Terra foram se
passando e ele foi adquirindo tarimba. Seu gênio agressivo o ajudou
de tal maneira que ele logo começou a se destacar em meio às
tenebrosas tarefas. Em pouco tempo ele adquiriu o direito de se
chamar Exú Tranca Rua, nome do titular da Falange e passou a ser
temido pelos mais ferozes Espíritos.
Aos poucos ele foi formando um
grupo de adeptos e estabeleceu seu reino. Com sua esperteza ele fez
um convênio com o Exú Tenório. Esse Espírito é um especialista
em hipnose magnética, e isso lhe dá uma força terrível no
submundo etérico. A hipnose se presta muito nas macumbas e o novo
Exú Tranca Rua, ex-Manoel Truncado, se aproveitou disso.
Estávamos então em 1959 e um
fato inteiramente oposto aconteceu nas imediações da Caverna de
Tranca Rua. Nessa data mudaram para o local chamado Serra do Ouro, o
grupo de Tia Neiva e formara-se assim a primeira Comunidade da
Corrente Indiana do Espaço (UESB). E o tempo continuava a correr na
ampulheta da vida.
Certo dia Truncado, agora chamado
Tranca Rua, estava sentado no seu trono quando ouviu alguém
praguejando com violência. Sabia por experiência que se tratava de
algum novato recém trazido pelos Exús Caçadores. Muniu-se do seu
chicote magnético e se encaminhou para o local do barulho.
Lembrava-se de como fora tratado quando chegara, e seu maior prazer
era aplicar pessoalmente a correção nos novatos. Ele tinha um jeito
especial de chicoteá-los até convence-los.
O Espírito estava seguro pelos
Caçadores e Truncado desfechou a primeira chibatada. A vítima urrou
de dor e ódio e seus olhos lançavam chispas de ira impotente.
Truncado ia dar a segunda chibatada, quando seu braço estancou no ar
como se tivesse batido num rochedo invisível. O Espírito que estava
chicoteando era do seu filho José!
A cena terrível ficou paralisada
num momento de agonia. Os dois Espíritos, pai e filho, se fitavam
com horror e espanto. Subitamente Truncado achou a voz e gritou em
desespero: “Zezinho meu filho! Você aqui?! Não, não! Não o
quero aqui! Levem-no daqui!”.
Passado o primeiro momento de
surpresa os Caçadores largaram Zezinho e começaram a zombar da
fraqueza de Truncado, espezinhando-o pela atitude tão diferente dos
seus hábitos.
Zezinho porém aproveitou o
descuido de todos e num gesto brutal e enérgico, arrebatou o chicote
da mão de Truncado e passou a chicoteá-lo com ódio arrebatador!
Truncado não se defendia e
Zezinho o chicoteou até ele cair sem forças. Enquanto ele batia com
o terrível chicote magnético, vociferava com ódio: “Tome
miserável, pelo mal que nos causou! Minha mãe se prostituiu por sua
causa seu canalha! Ela foi obrigada a isso para dar de comer a mim e
as minhas irmãs, suas filhas! Elas agora vão para o mesmo caminho
que minha mãe, a prostituição! Tudo por sua culpa seu miserável!
Mas eu disse que um dia eu o encontraria, e agora o encontrei!”
O tempo continuou a correr na
ampulheta da vida.
Zezinho agora era um terrível
Tranca Rua, mais feroz que seu pai.
Truncado desmoralizado no próprio
reino, mas não querendo se afastar de Zezinho, tornou-se um nômade
do submundo dos Exús. Cheio de ira e confuso com a cilada que a vida
lhe preparara, redobrou as atividades maléficas sem cautela nem
medidas. Suas estripulias puseram em sobressalto toda a região entre
Anápolis e Alexânia, durante longo tempo.
Nessa época aconteceram
desastres incríveis. Carros perdiam a direção sem causa aparente,
e a estrada começou a ter cruzes fincadas de pessoas que
desencarnavam nesses desastres. Crimes aconteciam nos sítios
vizinhos da rodovia e, o consumo da cachaça aumentou nos botequins
de beira de estrada.
A atmosfera da região começou a
modificar-se visivelmente. Os macumbeiros aumentaram de número e as
doenças tétricas varavam as noites nas várzeas e encruzilhadas.
Na Comunidade da UESB, Tia Neiva
recebia as lições dos Mundos Encantados dos Himalaias, e os Médiuns
se desdobravam no Serviço do Cristo Jesus.
Um dia Neiva recebeu a notícia
de que estava para chegar um circo que se instalaria nas imediações
da UESB. Mas não se tratava de um circo comum, desses que a gente
está habituado a ver, tratava-se de um circo etérico!
De fato o Mundo Invisível da
região estava alvoroçado. O circo chegou com estardalhaço, com
seus palhaços, seus acrobatas e seus carros coloridos. O palhaço
principal chamava-se “Remendão”.
Os Espíritos desencarnados
afluíram para o circo, em massa. Depois disso desapareciam da
região...
Tranca Rua-Manoel Truncado também
não resistiu e foi ver o circo. Quando deu por si estava capturado
pela Falange dos Centuriões! Ele urrou e ameaçou mas de nada lhe
adiantou. Levado para a UESB foi sendo doutrinado e acabou por
conversar longamente com Tia Neiva. Ela na sua proverbial paciência
foi mostrando seu quadro espiritual e ele ali ficou. A fagulha de
ódio de seus olhos foi sendo substituída pela luz baça do
arrependimento. Às vezes o seu gênio rancoroso o dominava e ele
dava trabalho aos Médiuns da UESB.
Por fim os Mentores, com o
auxílio de Neiva, conseguiram encaminha-lo para o Canal Vermelho
(5). Lá ele foi atraído para um lugar chamado Umatã, mudou sua
roupagem de Exú e sua maior preocupação continuou sendo seu filho
Zezinho. Na Terra, na Caverna do antigo Tranca Rua-Truncado, um outro
rei impera no seu reinado de ódio, o Tranca Rua Ex-Zezinho. Sua
ferocidade é maior do que era a de seu pai. O chicote magnético que
fora usado pelo seu pai continuava a sibilar nas costas de outras
vítimas, outros Espíritos nômades apanhados pelos Exús Caçadores.
Naquele tempo Tia Neiva sentia
certa frustração no Canal Vermelho.
Na verdade, para um Espírito que
conserva a consciência, a mesma consciência nos vários Planos em
que penetra, a paisagem do Canal Vermelho assusta um pouco no começo.
Apesar de bonito, com seus
enormes jardins, suas pontes, seus belos edifícios, sua vida
complexa, sua luz cambiante de tons lilás e sua simetria, seu
conjunto dificulta a sintonia. É como uma cidade criada
artificialmente e cheia de truques mágicos.
Essa construção do Plano
Etérico se destina a adaptação de Espíritos arraigados a formas
obsessivas de ideias. Ele estabelece um clima de transição entre a
concepção que alimentaram na Terra e a realidade do Mundo
Invisível, da outra etapa da estrada da vida.
Tia Neiva vai com frequência ao
Canal Vermelho em sua Missão. Nesse dia enquanto aguardava a
presença de seus amigos espirituais, ela observava com curiosidade
as atividades em torno dela. De onde se achava via o enorme letreiro
de Umatã que parecia mudar constantemente. Às vezes ela lia a
palavra “Umbanda” e outras parecia que ali estava escrito
“Candomblé”. Ficou a pensar no assunto até que decifrou o
enigma. Tratava-se de uma forma adequada para fazer certos Espíritos
que chegavam se “sentirem em casa”.
Não muito distante havia uma
espécie de Templo, com letreiro onde se lia “Igreja Presbiteriana”
e, pouco além havia outro Templo com aspectos nitidamente católicos.
Dessa forma os Espíritos
desencarnados encontram um ambiente similar do que tiveram na Terra.
Só que a realidade é bem diferente. Seja em termos Candomblé, de
Umbanda, de Catolicismo, de Protestantismo ou de qualquer outra
Doutrina, a direção é dos Espíritos Missionários que mostram
lentamente a esses Espíritos, sua sobrevivência depois da morte
terrena.
Nessa madrugada ela se encontrou
com Manoel Truncado. Ele se lembrou imediatamente dela e sua primeira
manifestação foi em torno de seu filho Zezinho e sua família.
Neiva notou que ele ainda pensa muito em termos do Exú que foi na
Terra. Embora tenha modificado sua roupagem, ele vai ao Templo Umatã
como ia aos terreiros da Terra. Ela tem uma pena imensa desse
Espírito e o ajuda sempre que pode.
Eram quase cinco horas da manhã
quando ela voltou para a Terra. Preocupada com a promessa feita a
Manoel Truncado ela procurou ver Zezinho. Mas não conseguia vê-lo
com sua roupagem de Exú; a única coisa que conseguiu captar em sua
Visão Espiritual, foi a figura de um menino de sete anos, esperando
o pai para lhe ensinar a lição da escola...
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Nara, a Suicida
(2)
O dia era de intenso
trabalho como de costume no Vale do Amanhecer.
A Clarividente Neiva
fazia uma pausa aparente nas suas atividades. Conversava com suas
filhas em torno dos problemas de costura da oficina do Vale. Enquanto
falava de panos e cortes sua mente ativa resolvia outros problemas. A
cada momento algum Mensageiro de outro Plano chegava e se entendia
com ela. A gente só notava o fato pela maneira que ela movia as
sobrancelhas ou interrompia o que estava falando.
Daí a poucos
segundos ela se virava e invariavelmente perguntava: “O que eu
estava mesmo dizendo?”.
Com o tempo a gente
se acostuma com isso e reserva o assunto para outra oportunidade. Às
vezes acontece dela se transportar por momentos e a gente tem a
impressão que ela dormiu com os olhos abertos.
Outras ela faz
gestos com as mãos ou fala alguma coisa em voz alta. Quando isso
acontece a gente procura disfarçar e finge que não viu. Mas na
maioria das vezes ela se desculpa e torna a perguntar sobre o que
estava falando...
Outra coisa que
também nós estamos acostumados é com o segredo. É muito rara a
ocasião que ela diz alguma coisa do que está vendo ou falando.
Talvez não seja tanto pela secretividade da coisa, mas sim por
desinteresse. Neiva lida com a vida de milhares de pessoas e a gente
acaba por se desinteressar pelos enredos complicados, mas comuns. Só
o Amor Incondicional desperta e mantém um interesse permanente. E
esse Amor só ela possui, só ela mantém com uma constância que
chega a nos deixar acanhados de nós mesmos.
Ela levantou uma
peça de pano para melhor exame e seus Olhos de Clarividente
depararam com a figura de uma jovem mulher que se aproximou com
desenvoltura. “Salve Deus!” disse Neiva, “de onde você vem?”.
“Sim, Tia Neiva.
Eu estou aproveitando mais uma oportunidade que me foi proporcionada
por Mãe Tildes (2) e cheguei até a senhora para me esclarecer mais.
Talvez a melhor forma de fazer isso seja contar-lhe a minha história.
Conheci Mãe Tildes em meio às minhas andanças aloucadas que fiz
depois que desencarnei”. E foi contando sua história triste:
“Eu andava feito
louca e cheia de dor. Na verdade minha dor era tão grande que Deus
na sua bondade permitiu-me caminhar na solidão sem ser atingida
pelos Bandidos do Espaço (3), apesar da minha revolta e descrença.
A única coisa que me sustentava era o respeito que me devotavam
devido ao Amor do meu marido. (4)”.
Neiva sorriu
compadecida e pediu-lhe que contasse sua história desde o princípio.
Enquanto isso, ela diligentemente discutia com sua filha Carmen Lúcia
detalhes das capas dos Mestres que estavam sendo confeccionadas na
oficina. E a moça começou:
Meu nome é Nara. Eu
estava com 18 anos quando conheci Tomáz, um rapaz de 20 anos.
Estávamos numa festinha em casa de uma família das vizinhanças de
minha casa. A dona da casa chamava-se Alice e eu gostava muito dela.
Não sei se foi o ambiente agradável, ou influência da noite
chuvosa lá fora, contrastando com o conforto do interior da casa,
mas o fato é que eu e Tomáz nos apaixonamos à primeira vista.
Ficamos sentados olhando um para o outro e tocando de leve com as
mãos. Enquanto isso todo mundo dançava e se divertia. Foi uma noite
maravilhosa e a partir daí o nosso namoro não mais foi interrompido
até o casamento. Nosso noivado durou dois anos e foram da mais
perfeita felicidade.
Três meses depois
de casados fiquei grávida e isso foi recebido por nós com muita
alegria. A primeira preocupação de Tomáz foi dar a notícia para
sua mãe que morava no Sul. Ele era o único filho e ela sonhava em
ter um neto. Em poucas semanas ela e Tomáz fizeram todos os arranjos
para ela vir morar conosco. Nos primeiros dias tudo foi novidade e
alegria. Tomáz estava eufórico com a perspectiva do nosso filho e
ao mesmo tempo sentia-se alegre com a presença da mãe.
Mas, essa situação
agradável durou pouco. Eu não sabia naquele tempo, mas tanto a
criança que estava no meu ventre como a minha sogra eram meus
Cobradores Espirituais. No princípio eram pequenos ciúmes, palavras
ásperas e pequenas birras. Eu logo revidei e as coisas pegaram fogo.
Nossa vida virou de uma hora para outra da tranqüilidade para o
inferno. Eu passei a atacar minha sogra com violência e, ninguém
entendia mais nada.
No terceiro mês de
minha gravidez eu abortei. Senti-me mal, fui levada para o Pronto
Socorro e quando voltei me sentia um trapo. Deitei-me em nossa cama
de casal e minha sogra desandou a falar caluniosamente. Com as
feições alteradas pelo ódio e a voz gritante ela disse entre
outras coisas:
“Foi você que
provocou esse aborto! Você sua desavergonhada, você que tem sido a
desgraça do meu filho!”.
Nesse preciso
momento, Tomáz assomou na soleira da porta e eu num instante percebi
a tragédia inevitável. Meio tonta com a zoeira que minha sogra
fazia eu tentei levantar-me e implorei com os olhos o auxílio de
Tomáz. Mas, qual não foi a minha surpresa! Suas feições se
transtornaram e seus olhos pareciam sair fora das órbitas. “Ouvi o
que minha mãe disse” gritou ele, “então você abortou, matou
nosso filho! Jamais a perdoarei! E avançou possesso em direção à
cama. Eu gritei assustada e vi quando ele apanhou um punhal
ornamental que estava sobre a cômoda e avançou sobre mim!”.
Minha sogra
assustada segurou-lhe o braço e eu sentei-me na cama enfrentando seu
olhar de fera. Não, não é possível pensei. Uma pessoa não se
transforma assim de repente. Não podia acreditar que o homem a quem
dedicava toda minha existência pudesse agir daquela maneira. Dei um
grito de dor e desespero e procurei enfrenta-lo. Ele refreou um pouco
o seu gesto e a cena acabou tão depressa como começara. Foi como se
um furacão tivesse passado naquele quarto e na minha vida. Algo fora
destruído. A partir daí entramos naquela terrível situação de
solidão a dois.
Esperei durante dois
anos que aparecesse outro filho, mas isso não aconteceu. Quando
Tomáz estava ausente eu sentia saudades dele, quando ele chegava eu
sentia-me distante dele. A minha solidão começou a se tornar
insuportável (5). Tomáz então começou a beber e quando voltava
para casa parecia uma fera. Eu tinha certeza que ele procurava outras
mulheres e meu ciúme se tornou como um espinho no meu coração.
Certa noite Tomáz
não voltou para casa e o desespero tomou conta de mim. Imaginava as
coisas que ele estaria fazendo e, minha angústia aumentava a cada
hora que se passava. De repente não resisti mais e procurando na
cozinha encontrei uma lata de veneno para ratos e ingeri!
Foi horrível!
Comecei a me contorcer com dores terríveis, com a garganta queimando
como se fosse de fogo. A impressão que tinha era que meu corpo fosse
sair pela boca. E assim fiquei me retorcendo em agonia, gemendo e
chorando por um longo tempo. Estava só em casa e ninguém me ouvia,
ninguém me socorria. Ao mesmo tempo eu sentia que entrava em uma
espécie de transe para adormecer.
Comecei a despertar
lentamente e me sentia envolvida numa espécie de massa tênue e
lilás. Ouvia gritos e gemidos e não sabia se eram meus ou de outras
pessoas. Continuava sentindo dores, porém elas eram um pouco
destacadas de mim, como se eu estivesse longe de meu corpo. A
primeira sensação que tive foi de vergonha do que havia feito.
Perdi a noção de
tempo e não sei quanto tempo permaneci nesse estado. Só sei que as
razões de meu gesto começaram a se apresentar e por mais que
tentasse justificar sentia que a culpa era só minha. Lembrava-me de
minha sogra e de Tomáz. Comecei a sentir que eu é que havia
provocado aquela situação com a pobre mulher. Se eu tivesse tido
mais paciência, talvez não tivesse perdido meu filho. Tinha sido
egoísta o tempo todo e só agora me dava conta disso!
Às vezes ficava em
dúvida e me perguntava se o ciúme tinha sido meu ou dela. Isso me
perturbava mais ainda e minha agonia era muito grande. Já percebia
que havia morrido, mas assim mesmo pensava em voltar. Mas a lembrança
da dor que passara tirava-me esse pensamento da cabeça. Não, não
teria coragem de voltar para aquela terrível experiência.
Subitamente fui
despertada por uma voz que ressoava no ambiente que dizia: “Espíritos
suicidas, preparem-se para voltar à Terra!”.
Fiquei mais animada
e esperançosa. Sim, voltar para a Terra, encontrar Tomáz, pedir-lhe
perdão por tudo que fizera, pedir perdão à minha sogra, começar
tudo de novo! – Meus pensamentos ainda estavam muito embaraçados e
eu me esquecia que era um simples Espírito sem corpo, desencarnado!
A voz do Guia
Universal continuou o sermão, e a névoa lilás começou a clarear a
ponto de poder enxergar em torno. Vi então que estava num bem
cuidado gramado pontilhado de margaridas e lírios brancos.
Comecei a me
movimentar e meu pensamento era um só: ir para perto de Tomáz,
pedir-lhe perdão dos meus atos. Por fim cheguei a uma grande
plataforma que dava idéia de uma rodoviária ou de um aeroporto. O
local estava cheio de gente e de vozes. Acima do rumor das pessoas
ouvia-se a voz do Guia Universal, como se saísse de grandes
alto-falantes. Nisso veio ao meu encontro um Índio bonito, com alvas
penas de adorno e, não sei como sabia que ele se chamava Pena Branca
(6).
Ele foi me
conduzindo pela mão e me vi diante de duas bocas de túneis uma
próxima da outra. Eu vacilava em qual das duas entrar. Pena Branca
havia sumido e eu sabia que tinha que tomar uma decisão. Tudo
continuava envolto naquela névoa lilás e minha indecisão aumentava
a cada momento. Às vezes ficava lúcida e no momento seguinte não
sabia o que estava fazendo. Se num momento eu estava vendo e ouvindo,
no momento seguinte eu nada via, como num pesadelo. De repente senti
uma mão que segurava na minha e dei um grito! Tomáz, o meu querido
Tomáz! Mas eu não o via, apenas o ouvia.
“Estou aqui meu
amor, venha, venha comigo; não me deixe, não me solte! O que está
acontecendo?”.
Uma luz se fez na
minha mente: Ele me ama!
Mas de repente tudo
escureceu. Meu Deus, que fizera eu. – Tudo continuou a escurecer e
senti minha mão se soltando da mão de Tomáz. Quis segurar mais
forte, mas não conseguia. O outro túnel começou a me atrair e fui
levada para ele. Ouvia vozes de todo o tipo e até mesmo idiomas de
outras línguas que eu parecia entender. Meu desespero por ter
largado Tomáz e o conhecimento da verdade, do que eu fizera,
cortavam-me o coração. Por que Tomáz me largou se ele ainda me
amava?
Despertei na Terra,
respirei e senti que estava consciente.
Minha dor era muito
grande, mas meu arrependimento de tudo que havia feito era maior.
Tinha consciência de haver perdido minha Alma Gêmea, naquela
escuridão na boca dos túneis (7) e, lamentava-me da sorte triste.
Não pude permanecer
muito tempo naquela cogitação, porque os Bandidos do Espaço logo
começaram a me perseguir. Corri de um lado para outro procurando
proteção. Cheguei até a casa de minha sogra, porém a vi
maldizendo tanto a mim, que me deu medo e tive que me afastar. Ela me
atribuía toda a desgraça que havia acontecido!
Perambulei pelo Rio
de Janeiro indecisa. Apenas uma idéia me surgia na cabeça de vez em
quando: Brasília. Não sei se era influência do meu Mentor ou se
era uma lembrança do tempo de Tomáz que falava muito em Brasília.
Estava ainda nessa indecisão, quando vi uma jovem que havia
conhecido e que morava em Brasília. Lembrei-me direitinho do seu
nome: Jeny!
Afeiçoei-me a ela e
passei a acompanha-la onde quer que fosse. Não sei se passou um dia
ou mais, mas subitamente eu me vi numa bonita casa na beira de uma
grande lagoa de águas limpas. Nessa casa havia algumas pessoas que
falavam muito em Espiritismo. Continuei acompanhando Jeny e ela
acabou por ir a um grande Templo.
Meio receosa eu a
segui e ela se dirigiu para o fundo do Templo, parando diante de uma
linda estátua de um Índio. Ele tinha um penacho dourado e tão
grande que tomava metade do tamanho da parede de fundo!
Estava assim
pertinho de Jeny e trêmula de medo, quando senti que alguém me
passava a mão na cabeça. No mesmo instante senti alívio de uma dor
que sempre tivera desde o meu suicídio. Com o alívio da dor, passei
a ter mais coerência na minha percepção. Comecei a prestar atenção
aos movimentos no Templo. Foi quando ouvi uma voz dizendo: “Mário,
a Tia Neiva está chegando” e a pessoa chamada Mário respondeu:
“Edgard, pergunte a ela se vai haver Indução”. Vi então quando
a Tia chegou perto de Mário e me viu. A senhora então estendeu a
mão e me disse: “Venha filha”.
Depois a senhora
chamou Edgard e lhe disse: “Edgard, chama a Rosa e o Josias para
fazer uma passagem”. Fui então levada para perto deles e recebi a
Doutrina. Comecei a me sentir mais leve e percebi quando Pai João de
Aruanda, o Preto Velho de Rosa, me encaminhou a uma Cassandra (8) que
me levou para o Canal Vermelho.
“Agora Tia Neiva,
eu voltei para saber notícias de Tomáz. Tenho que pedir perdão a
ele, pois minha consciência não me dá sossego, principalmente
depois que soube que ele também havia morrido naquela noite”.
“Nara, minha
filha”, respondeu Neiva. “Um dia você terá que voltar, mas não
é tão fácil o reencontro com a Alma Gêmea. Você cometeu muitos
desatinos e terá que se reajustar por isso. Muitas vezes nós
pensamos que estamos sendo feridos e somos nós que estamos ferindo
com nosso amor próprio. Isso se dá devido à nossa incompreensão,
nosso egoísmo, que é a pior arma que voltamos contra nós mesmos.
Temos a obrigação de analisar as coisas, pois em tudo existe uma
razão, um propósito. Não devemos nos queixar tanto do nosso
próximo, do nosso vizinho. Com a falta de tolerância nós fazemos
os nossos inimigos”.
Nara ouviu em
silêncio e se aprontou para partir. “Salve Deus, Tia Neiva”,
disse ela, “agradeça por mim ao Mestre Mario Kioshi, ao Mestre
Edgard, Josias, Rosa e os outros que me ajudaram. Também quero
agradecer ao Pai João que me levou para o Canal Vermelho”.
“Pois é minha
filha, em breve eu saberei onde está Tomáz e a mãe dele e, vou
mandar notícias a você no Canal Vermelho”.
“Não Tia Neiva,
só preciso encontrar Tomáz. A mãe dele está viva e mora no Rio de
Janeiro”.
“Não minha filha,
sua sogra já morreu e está junta ao filho. Não se esqueça que
você passou sete anos aqui na Terra... Olhe Nara, naquele dia em que
você encontrou sua benfeitora Jeny, eles estavam perto ajudando a
você”.
“Como? eles
estavam lá? E como não os vi?”.
“Você não os viu
porque eles estavam em outro Plano, embora estivessem bem junto a
você! Vai minha filha, vai para o Canal Vermelho e de lá você será
encaminhada para outros Planos. Neste mundo você nada tem mais a
pagar. Você já pagou muito com seu amor e agora com seu
arrependimento. Vai e que Deus a acompanhe”.
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Mensagem de um
Amigo Recém-Desencarnado
Preâmbulo
Os fatos desta
pequena história são reais e aconteceram em parte aqui no Vale do
Amanhecer.
Tia Neiva, orientada
por Mãe Yara e outros Mentores da Doutrina do Amanhecer a relatou
aos Médiuns em sua aula dominical. Muitos detalhes foram eliminados
deste relato, pois só seriam compreendidos por Médiuns
desenvolvidos.
Na sua essência a
história desse homem que passou uns dias em tratamento no Vale se
prende aos fatores básicos do desencarne ou morte física e o que
acontece logo em seguida.
Essa é a maior
preocupação do homem em todos os tempos: saber o que lhe acontece
depois da morte.
Essa preocupação
se traduz no medo da morte e é parte integrante da alma humana. Se
não for bem interpretada ela leva o homem a erros funestos, como tem
acontecido em todos os tempos. Na verdade o homem se mata um pouco
todos os dias de tanto se preocupar com a morte.
Essa pequena
história de um homem desencarnado, que pouco antes passara pelo Vale
do Amanhecer, é uma lição viva que muito poderá nos ajudar.
Podemos aprender com
ela que:
– A preocupação
com a morte só é válida se ela nos ajudar a viver bem a vida;
– Morre melhor e
tira melhor proveito da vida, quem tiver assistência espiritual –
considerando que “assistência espiritual” não é somente aquela
obtida no Espiritismo;
– O Espírito se
arrepende, na outra vida, mais das coisas boas que deixou de fazer do
que do mal que fez;
– As oportunidades
não acabam com a morte física: o “eu” continua a existir, as
manifestações anímicas são reais e o mundo é o mesmo em outro
Plano.
O mundo físico, a
Terra, torna-se perceptível em suas outras dimensões, outra
natureza, outro Campo Vibracional.
Conclui-se então
que é válido um velho axioma da psicologia: “O Mundo não é como
é, mas sim como nós o vemos...”.
Domingo,
3 horas da tarde.
O Templo do
Amanhecer está lotado de Médiuns que vieram para o Trabalho
Oficial. Lá fora o público espera impaciente o início dos
trabalhos. Tia Neiva senta-se diante do microfone e o silêncio é
absoluto. Ela começa.
Salve Deus!
Um dia destes eu
estava distraída cuidando de meus afazeres, quando percebi a chegada
de um amigo, de uma pessoa que passou aqui pelo Vale e que teve
apenas dois ou três contatos comigo.
Oh, Tia! que bom lhe
ver depois de tanto tempo! Tia, só agora consigo lhe ouvir. Passei
muitos dias sentindo a sua presença, o seu amor, porém sem
conseguir lhe ver! Porque, Tia?
Porque você está
em um plano e eu estou em outro.
Mas o seu plano não
é Universal, Tia? A senhora não é clarividente? Os clarividentes
não penetram até a terceira dimensão?
Sim meu filho, a
minha transvisão ultrapassa realmente as barreiras, mesmo as
habitualmente consideradas intransponíveis.
Tia querida, você
está me ouvindo, e isto é tudo. Como é bom lhe ver e lhe ouvir.
A senhora sabe, não
sabe? Tudo que aconteceu comigo?
Não meu filho, não
sei de tudo. Muitas vezes participo de uma situação, vou em socorro
dos enfermos e, quando volto ao corpo não desperto, a não ser em
casos que exigem seguidamente minha presença. O que aconteceu com
você é um caso muito comum. Graças a Deus, em seu caso não houve
necessidade de me despertar, despertar a minha mente quando voltei ao
corpo.
Agora preciso
desabafar querida Tia!
Sim, é necessário
mesmo que você desabafe.
Tia preciso lhe
contar toda a minha trajetória.
Eu sei meu filho,
vai lhe fazer muito bem. Tudo está na mente dos Médiuns
Doutrinadores e dos Aparás (1). Salve Deus, meu filho! Pode começar.
Tire os últimos resíduos da Terra, e que neste instante seja levado
até os Encantados e possa entregar aos Iniciados o Mantra da sua
vida!
Salve Deus Tia, Foi
tudo tão maravilhoso...
Eu estava com aquele
problema cardíaco, que a senhora sabia quando fui lhe consultar. Mal
conseguia ficar em pé, mantinha-me sempre apoiado no ombro de Dulce,
procurando me equilibrar das tonteiras e pontadas dolorosas na
coluna.
A senhora para me
aliviar me disse que eu não tinha nada de grave, que era apenas um
problema espiritual, muita mediunidade incubada e por último
mandou-me falar com Pai Jacó.
Ele me disse
palavras de conforto, belas palavras, e terminou por dizer que meu
caso era de internamento no hospital.
Fiquei três dias na
pensão do Edivaldo, de quarta à noite até sábado.
No sábado fui
procurar novamente Pai Jacó e ele disse que meu problema era
espiritual. Também me disse que nos três dias que havia passado no
Vale, a minha freqüência ao Templo eu havia me libertado de três
Elítrios (2).
Realmente, eu já
caminhava sozinho, vinha buscar minha água fluídica e subia de
volta a pensão.
Recebi muito carinho
do Alencar e tive muitas palestras com o Sr. Eurides. Ele me contou
como veio parar aqui no Vale e também falou-me da dedicação que
tinha à senhora.
A única coisa que
me preocupava e que eu estranhei muito, foi Pai Jacó me mandar de
volta ao hospital, uma vez que eu me sentia muito bem, como nunca
estivera.
Dulce, minha mulher
e companheira de uma vida, não estava satisfeita, pois sentia-se
desconfiada daquele meu estado.
Nos dias que
permaneci aqui no Vale, havia se aberto uma nova perspectiva em minha
vida. Comecei a me preocupar com as coisas que não havia feito, com
as oportunidades que tivera nas mãos, de fazer o bem e que deixara
de aproveitar. Graças a Deus, nunca fiz mal a ninguém, pelo menos
conscientemente, nunca fiz mal a ninguém.
Sentia que era outro
homem, com novas energias e com as forças do bem brotando em meu
coração. Cheguei até a pensar na morte como um alívio!
Comecei a pensar no
fato de que eu e Dulce, nunca tivéramos um filho e não tivéramos
coragem de adotar uma criança, que, aliás, era o grande desejo de
Dulce!
Lembrei-me então de
uma mulatinha, uma mulher que havia se prostituído e que fizera tudo
para me entregar uma filhinha e eu não havia aceitado. Lembro-me que
Dulce chorou muito devido à minha intransigência.
Mesmo assim, desde
que adoeci, ela dedicou-se inteiramente a mim.
Eu, porém, sentia
que ela abrigava certa mágoa, pois era apegada à sua família e
sempre quis voltar para o Rio. Isso teria sido possível, pois eu era
um Sargento reformado e poderia ir para onde quisesse.
Mas, nessa altura eu
senti que minha missão com a família de Dulce já havia terminado.
Depois da permanência no Vale, eu me acostumara a pensar que com a
minha morte, Dulce voltaria para o seio da família e tudo ficaria
bem.
Nesses dias, também
comecei a perceber o meu egoísmo e, com isso tornei-me melhor para
ela. Eu ouvira as palavras do Pai Jacó sem atinar muito com a razão
de ele me mandar para o hospital, uma vez que eu me sentia tão bem.
Saí do Vale no
domingo e fui para o meu apartamento no Plano Piloto.
Foi horrível,
senti-me mal e só conseguia alívio quando tomava água fluidificada
de Pai Seta Branca, ou quando sentia a presença de Pai Jacó.
De segunda para
terça-feira, eu já estava de novo no Hospital das Forças Armadas.
Ah, Tia! que beleza!
Foi tudo tão fácil...
Senti uma forte dor
na nuca, que ia se acentuando e se estendendo para o peito. Depois eu
fui ficando leve, leve, leve e comecei a me preocupar em ficar
deitado fazendo muito esforço para conseguir.
Pensei comigo: estou
no Vale do Amanhecer. Comecei a mentalizar aquela confusão. Quanto
mais mentalizava mais leve me sentia. De repente fui despertado pela
voz de Dulce chamando a enfermeira, estava aflita e parecia dizer:
ele está morrendo, ele está morrendo!
Não me lembro por
quanto tempo ouvi essas palavras de desespero, mas comecei a ter medo
e cai em transe.
A partir daí
entrei, ou melhor, a minha mente entro em nível do Plano Etérico,
onde fui para ajustar contas com meu corpo.
Eu, que até então
estava leve, muito leve, comecei a sentir novamente peso e calor dos
fluídos maléficos do meu corpo. Comecei então a me lembrar de Pai
Jacó e de suas palavras. O que estaria acontecendo comigo?
Vi-me andando do
Templo para a pensão do Edivaldo, com uma garrafa de água
fluidificada na mão, enquanto lembrava das palavras de Pai Jacó:
você já perdeu muito tempo. Vá para o hospital e depois venha para
fazer a caridade.
Meu pensamento
voltou-se para o jovem Gomes, aparelho de Pai Jacó e que vivia
fazendo a maior caridade. Entretanto eu, com 58 anos, nada fizera.
Tudo continuava
suave, como se nada de mais houvesse acontecido. Aos poucos as visões
foram se apagando e por mais que me esforçasse não via nem sentia
nada, nem mesmo dores, que me dessem algum sinal do que estava
acontecendo. Era como se eu estivesse num avião parado no espaço.
Não tenho noção
de quanto tempo durou esta situação. Logo me vi em outro ambiente,
numa rica e hospitaleira mansão, porém, sozinho, inteiramente só.
Despertou minha
atenção, uma neblina espessa e a pouca distância de mim, que
refletia a coloração lilás do ambiente. Era uma luz lilás que
variava de intensidade, conforme a minha mente. Perdi a noção de
tempo.
De repente alguém
me chamou por um nome que não era o meu, porém, eu sabia que era eu
quem estava sendo chamado. Um nome muito diferente do meu.
Começou então a
acontecer uma série de fenômenos. Um homem falava (pelo tom da voz
era masculina) e ao som dessa voz a névoa ia se dissipando,
clareando e passando de lilás escuro para mais claro.
O som de belos
sermões Mântricos foi segurando a minha mente no encanto daquelas
palavras. Senti estremecer o meu corpo e sabia que isso resultava de
coisas que havia feito.
Às vezes pensava
apenas estar sonhando, um sonho bom. Vez ou outra voltava à
realidade. Ora sentia saudades, ora sentia a presença de vícios
antigos. A paisagem mudava de acordo com os meus pensamentos.
Aos poucos fui me
conscientizando dos fatos. O sermão continuava com palavras cujos
significados eu nunca esqueceria. Dizia a voz (que nessa altura
parecia dirigir-se a mais pessoas além de mim): “Homens
endurecidos, volvam-se para dentro dos seus corações, examinem os
seus íntimos e vejam o que podem fazer cada um consigo mesmo.
Permanecerão sete dias dentro das suas próprias consciências e não
terão desejos. Depois desse prazo voltarão com suas mentes para a
Terra e de lá partirão para onde lhes aprouver”.
Fiz um esforço
muito grande para perguntar onde eu estava e saber qual era a minha
condição, mas minha voz não saía.
A resposta, porém
veio: “Você terá que permanecer aqui por noventa e seis horas
ainda. Olhe para si mesmo que entenderá melhor. O homem vive na
Terra na volúpia dos seus dias, e sua principal preocupação, sendo
a segurança material, se esquece da sua verdadeira missão, do que
foi realmente fazer na Terra. Na verdade ele vem para restituir o que
destruiu. O homem não tem força para atingir os mundos superiores,
enquanto sua mente estiver sob o peso da destruição que causou”.
De fato Tia tentei
me levantar da Pedra Branca onde estava (agora eu sei), mas tenho
certeza que nem o Super Homem conseguiria.
Foi então que me
passou pela mente, a minha incapacidade de concentração daqueles
dias. Senti imensa frustração pelo que havia feito. É interessante
Tia, que lembrei mais do que havia deixado de fazer do que havia
feito. Quantas pessoas que havia deixado de ajudar e que havia
desprezado...
Passei sete dias em
Pedra Branca dentro de mim mesmo. Durante todo o tempo me lembrava de
Pai Jacó e de seu jovem Médium, e tinha a impressão de que o bom
Preto Velho iria chegar ali. Mas nada, durante esses sete dias não
vi nem senti presença alguma. Somente recebia respostas ao que
pensava.
Lembrei-me muito da
minha pobre Dulce. Mas tudo eram lembranças longínquas. A minha
preocupação maior era com as coisas que não fizera, as
oportunidades que perdera. Lembrei-me então de José, um antigo
subordinado meu que precisava muito de mim e eu recusara ajudar.
Por fim chegou a
hora de sair dali. Como por encanto tudo se modificou. De repente, me
achei no saguão de uma estação rodoviária, iluminada pelo mesmo
clarão lilás. Pessoas saiam para os destinos mais diversos, porém
desconhecidos.
Subitamente ouvi uma
voz de comando que disse imperativa: “Atenção! Destino para a
Terra! Equilibrem-se para a viagem!”.
Meu pensamento voou
para o Vale do Amanhecer! A voz de comando continuava o aviso.
Cheguei, era manhã
e parecia que havia chovido, não tenho muita certeza Tia. Enxergava
com dificuldade e as coisas mudavam conforme meu pensamento. Mudavam,
porém nunca saiam daquele lilás embaçado, mais claro ou mais
escuro. Sentia uma sensação de saudades e pelejava para saber quem
eu era realmente. Tenho a impressão de que se alguém perguntasse o
meu nome, eu passaria um vexame, pois não sabia.
Nisso eu ouvi tocar
a sirene do Templo do Amanhecer e me lembrei do Edivaldo. Fui até a
pensão dele, porém não conseguia enxergar direito. Ele passou
perto de mim e eu segurei o braço dele. Balbuciei alguma coisa, mas
ele não me deu atenção. Ouvi novamente a sirene do Templo e fui
para lá. Entrei e parei, justamente perto da Mesa de Doutrina. Vi
então muitas luzes que logo desapareceram, ficando tudo novamente
lilás. Procurei dentre os Médiuns, mas não vi Pai Jacó.
Antes que pudesse
pensar melhor, senti um forte empurrão e fui atirado para um
aparelho, um Médium masculino. Comecei então a chorar com todas as
minhas forças e dizia: Meu Deus! Onde estou? Para onde irei? Tais
perguntas saiam da minha mente angustiada e ao mesmo tempo eu me
irritava. Dei um grito e ouvi a voz de um Doutrinador me dizendo: Que
tem você, meu irmão? Calma, esse corpo em que você está
incorporado não é seu. Comporte-se, tenha calma!
Senti uma vergonha
muito grande e voltei a chorar. O Doutrinador continuou: Quando você
pertencia a este mundo talvez tenha perdido muitas oportunidades.
Agora você está num corpo emprestado e procure aproveitar o melhor
desta Doutrina!
Pensei comigo: Pai
Jacó me proteja pelo amor de Deus!
Então aconteceu um
fenômeno: ouvia a voz de Pai Jacó que dizia: Filho, você está com
Deus. Se você aceitar a Doutrina desses Médiuns, essa grande
oportunidade, você partirá para outros mundos.
Suas palavras caíram
sobre mim como o orvalho cai sobre a flor. Pensei: Pai Jacó, meu
Paizinho, não me desampare!
Enquanto me
preparava para a partida o Médium se contraía devido aos fluídos
pesados de meu desencarne recente, fato que hoje eu entendo tão bem!
De repente me
desprendi de meus benfeitores e passei por um processo de verdadeira
desintegração. Fui jogado para uma Estufa (3) que estava em ligação
com o Templo do Amanhecer e, perdi a noção de tempo e espaço.
Só então me
convenci que havia morrido!
Comecei a ter
saudades de Dulce e a me preocupar. Não sei quanto tempo durou essa
situação. Fui internado num hospital e entrei em conflito. Ficava
maravilhado com tudo que via, porém sentia uma angústia terrível.
Sentia insatisfação, a falta de algo, havia alguma coisa que
deixara de fazer.
Julguei que isso era
devido à falta de Dulce e pedi ao meu Mentor (4) que me levasse até
ela.
Ele me atendeu,
porém isso de nada adiantou, pois continuei a me sentir inútil.
Comecei a me lembrar
do Cabo José e da criança que deixara de adotar. Pedi então ao meu
Mentor que me desse uma nova Missão, porque aquela eu havia perdido.
Queria voltar imediatamente!
De repente, achei-me
frente a frente com o Cabo José. Ele virou o rosto indiferente e se
pôs a caminhar. Corri atrás dele chamando-o pelo nome, porém ele
continuou a virar o rosto e evitar-me. Por fim consegui detê-lo e
olhando-o de frente eu disse: Cabo José, não sabia que havia
morrido também!
Ele virou-se com um
olhar severo e respondeu exaltado: Como não sabia Sargento? Se foi o
senhor que causou a minha morte negando-me aquela dispensa? Como não
sabia? Eu lhe havia dito que estava com pneumonia e precisava de
internamento. E que fez o senhor? Virou as costas! E pior ainda,
mandou que eu continuasse em serviço! Não agüentei e tive uma
hemoptise que me derrubou ali mesmo na caserna!
Meu Deus! Exclamei
horrorizado diante do meu próprio procedimento, e atirei-me de
joelhos diante do Cabo José pedindo perdão.
Oh Tia Neiva, foi
horrível! Fiquei desesperado. Então o Cabo José virou-me as costas
e sem mais palavras desapareceu numa fila enorme.
Meu Deus, Tia Neiva!
Eu não fora malvado, porém fora muito pior, fora desumano! Não
existia amor no meu coração.
É por isso que
estou sofrendo angústias e frustrações da missão perdida.
Já fui ao Ministro
pedir uma oportunidade para voltar à Terra, reencarnar, mas isso foi
mais um vexame que tive que passar. Os Mentores disseram apenas que
estava para ser resolvido o que me competiria fazer.
E assim Tia, aqui
estou no Canal Vermelho (5), aguardando novo destino! Salve Deus Tia!
Venha sempre me ver!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
A
Noivinha Desencarnada
Preâmbulo
Caro
leitor:
Nesta
história estamos apresentando uma aula de Tia Neiva aos Médiuns do
Templo do Amanhecer, que trouxe a maior soma de elucidações em
torno de nossas relações com o mundo invisível.
A
história de Maria Lúcia, a mocinha que morreu devido a uma dose
excessiva de drogas, quando ainda envergava seu vestido de noiva é
uma história como muitas outras que acontecem todos os dias.
Ela
se torna esclarecedora devido à riqueza de detalhes que ela nos
consegue transmitir. Esses detalhes irão nos permitir analisar
melhor as nossas relações com esse mundo que nos cerca.
É
bom que a gente se lembre a priori, que o mundo invisível, o mundo
etérico, o Plano, ou melhor, os Planos em que se acham os Espíritos
que deixaram o corpo físico, são apenas mundos invisíveis,
imperceptíveis aos nossos sentidos e aos nossos instrumentos
científicos.
São
mundos ou Planos invisíveis, mas são físicos, moleculares e
atômicos. São mundos de formas, de sensações, de relacionamento e
muito mais povoados do que o nosso mundo físico.
É
bom também que a gente saiba que nossas relações com esses mundos
não são feitas à nossa revelia, mas, dentro do âmbito de nosso
livre arbítrio, presente ou passado.
E
é importante também que saiba que o contato com esses Planos se faz
através de uma energia física que se chama ectoplasma ou fluído.
Essa energia por sua vez é produzida em nosso organismo físico, em
nosso corpo.
O
mecanismo dessa produção e contato se chama Mediunidade e por fim,
que todos os seres humanos são Médiuns, pois todos os seres humanos
produzem ectoplasma.
A
Noivinha Desencarnada
Um
domingo quente de dezembro. No Templo do Amanhecer os Médiuns
aguardam pacientes a chegada de Tia Neiva. Os Mestres exortam-nos a
se Mediunizarem e se tornarem receptivos à palestra que irá se
realizar daí a poucos minutos. A Clarividente chega, toma seu lugar
junto ao microfone e o silêncio é completo. Ela os olha sorridente
e começa:
Meus
filhos, Salve Deus!
Eu nem bem acabara de contar a
vocês a história do Sargento recém desencarnado, quando ouvi uma
voz chorosa que me chamava no Plano Invisível. Olhei e deparei com
uma jovem vestida de noiva que segurava seu buquesinho de flores com
ar humilde e constrangido.
Senti
que meu coração apertava e solícita, indaguei o que ela queria de
mim. Ela me olhou com o ar mais doce deste mundo e me disse:
“Tia
Neiva, meu nome é Maria Lúcia e sou um Espírito que teve a
felicidade de passar aqui pelo Templo do Amanhecer depois de ter
sofrido muito. Apresento-me com meu vestido de noiva porque foi assim
que desencarnei. Ouvi a senhora contando a história do Sargento para
seus Médiuns e gostaria muito de contar também a minha vida para a
senhora e os Médiuns do Vale”.
Olhei
para Mãe Yara e ela fez sinal de que consentia. Vi então o quadro
de Maria Lúcia e percebi que de fato a história dela iria servir
muito para vocês. Então a convidei para vir hoje e ela está aqui
do mesmo jeitinho que a vi pela primeira vez: o vestido branco, o
véu, o buquesinho e o corpinho esguio. Seu ar reflete um pouco de
angústia, mas, seu olhar hoje está firme. Ela está ansiosa para
que vocês saibam a história de sua vida. Como vocês não podem
vê-la, nem ouvi-la, eu vou contando o que ela me diz. Enquanto isso
Mãe Yara vai me ajudando a ilustrar os episódios com sua Doutrina.
Meu
nome é Maria Lúcia – diz ela – e eu morava no Rio de Janeiro
junto com meu irmão e meus pais. Éramos uma família modesta, mas
eu gostava de andar em companhia de jovens de melhor situação. Com
isso eu fazia meus pais sofrerem muito, pois vivia exigindo coisas
que eles não tinham condições de me proporcionar. Se não
conseguia o que queria, saía de casa zangada e pousava fora, em casa
de pessoas que às vezes mal conhecia.
Sempre
que eles se cansavam desse jogo e deixavam de fazer os meus gostos,
meu lar virava um campo de batalha. Eles me proibiam de sair por
algum tempo e barravam os meus amigos de entrar em casa. Apesar de se
tratar apenas de alguns desajustados como eu, eles eram chamados por
meus pais e os vizinhos de “hippies”. Quando isso acontecia eu
sofria muito, pois as minhas saídas tinham razões secretas que só
eu podia entender. De uma forma ou de outra os meus desatinos os
foram levando à miséria. Com isso tivemos que mudar para uma casa
pobre, de bairro mais pobre ainda. Pouco antes da mudança eu fui
abordada por dois “colegas” já habituados ao meu comportamento e
saí com eles. Permaneci fora de casa três dias.
Voltei
quando o “fumo” acabou. Entrei sorrindo em desafio.
Na
sala deparei com meu mano mais velho, conversando com um amigo seu
chamado Marques. Fiquei um pouco indecisa e percebi que meu irmão
vacilava em me apresentar; sentia vergonha de mim! Mas, mesmo sem
apresentação Marques e eu ficamos nos olhando como se nos
conhecêssemos há muito.
Saímos
daquele transe com a voz áspera de minha mãe dizendo exaltada: “Oh,
sua cínica desavergonhada, o que vem fazer aqui, vem para o enterro
de seu pai? Por sua causa ele teve um ataque cardíaco e está entre
a vida e a morte!”.
Senti
muita vergonha, e pelo olhar constrangido de Marques vi que estava
perdendo uma oportunidade de ser feliz.
Meu
pai? Foi tudo que pude exclamar e corri para o quarto dele.
Graças
a Deus tão pronto ele me viu começou a reagir contra a doença. Com
isso me compenetrei que o remédio era eu. Pobre papai, pobre mamãe!
Marques
continuou freqüentando minha casa e logo estávamos namorando. Meus
pais esperançosos que eu me casasse incentivavam nosso namoro. Mas
não foi preciso muito esforço por parte deles. Marques e eu éramos
Almas Gêmeas e nos amávamos muito, e assim tudo foi se encaminhando
para um enredo feliz.
Estávamos
assim na maior felicidade quando os velhos amigos “hippies”
começaram a me procurar de novo. Eu, porém me sentia muito feliz
com Marques e passei a hostilizar os velhos companheiros de
infortúnio. Pensava comigo: eles não passam de uns desajustados com
seus pais, eu, porém tenho pais compreensivos e não preciso deles!
Com
tudo isso eu me sentia inquieta, não tinha paz. No íntimo eu sabia
que meu passado ainda iria me destruir, apesar da atitude que estava
tomando.
Como
que adivinhando minhas preocupações, Marques sempre me dizia: “O
dia que você firmar o “papo” com esses “caras” eu sumo da
sua vida!” Com isso minha paz diminuía dia a dia.
Poucos
dias antes da data do meu casamento eles intensificaram o assédio.
Um dia eles apareceram e estávamos conversando na sala. Eu dizia com
veemência que não queria “papo”, que eles fossem embora, que eu
ia me casar. Eles apenas sorriam com certo cinismo. Lucas, um jovem
de aspecto agressivo, vestindo uma calça de pelúcia e um blusão de
couro, passou o braço no meu pescoço e disse: “Que é isso
menina? Você está numa de casamento? Tá “doidona”?
Nesse
exato momento Marques assomou na soleira da porta! Eu apavorada
desvencilhei-me de Lucas e fui ao seu encontro. Ele, porém não me
deu tempo para explicações e furioso começou a gritar: “Larguem
dela! Vocês já fizeram muito mal a essa pobre menina! Ela agora é
minha noiva! Eu sou diferente de vocês, ouviram? Não gosto do
“papo” nem de “caras” como vocês!”.
Eles
saíram e eu meio desorientada acompanhei-os até a porta.
Voltei
para a sala sentindo-me frustrada, com certo desespero, pensando
comigo: Lucas e toda essa “patota” são gente boa. Eu não devia
ter ficado parada, devia tê-los defendido da ira de Marques. Afinal
o que falta a eles é uma oportunidade como a minha!
E
assim o conflito começou no meu íntimo. Eu não parava de pensar
neles e no que poderia ter acontecido. Cada vez os achava mais
“bacanas” e assim em meio à maior confusão, aproximou-se a data
do nosso casamento (1).
Um
dia eu estava na rua procurando encontrar o meu enxoval quando topei
com a “patota”. Procurei mostrar-me cordial, expliquei o que
estava fazendo e que iria me casar em poucos dias. Eles, porém me
deram uma grande vaia e disseram que não faltariam ao meu casamento.
Fiquei apavorada com a algazarra deles, embora soubesse que estavam
apenas brincando e não o faziam por mal.
Mais
tarde, ao encontrar-me com Marques lembrei-me do incidente e chorei
copiosamente no seu ombro. Tinha enorme arrependimento do que fizera
e roíam-me os maus presságios. Pensava comigo: Meu Deus será que
tenho que pagar pelo que tenho feito aos meus pais?
Nessa
noite tive um terrível pesadelo. Me vi diante de uma grande mansão
e na companhia dos “hippies”. Lá fora rugia uma tempestade e
tinha muito medo. De repente ouvimos fortes batidas na porta. Eu
sabia que era Marques, que viera para me buscar, mas não abri a
porta.
Acordei
gritando apavorada pela minha mãe e ela me acariciando, explicando
que eu havia sonhado. Disse-me também que ela e papai já haviam
perdoado os meus desatinos.
Desde
essa noite minha angústia aumentou.
Minha
relação com os “hippies” não era tão simples como parecia.
Em
nosso meio prevaleciam os traficantes de drogas, bandidos perigosos
que envolviam a gente. Eles se aproveitavam de nossas fraquezas e
nosso desligamento com a família servia para incentivar nossos
vícios.
O
domínio dessa gente é terrível!
Suas
vítimas em geral são meninos de bem, pessoas boas, que apenas são
desajustados no meio em que vivem, e com isso se tornam presas fáceis
para esses malandros (2).
Não
contei ao Marques o encontro que tivera com a turma. Sentia medo, mas
me mantinha calada.
Um
dia estávamos sentados na calçada em frente de casa, quando chegou
a turma.
Marques
olhou-os friamente como se não os visse.
Eles
brincando jocosamente, disseram que tinham vindo me avisar que iriam
comparecer ao nosso casamento!
Antes
que eu ou Marques pudéssemos dizer alguma coisa, eles já tinham
ido.
Marques,
visivelmente irritado virou-se para mim e disse: “Se eles
aparecerem em nosso casamento, eu vou embora e nunca mais você vai
saber notícias minhas!”.
Diante
daquela ira eu também me irritei e quase explodi, mas temia chegar
ao ponto em que Marques pensasse que estava arrependida de nosso
noivado. Mas, aquela cena faltando apenas três dias para o
casamento, foi horrível (3).
Afinal
chegou o dia almejado!
A
cerimônia foi linda, com a igreja toda decorada. Esse Templo ficava
num outeiro e o acesso era feito por uma comprida escadaria.
Saímos
sorridentes e nem bem emergimos quando deparamos com o grupo em
frente à escadaria. Assim que nos viram eles estouraram numa vaia
deprimente!
Não
pude deixar de registrar quando eles fizeram referência ao meu
vestido de noiva, trazendo a dúvida quanto à minha pureza.
Na
confusão que se seguiu, sem que nem eu mesma notasse, Marques
desapareceu!
Desolada
e cheia de vergonha fui levada para a casa de meus pais. Minha mãe
tentava me consolar, mas eu estava certa que Marques não tardaria a
aparecer. Ela perguntou se eu queria ficar com eles. Eu, porém
tentando aparentar uma calma que não tinha, disse-lhe que iria
esperar Marques em casa, na nossa casinha! Ele talvez estivesse lá
me esperando.
Cheguei
ao lar tão sonhado, mas Marques não estava.
Senti
então que nada mais me restava neste mundo, além de morrer, porém
uma leve esperança ainda alimentava meu coração.
Senti
tonteiras e recostando-me num sofá comecei a ter alucinações. Via
e ouvia a turma com suas risadas, os rapazes com suas barbas longas a
roçarem em meu rosto e suas mãos quentes me acariciando. Invadiu-me
estranha volúpia, tão intensa que senti-me impelida a correr para
onde eles se achassem naquele momento!
Em
meio a essa verdadeira obsessão, permaneci assim meio acordada, meio
dormindo, até o dia amanhecer.
Despertei
confusa e a primeira coisa que me veio à mente foram as palavras de
Marques: “Sumirei de sua vida, nunca mais você me verá!”.
Tomei
então uma decisão. Achei em minha bolsa algumas drogas, manipulei
uma dosagem e ingeri. Tudo que eu queria era fugir de mim mesma,
daquele pesadelo e depois voltar para a casa de meus pais. Sabia que
eles me aceitariam, como sempre me aceitaram. Confiava a tal ponto na
paciência deles que chegava a pensar ser melhor voltar para eles do
que o retorno de Marques. Ele com certeza iria me maltratar, enquanto
que meus pais nunca fariam tal coisa.
Engoli
as drogas pensando nisso, sem nenhuma intenção de morrer.
Oh!
Foi horrível! Comecei logo a “viajar”, porém percebi logo que
essa era completamente diferente das minhas costumeiras “viagens”.
Cheguei
a uma cidade escura e deserta. Apavorada procurei por alguém que
pudesse me orientar, quando subitamente centenas de sinos começaram
a tocar. Eram sinos de todos os tamanhos, de diferentes sons que
tangiam adoidados! Minha cabeça já estava a ponto de estourar,
quando vi um homem vestido de romano antigo que se aproximava de mim.
Seu
olhar era bondoso, ele disse chamar-se Januário e que estava ali
para me ajudar. Pegou em minha mão e me conduziu para uma espécie
de praça, cercada por todos os lados. Os sinos haviam parado como
por encanto. Sem que se percebesse, Januário desapareceu e eu me
senti só, completamente só.
O
que eu pensara ser uma praça, era na verdade um bosque de relva
verde escura e árvores simétricas.
Naquela
terrível solidão comecei a sentir uma sensação de arrependimento,
de coisas que fizera e outras que deixara de fazer. Não pensava na
morte, nem na vida eterna. Para mim tudo não passava de um sonho, um
pesadelo, uma péssima viagem!
Só
uma coisa era constante em meu íntimo: a terrível ânsia de voltar
para a casa de meus pais. Mesmo Marques parecia diluído como uma
doce recordação (4).
Eu
não tinha religião nem sentimento religioso. Só pensava em voltar
e enfrentar as minhas dificuldades e ficar à mercê de meu destino.
Saí
de meu transe, com o som de uma voz que parecia sair do ar e me
cercava de todos os lados. A voz era firme e máscula, mas tinha
também um tom melodioso.
Dizia
ela: “Preparem-se para voltar para a Terra! – Cuidem de controlar
suas vibrações, pois não foi normal o que lhes aconteceu. Neste
momento vocês se acham na Mansão dos Toxicômanos! Essa passagem
que vocês fizeram, deveria ser feita somente daqui a alguns anos,
talvez uns vinte ou trinta anos. É por isso que vocês não são
Espíritos normais, porque desencarnaram antes do tempo. Mesmo assim
vocês não são considerados suicidas. São apenas Espíritos que
desencarnaram antes do tempo previsto. É por isso também que sentem
essa atração irresistível pela Terra, para seus ambientes
costumeiros. E para a Terra vocês terão que ir. Preparem-se para
viajar para a Terra!”.
Senti
certo alívio quando percebi que ele se dirigia a outros além de
mim, e também notei quando ele nos chamava de “Espíritos”. Sem
dúvida havia outros iguais a mim!
A
partir daí perdi a noção de tempo e de espaço. Meus estados se
alternavam entre angústia, saudades, esperanças e desesperos. Mas
não conseguia ver ninguém, embora a voz continuasse a falar. As
palavras eram sempre diferentes, mas o sentido era o mesmo.
Subitamente
percebi que havia mudado de ambiente. Sem que eu soubesse, eu me
movera!
O
lugar onde me achava agora era uma grande plataforma, uma espécie de
rodoviária cheia de luzes opacas, de um lilás que variava em
tonalidade. Às vezes as luzes chegavam a parecer roxas, outras quase
brancas.
Encontrei
novamente Januário e me senti mais segura.
Como
fizera da primeira vez que me vira, ele tomou a minha mão e me
encaminhou para um edifício enorme. Lá havia muitas pessoas em
atitude de espera de condução. Suas roupas eram mais ou menos
parecidas e para meu espanto vi que estava vestida de noiva, com
buquê e grinalda, do jeitinho que casara!
Nisso
ouvi soluços bem perto de mim. Olhei em torno, mas não vi ninguém
com aparência de estar chorando. Olhei interrogativamente para
Januário e ele deu a entender que também estava ouvindo.
“É
a sua mãe que chora” disse ele.
“Minha
mãe? E onde é que ela está que não a vejo?”.
“Você
não a vê nem entende, como não entendeu os belos sermões que têm
sido feitos até agora”.
“Sermões?
Não, não estou ouvindo coisa alguma!”.
“Você
não ouve porque suas células nervosas foram danificadas pelas
drogas que ingeriu. Também as pílulas anticoncepcionais produziram
danos no seu sistema nervoso (5)”.
“Meu
Deus! disse eu, e agora, o que faço?”.
“Não
se preocupe minha filha, logo você terá a oportunidade de acertar
seus desajustes. Para isso você será muito ajudada pelo amor que
tem pela sua Alma Gêmea”.
Amor,
Alma Gêmea; aquela rodoviária, o romano Januário, tudo era tão
diferente do que eu sabia e conhecia...
No
instante seguinte tudo aquilo havia desaparecido e me vi numa praia
que me era familiar. Vi que Januário continuava ao meu lado e sua
presença me dava uma sensação de irrealidade. Mas a praia era bem
real e eu comecei a olhar em torno, como nos velhos tempos que a
freqüentara.
Minha
atenção foi despertada por um casal que brigava em altas vozes.
Olhei para Januário e ele me disse: “Vá e procure apartar essa
briga, tente ajudar esse casal e é possível que isso vá ajuda-la”.
Eu
me aproximei do casal briguento no justo momento em que o homem dava
violenta bofetada na mulher. Ela caiu para trás e eu tentei
segura-la. Entretanto atravessou meu corpo como se eu não existisse
e fiquei ali abobalhada, olhando a mulher caída sem saber o que
fazer.
Comecei
a sentir grande sensação de culpa, como se eu fosse uma criminosa,
uma agressora. O homem que agredira estava com a respiração
ofegante e tinha os olhos injetados. Uma pequena multidão se formou
em torno e eu fiquei apavorada. Queria apelar para Januário, mas ele
havia desaparecido!
O
incidente entretanto tornou-me sóbria e com isso comecei a me
compenetrar da verdadeira situação. Minha cabeça, porém ainda não
se firmava e os pensamentos rodopiavam. Lembrei-me de Lucas com quem
estivera muitas vezes naquela praia e saí perambulando, conforme
caprichos de minha mente atribulada. Logo percebi que estava fazendo
o que sempre fizera: na hora da angústia eu corria para junto de
meus pais!
Senti
então certa lucidez, uma certeza no coração. Sim, voltava para a
casa que sempre me acolheu, apesar de meus desatinos. Só meus pais
tinham paciência comigo. Apressei o passo e em pouco tempo estava em
casa.
A
primeira coisa que ouvi foram as palavras de minha mãe que dizia:
“Foi melhor assim, minha filha não podia ser feliz. Ela nunca
deixou de tomar aquelas drogas terríveis”.
Gritei
então com todas as minhas forças: “Estou aqui, não vou sair
mais, não tomo mais drogas!” – mas foi em vão, ela não me
ouvia!
Permaneci
ali durante três longos anos. Acompanhava meus pais a todos os
lugares onde iam, sentava na mesa com eles, entrava nas conduções e
ficava magoada quando não sobrava lugar para mim.
Às
vezes meus pais baixavam até o meu Plano, em seus Transportes
enquanto dormiam. Embora com certa dificuldade eu conversava com
eles. Foi assim que soube que Marques havia se casado e que estava
muito feliz. Mesmo assim sofri muito com isso (6).
Eu
vivia numa atmosfera lilás e muito diferente deles. Não percebia e
não entendia muito do que se passava. Mas estava em casa e isso era
tudo o que eu queria (7).
Um
dia eles decidiram tirar umas férias e viajar até Brasília. Como
de costume eu os acompanhei e graças ao trabalho de Januário e
outros Mentores, eles receberam um convite e vieram ao Vale do
Amanhecer.
Embora
vendo e sentindo tudo nebulosamente, conseguia perceber o que se
passava no Templo. Via aquela multidão e não distinguia muito quem
era desencarnado ou não.
Meus
pais esperaram muito tempo, mas por fim chegaram diante da senhora,
Tia Neiva. A senhora explicou a eles o que se passava comigo e
enquanto conversava com eles falava também comigo. Nunca pude
esquecer a doçura de seus olhos e o grande desejo de me redimir, que
invadiu meu coração.
A
entrevista chegou ao fim e ouvi quando a senhora tocou uma campainha
e um jovem chamado Batista atendeu. A senhora pediu a ele que fizesse
um trabalho especial para meus pais e ele os levou ao trabalho de
desobsessão, nos “Tronos” dos Pretos Velhos. A senhora fez um
sinal para mim e eu os acompanhei. Enquanto meu pai esperava, minha
mãe sentou-se num daqueles “Tronos”. Não sei se ouvi alguém do
meu Plano dizer, mas o fato é que fiquei sabendo que o nome dos
Médiuns eram Waldeck, o Doutrinador e Flauzíria, a Apará.
Senti-me
atraída pela Doutrina que estava sendo feita e uma sensação
diferente invadiu-me toda. Senti que flutuava e vi que estava sendo
carregada numa espécie de lençol alvo, que mais parecia um colchão
de nuvens. As últimas palavras que ouvi foram do Waldeck fazendo
minha entrega aos Mentores.
Senti
que me desintegrava num Plano e me reintegrava noutro. Passara pelo
“Portal de Desintegração” e já estava em outro Plano!
Despertei num mundo diferente, iluminado por luzes opacas e de cores
variáveis.
Fui
então levada para o “Sono Cultural”, uma espécie de sonoterapia
de desassimilação. Despertei sem saber quanto tempo havia passado.
Ao meu lado estava Januário com sua roupa romana antiga. Ele sorriu
e a primeira coisa que fez foi convidar-me a visitar os meus pais no
Plano da Terra.
Encontrei-os
vivendo felizes e embora um pouco tristes, a memória da filha
desencarnada já não era tão penosa. Eles agora sabiam da verdade e
que eu estava em boas mãos. A visita ao Vale do Amanhecer modificara
sua sintonia e sua maneira de ver a vida. Agora Tia Neiva, eu voltei
aqui porque dentro de pouco tempo vou estar em condições de ajudar
os jovens que sofrem os desatinos que eu sofri. Quero ajudar os meus
companheiros de desdita. Farei tudo para que eles também possam
encontrar suas Almas Gêmeas e aprendam a amar (8).
Peço
Tia, que transmita aos seus Médiuns, que devem aprender a perdoar
seus filhos e serem pacientes com eles, como fizeram os meus pais
comigo. Se não fosse o amor e a tolerância deles eu não estaria
aqui agora. É preciso que seus filhos não sintam medo nunca! Se eu
não tivesse tido certeza do perdão dos meus pais, nunca teria
voltado para casa. Teria sido vítima dos Bandidos do Espaço ou
talvez tivesse me tornado obsessora dos meus antigos companheiros.
Salve
Deus Tia, e recomende aos seus Médiuns para que contem a minha
história para todos que puderem. Agradeça aos dois Médiuns que me
atenderam com tanta generosidade.
Salve
Deus!
Com
carinho,
A
Mãe em Cristo.
O Velho Coronel
Pequenas viagens!...
O sol já devia estar brilhando na Terra, pois no Plano onde me
encontrava, lindos filetes dourados, sem brilho, como que aveludados
se espalhavam por sobre aquele pântano distante, lá embaixo no Vale
Negro.
Eu, sentada com Pai
Joaquim das Almas de Enoque, sentia o esplendor de tudo que víamos.
Divisamos ao longe um homem de branco, que caminhava de um lado para
outro, sem sossego.
– Quem poderia
ser? – perguntei.
– Aquele homem é
Eugênio, um velho Coronel dos bons tempos – respondeu Pai Joaquim
das Almas.
O homem se
aproximou, vindo ao nosso encontro.
– Salve Deus! –
Eu disse.
– Eu me chamo
Frazão – falou o homem.
– Frazão? Ué,
Pai Joaquim, o senhor disse que ele era Eugênio...
– Eugênio Frazão.
É porque minha vidência não está boa, fia...
Rimos muito,
descontraídos.
– É viva? –
Perguntou Eugênio Frazão.
– Somos todos
vivos – disse Pai Joaquim nos descontraindo – Neiva tem grandes
Mediunidades e está aqui sonhando conosco.
Frazão se juntou a
nós e começou logo a contar sua vida:
– Sou um pobre
homem louco... Sou recém chegado. Tenho apenas nove anos...
Vivia naquele
pântano, sem destino, pedindo a Deus que me deixasse sucumbir
naquele lamaçal. – E foi dizendo sem que ninguém perguntasse: –
Fui bem casado, tive dois filhos: um homem e uma mulher. Ergui uma
pequena Vila com amor e harmonia que se transformou em uma linda
cidadezinha. Mal sabia que Deus havia me proporcionado tudo para que
eu ajudasse aquela gente, naquele tempo difícil.
Todos me
respeitavam, por meu amor e dedicação ao povo e àquele lugar. Tudo
teria continuado na maior felicidade se eu não tivesse dado ouvidos
a um tal Secretário, espécie de ordenança, homem muito ligado ao
Padre daquela Paróquia. Ele foi me avisar da chegada de um
Curandeiro que começara a fazer trabalhos nas redondezas. Sem
pensar, eu que era homem ponderado, mandei o Secretário ir até ele
e ordenar que cessasse imediatamente aquelas atividades. E não
cuidei mais do assunto, pois estava com viagem marcada para a
Capital, onde ia fazer prestação de contas, devendo me demorar por
uns sessenta dias.
Foi mesmo... Ainda
me lembro bem dessa viagem... Sem ter muita consciência, mas
sentindo que o destino, o meu pobre destino, havia me reencontrado,
cheguei àquela cidade grande. Comecei minhas tarefas nos diversos
órgãos públicos, e um dia saindo de uma das salas daquelas
repartições, esbarrei numa moça que vinha pelo corredor e derrubei
sua pasta. Abaixei-me rápido murmurando desculpas e apanhei a pasta.
E quando nos olhamos, nos reconhecemos: era Geruza, uma antiga
namorada com quem eu não havia podido casar, porque seus pais não
confiavam em mim. Gente importante, para romper o romance haviam
partido para a França, levando a filha obediente da qual nunca mais
eu soubera qualquer notícia. A única coisa que sabia, era que
Geruza nunca havia se casado.
Na força que age
sobre duas pessoas que se amam, nos abraçamos. E quando acordamos da
surpresa estávamos abraçados. Ficamos sem graça sentindo o peso de
nossas responsabilidades, tão importantes nas nossas idades. Não me
recordo bem do que falamos, mas sei que com algum embaraço mais uma
vez sentimos a crueldade da separação. Não combinamos um novo
encontro, não nos demos endereços, enfim, sabíamos que não
tínhamos condições para nos reencontrarmos.
Retornei à minha
Vila, mas meu pensamento estava distante. A estação movimentada,
baldeações em charretes para outra estação, o trenzinho de
madeira enfumaçado, soltando faíscas que ameaçavam nossas roupas,
nada disso conseguia minha atenção, voltada totalmente para Geruza.
Agia como um autômato e minha mente não se ligava na viagem e, nem
na minha família que ia rever.
Meu Deus! O que fora
fazer naquela repartição? Porque o destino armara aquele encontro.
E o pensamento em Geruza me envolvia, tomava conta de mim.
Lembrava-me daqueles dias felizes, dos passeios, das cachoeiras.
Aquela criaturinha meiga e amorosa que me completava e enchia minha
vida de um colorido alegre e, também lembrei daqueles olhos cheios
de lágrimas, o desespero estampado no lindo rosto, quando me disse
que os pais iriam partir e ela teria que acompanha-los. Não tinha
coragem para desobedecer... E partiu um dia deixando aquela triste
carta de adeus. E sobreveio uma revolta em meu íntimo, por que me
martirizar? Ora, se ela não quis e pronto! Cada um seguiu sua
vida... Mas eram apenas palavras para me consolar. Quando dei conta
de mim as lágrimas corriam pelo meu rosto e o trenzinho estava
chegando ao meu Vilarejo. Resolvi que era meu lugar e que tudo o mais
teria de ficar para trás.
Oh, Tia Neiva!
Destino cruel! Em nenhum momento senti enfraquecer o amor que
dedicava à minha velha esposa. Comecei a pensar nas diversas
famílias, numerosas pessoas que eram felizes naquele lugar, graças
ao meu trabalho para desenvolve-lo. Muitas culturas, criações de
grande futuro, todo aquele gado, as grandes fazendas, tudo fruto da
minha direção. Agora sabia de onde tirara a força para tudo
aquilo: procurava preencher o vazio que meu coração sentia ao ter
que me separar de Geruza. O grande amor que sentia por ela, havia na
sua falta sido distribuído por todo aquele lugar, dedicando-me
àquela missão de corpo e alma.
– Sim, Coronel –
disse eu – tenho certeza disso. O amor tira realmente muita terra
do coração do homem. Digo isso por mim: o grande amor que sinto por
meus filhos – um amor tão grande que ultrapassou as barreiras do
som e me faz amar todo esse Universo. Só o amor edifica! Somente o
amor absoluto, como por exemplo: o amor das Almas Gêmeas que se
encontram na Terra, faz uma transformação tão grande que permite o
nascimento no homem do Amor Incondicional, essa força bendita que
ilumina os três reinos de nossa natureza, aumentando o poder de
nosso Sol Interior, esse sol que exige nosso bom comportamento, que
nos faz sentir em cada ser o novo resplandecer dentro de nós.
– Ai! – Disse
Pai Joaquim – aprendeste muita coisa na Terra. Muita coisa mesmo.
Neiva como estás falando bonito! Aliás, o que é mais bonito na
Terra é ouvir o homem em seu sacerdócio. Sim, mesmo o homem de
poucas letras, explanando o sacerdócio.
– O senhor quer
dizer com esse homem de poucas letras que se trata de um
semi–analfabeto? – Perguntei – pois saiba querido Pai Joaquim
que tenho ricos professores, homens togados, que saem aqui deste
esplendor para irem me ensinar lá em baixo... Sou mesmo uma
protegida, não sou?
– É fia, mas você
não pode mentir. Seus olhos estão empenhados a Jesus. O que te faz
falar bonito é o que acabou de dizer: o grande Amor Incondicional.
Aqui é fácil falar, porém, na Terra é muito difícil. O homem
carrega sérios defeitos através dos milênios e fica muito difícil
amá-lo.
– Não quero saber
dessas cargas – tornei a dizer. Eu levo o meu quinhão e enquanto
tenho forças levo também o dele. Quando vejo ele já está sem
defeitos... Mas, vamos continuar com a sua história Coronel.
– Quando cheguei à
estação, fiquei surpreso. Não havia qualquer um dos meus
familiares a me esperar. Apenas estava me aguardando aquele homem em
quem eu confiava demais, o meu ordenança.
É Tia, dizem que
ninguém engana ninguém, mas fui enganado por aquele homem a quem
tanto me dedicara. Logo após as saudações ele começou a me
relatar coisas amargas, dizendo que o tal Curandeiro não me
respeitava e continuava fazendo seus feitiços. Como eu o proibira de
fazer suas sessões na casa dele, agora ele ia de casa em casa
realizando trabalhos e levando o povo ao fanatismo.
Era um mau momento o
meu. Com a emoção me dominando, cansado e magoado, aquela notícia
foi a gota d’água que transbordou meu cálice. Tomado pela fúria
ordenei que prendessem o Curandeiro e que lhe fosse aplicada uma
surra na praça pública.
O perverso ordenança
era o próprio mensageiro do mal. Disse que meus filhos não puderam
ir porque meu netinho estava doente, muito mal. Essa notícia acabou
de me derrubar. Meu neto era há muito a devoção de minha vida.
Alucinado, partimos para casa e durante o trajeto o ordenança ficou
falando sobre as manobras do Curandeiro para burlar minhas ordens. E,
mal chegamos a minha casa o Ordenança correu à casa do Curandeiro
para prende-lo.
Oh, meu Deus! Eu mal
sabia que aqueles homens eram meus algozes e que Deus me colocara ali
como Missionário, para evoluir aquele povo e suavizar o terrível
encontro, encontro esse em que o obsessor era meu próprio pai. Pelo
meu amor, pela minha compreensão, pela ternura que lidava com cada
um, eu estava encaminhando aquela gente. Não podia saber que Deus
havia mandado aquele pobre homem – o Curandeiro – para me ajudar.
Não... envenenado,
preferi dar ouvidos ao Ordenança, que com sua mente deturpada punha
em jogo toda aquela gente que eu tanto amava. Oh, meu Deus! Como me
livrar do terrível acusado?... Sim, hoje eu digo Tia Neiva, que o
Missionário nem por um instante pode ouvir outra voz, que não seja
a do seu próprio coração.
– Sim – disse
eu, Jamais cairei nesta infração. Não aceito comentários de
ninguém: só ouço a voz do meu coração e só confio na minha
Clarividência.
Rimos com amargura,
e ele continuou:
– Chegamos à
minha casa, já ouvia os gritos tristes do povo. Certamente estavam
lamentando a prisão do Curandeiro, pensei. Meu filho e minha nora
chorando, vieram ao meu encontro e me imploraram que os deixasse
chamar o Curandeiro, pois ele já havia curado muitos casos daquela
triste febre que estava matando meu netinho.
Sim, como pudera ser
tão vil? Como pude? Depois de tanta experiência, fazer o que fiz?
Tanta realização, mas na verdade eu estava desajustado.
Aproximei-me de meu
netinho, que ardia em febre. Lá fora a algazarra havia aumentado.
Podia ouvir o povo e ninguém vinha me dizer o que estava
acontecendo. O Ordenança havia sumido. Oh, meu Deus! Por que meu
Deus, eu merecia passar toda aquela dor? Ver morrer em meus braços o
meu netinho... Apenas por uma palavra, um gesto eu colocaria a perder
o que me era mais caro.
Mais uma vez me
sentia como que morto por dentro. Aquela algazarra... se alguém
viesse pelo menos dizer que não era nada com o Curandeiro e sim
alguém que chegava e estavam festejando... Qualquer coisa menos o
castigo do Curandeiro, pensava eu.
No quarto ninguém
falava. Apenas se ouvia a respiração ofegante da criança moribunda
e os soluços dos pais e de minha velha esposa. Nesse momento, Tia
Neiva, garanto que meu único pensamento era salvar meu netinho.
Minha nora parecia adivinhar meus pensamentos e levantando-se num
repente, com firme determinação, me disse que ia buscar o velho
Curandeiro. Não falei nada. Eu pensava que era muito corajoso, mas
não passava de um grande covarde.
Súbito uma força
incrível, um impulso violento arrancou-me dali, e saí correndo sem
destino. Corria, corria e de repente senti-me leve, leve como se não
tivesse mais o corpo e me transportei, chegando aos lugares onde meu
pensamento me levava. Cheguei até aqui e então soube que morrera na
mata.
Essa é a minha
história, Tia. Tudo teria dado certo se não tivesse ouvido as
mentiras do meu Ordenança. Triste e infeliz daquele que ouve os
fuxiqueiros, os malvados que se armam em julgadores... Aquele
Curandeiro era meu pai, que fora instrumento para testar a minha
humildade. E eu que me sentia humilde, que me dizia humilde, porque
todos viviam a meus pés, à primeira prova caí como um louco. Oh,
meu Deus! Não me encontrei com o Curandeiro para lhe pedir perdão
pelo capricho do meu destino, de minha prova. Ele foi ter com Deus e
eu fiquei aqui Tia Neiva.
Pai Joaquim segurou
a mão do velho Coronel, e seus olhos brilhavam quando falou:
– Não, meu filho.
Você se enganou! A algazarra que você ouviu era o povo se
distraindo com as graças que uma velha fazia na praça. O seu
Ordenança não chegou até a casa do Curandeiro, com medo daquele
povo que estava ali. Sua nora conseguiu que o Curandeiro fosse curar
seu neto, e todos teriam ficado muito felizes não fosse terem
encontrado seu corpo na mata. Você foi um homem muito honesto e,
pense sempre nessa lição, para que não tenha mais que sofrer, para
não mais julgar ou corrigir sem amar.
– Agora sim...
Agora tenho a cabeça para trabalhar, para cumprir uma Missão...
Salve Deus! –
Dissemos juntos.
Vai, fia – Disse
Pai Joaquim olhando para mim, que os filetes do sol já começam a
surgir.
E logo, eu estava em
casa.
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
O Pequeno Pajé
Caro
Médium:
Neste número
apresentamos a você uma história diferente: a do Pequeno Pajé. Ele
foi feito para as crianças do Vale do Amanhecer, principalmente os
filhos dos Médiuns.
Essa história
poderia chamar-se também “O Pirata da Aldeia Encantada” ou “Em
busca da Aldeia Encantada”. Preferimos esse nome porque as crianças
do Vale já se acostumaram com o Pequeno Pajé.
O Pequeno Pajé do
Vale do Amanhecer é uma pequena organização, que funciona paralela
com as atividades do Templo do Amanhecer. Destina-se ele a ambientar
as crianças, até os 14 anos, com a atividade Mediúnica.
Até essa idade as
crianças se familiarizam com a Mediunidade, sem praticar o
Mediunismo. O Pequeno Pajé se incumbe de satisfazer as necessidades
psicológicas, ao mesmo tempo que afasta suas mentes do Espiritismo,
do fenômeno Mediúnico, principalmente em seus aspectos angustiados.
As crianças cantam,
brincam, recebem Passes, são tratadas pelos Mentores Espirituais,
tudo sem falar em Mediunidade, Espiritismo ou Religião.
Essa atitude se
fundamenta no conhecimento da fisiologia da Mediunidade. A Energia
Mediúnica é produzida na intimidade dos ossos, na medula, no
“tutano”. Desde a formação do feto humano, até mais ou menos 7
anos de idade, essa energia se dilui no organismo, de tal maneira que
toda criança é um “Médium natural”.
Esse fenômeno varia
de criança para criança, dependendo de fatores complexos que
circundam cada uma, mas de um modo geral, todas “vêem”,
“escutam”, “tocam” o Mundo Invisível. As crianças “se
comunicam” tão naturalmente com o Mundo Invisível como com o
Mundo Físico, na proporção inversa das idades. Os sentidos vão se
desenvolvendo e se firmando e, nessa proporção vão diminuindo as
percepções do Mundo Invisível até desaparecerem quase por
completo na faixa dos 7 anos.
Por isso, quando a
gente vê um grupinho de crianças brincando de “casinha” ou
coisa parecida, a gente deve levar tão a sério como elas levam. No
meio da brincadeira existem personagens que nós não vemos, mas que
as crianças vêem... Também quando nosso filhinho estiver brincando
sozinho e estiver falando “com alguém”, respeite seus amigos e
finja que está vendo...
Esse fenômeno é
muito mais intenso quando os Médiuns da casa, a mãe, o pai ou
outros adultos que morem na mesma casa, não são Médiuns
desenvolvidos e a carga recai mais sobre as crianças.
A pior coisa que se
pode fazer numa circunstância dessas é achar engraçado e
incentivar atitudes Espíritas nas crianças. Diante de um fenômeno
tão simples quanto esse os pais costumam achar que seus filhos são
“geniosinhos” e os fazem exibir-se para os amigos...
Dos 7 anos aos 14 o
fenômeno toma uma direção diferente. A partir dos 7 anos a criança
começa a esticar, a crescer, principalmente o esqueleto, os ossos. O
gasto de energia é tanto (a mesma energia que falamos acima), que o
fenômeno se inverte: o adolescente perde a noção da realidade,
perde a segurança do Mundo Invisível e começa a depender de sua
imaginação. Ele começa a depender tanto dos sentidos físicos que
os exagera. A voz luta por se firmar, os olhos começam a depender
mais dos contornos físicos e da iluminação ambiente e ele não
sabe o que fazer com as mãos.
Os adultos não
devem confundir essa luta pela afirmação psicofísica com o
fenômeno Mediúnico do Espiritismo. Se isso acontece e o adolescente
for levado ao Trabalho Mediúnico, há muitas possibilidades da
deformação de sua personalidade e até mesmo de seu corpo.
O que dissemos até
agora é o suficiente para explicar as razões do Pequeno Pajé do
Vale do Amanhecer, as razões que poderiam ser chamadas de
“negativas”.
Mas, perguntarão as
pessoas que nos lêem, e a Religião? Uma criança deve ser criada
sem Religião?
Sim, responderemos
nós, é lógico que as crianças devem ter uma Religião. Mas essa
Religião deve ser natural, tão lógica que ela não tenha que
abandona-la tão pronto se sinta adulta...
É disso que nossa
Pequena História de hoje procura nos dar um exemplo.
Todo adulto sonha
com uma “Aldeia Encantada”.
Todos buscamos algo
em que possamos confiar e agir.
Essa é a “nossa”
Religião, um aspecto particular e único da nossa formação
multidimensional, a necessidade de relacionamento com outros Planos
de nosso universo particular, a busca do “nosso” Deus...
É mais honesto que
os Missionários facilitem esse mecanismo do que fornecerem às
crianças uma religião particular, sob medida de nossos interesses,
mas inadequada àquela criança, àquele Ser único e inigualável.
Procedendo assim, tanto os pais como os Sacerdotes apenas vão
garantir àquele Ser a angústia de ter que se libertar, quando se
tornarem adultos e perceberem o logro...
JESUS
E AS CRIANÇAS
13. Depois,
trouxeram-lhe (algumas) crianças para que impusesse as mãos sobre
elas e orasse; os discípulos, porém, as repreendiam.
14. Mas Jesus
disse: “Deixai as crianças e não proibais que venham a mim,
porque destas é o reino dos céus”.
15. E depois que
lhes impôs as mãos, partiu dali.
Mateus, 19:13-15.
O
Pequeno Pajé
Era uma vez um jovem
casal de cientistas.
Eles viviam numa
grande cidade e trabalhavam nos laboratórios da Universidade. Haviam
se tornado cientistas porque gostavam de estudar. Seu maior sonho era
viajar em busca da ALDEIA ENCANTADA, uma linda história que
conheciam desde crianças.
Trabalharam,
trabalharam, até que puderam construir um barco capaz de enfrentar o
alto mar. O barco era lindo, com velas coloridas e todo conforto.
Havia até mesmo um motor auxiliar, para que eles pudessem enfrentar
as tempestades ou navegar quando não houvesse vento para suas velas.
Finalmente, chegou o
dia em que eles decidiram sair em busca da ALDEIA ENCANTADA. Até
então, eles haviam acumulado conhecimentos e equipamentos para todo
tipo de pesquisas. Despediram-se dos seus amigos e muita gente chorou
de emoção. O jovem casal era muito querido na comunidade.
Como indicação
levavam, apenas, o sonho de criança e a confiança nas Estrelas do
Céu. Assim, viajaram por muitos oceanos, viram muitas terras e
gentes. Conheceram os perigos dos mares bravios, viram toda sorte de
fenômenos, animais estranhos e gigantescos. Certa vez foram
acompanhados, quase uma semana, por um bando de golfinhos que pulavam
em torno do seu minúsculo veleiro e brincavam com o jovem casal.
Paravam pouco tempo em cada lugar. Não perguntavam pela ALDEIA
ENCANTADA, porque não queriam arriscar o sonho de seu coração com
pessoas que não queriam compreende-los.
Assim, já haviam
percorrido muitos lugares e sua alegria já estava se acabando.
Passavam o dia cuidando dos afazeres da viagem, mas já não
conversavam muito. Havia em seu semblante um pressentimento de que
estavam chegando ao término da jornada e isso os deixava com um
misto de tristeza e sobriedade.
Um dia avistaram uma
terra na qual se destacava uma montanha muito alta. Em torno do pico
da montanha as nuvens faziam anéis e do seu cume saía uma fumaça
branca.
Sentiram o coração
bater mais apressado e rumaram para a terra, com a segurança de quem
sabia o que estava fazendo. Além da praia de areias alvíssimas,
via-se uma luxuriante vegetação e, bem no fundo, na encosta da
montanha, mais alto que o nível do mar, uma cidade!
Pelas estradas que
atravessavam a vegetação, vinham caminhando os habitantes da Aldeia
que há muito haviam visto o barco chegando.
A recepção foi
alegre e o jovem casal sentia-se à vontade, como se estivessem sendo
esperados. A língua que aquele povo falava era muito estranha, não
se comparava com nenhuma das línguas conhecidas. Mas o interessante
é que não havia dificuldade para eles se entenderem! O jovem casal
se instalou numa modesta casinha e desembarcou todo seu material de
pesquisa. Sabiam agora que aquela era a ALDEIA ENCANTADA! Haviam
chegado ao seu destino.
Como eram cientistas
eles faziam muitas perguntas aos moradores, mas eles pareciam saber
muito pouco a respeito de si mesmos. Tudo que eles procuravam saber
recebiam como resposta, que quem poderia informar era o Velho Sábio
que morava numa colina acima da ALDEIA.
Chegou o dia em que
eles decidiram procurar o Velho Sábio. Não foi fácil chegar até
ele. Os moradores pareciam ter ciúme ou medo dele, e só a custo
conseguiram o guia que os levaria até lá. O guia também estava com
medo, e vacilou muito levando-os por muitas horas, por caminhos
diversos do que pretendiam.
Eles começaram a se
cansar, e já estavam para desistir quando depararam com uma linda
casinha e ouviram a voz do Velho Sábio!
Estacaram medrosos e
surpresos. Na porta estava um velho portentoso, de ombros largos e
feições bondosas. Usava uma barba branca que combinava com seus
alvos cabelos, formando uma moldura suave para seu rosto bom.
“– OH, MEUS
JOVENS CIENTISTAS! Exclamou ele com voz forte. Sejam bem vindos à
ALDEIA ENCANTADA! Vamos, entrem”.
Diante da figura
imponente do Velho Sábio, o jovem casal sentiu-se pequeno e
amedrontado, a ponto de gaguejar. Agarradinhos um ao outro, foram
entrando na modesta sala, ao mesmo tempo que balbuciavam:
– Viemos de longe
em busca desta ALDEIA e gostaríamos de saber sobre ela. Disseram-nos
que o senhor nos diria tudo o que sabe. Ao mesmo tempo gostaríamos
de fazer o que pudéssemos. Sentimos que, também, temos alguma coisa
a fazer aqui.
É verdade, disse o
Velho Sábio, estou pronto a dizer tudo que somos aqui. E passou a
contar a eles a triste história da ALDEIA ENCANTADA.
Eu fui um grande
pirata, muito temido, e aqui cheguei há muitos anos. Somados esses
anos, com os que eu tinha, eu hoje já tenho duzentos anos de idade.
Aqui cheguei no auge de minhas forças e, com meus homens eu causei
uma grande destruição. Aqui vivia um povo humilde e amoroso. As
ruas tinham lindas árvores e caramanchões de flores. Todas as casas
tinham jardins que eram cultivados com carinho pelos Aldeões. Do
alto daquele morro descia uma torrente de água, formando uma linda
cascata. Nas noites de luar, os habitantes vinham assistir à Dança
dos Encantados que se realizava na praça central. Essa dança era um
contato com a Força da Lua e, através dessa energia, os Encantados
vinham saudar o povo da ALDEIA.
Às vezes –
continuou o Velho Sábio – eu ficava muito triste pensando nas
coisas mal feitas que fizera antes de conhecer esta Aldeia...
– Como?
Interrompeu o jovem cientista.
– Então o senhor
já fez muitas maldades?
– Sim! –
Respondeu o antigo pirata – Já fiz muita destruição,
principalmente aqui, quando cheguei com intenções de esconder o meu
tesouro.
– Tesouro? Então
o senhor tinha um tesouro, era um homem rico?
Sim e não, foi a
enigmática resposta. Como o meu jovem deve saber, piratas matavam
para roubar e acumulavam o fruto de seus roubos em peças de ouro,
jóias e pequenos objetos. Armazenavam tudo em pequenas arcas e
procuravam um lugar ermo onde as enterravam. Assim, eu vim parar
nessa ALDEIA ENCANTADA. Ancorei o meu navio na enseada e o povo veio
me receber todo feliz. Eu, porém, reagi com truculência e meus
homens, encharcados de rum, atacaram a todos com ferocidade. O povo,
então, aterrorizado, fugiu para as montanhas e procurou proteção
no Velho Pajé...
Velho Pajé? Quem
era ele?
Logo vocês ficarão
sabendo. Respondeu pensativo o antigo pirata. Quando eu soube que o
povo estava se refugiando junto ao Velho Pajé, eu estava com meus
homens aproveitando a ausência dos habitantes e saqueando a ALDEIA.
Destruí muita coisa e, com isso, as flores murcharam, os jardins
ficaram espezinhados e a cascata parou de correr.
– Então, o que o
senhor fez?
– Fui atrás do
Velho Pajé.
– Mas o que foi
que o motivou a se arriscar? Afinal, o senhor tinha a ALDEIA nas mãos
e não sabia o que iria encontrar lá em cima.
– Ninguém me
motivou coisa alguma. Fui por conta própria. Meus homens eram
supersticiosos e não se sentiam encorajados a subir. Fui e tive a
maior das minhas surpresas.
– Naturalmente o
senhor conseguiu vence-lo, não foi?
– Não, meu jovem!
Ao contrário do que pensava, o meu encontro com o Pajé foi a maior
experiência da minha vida. De fato eu cheguei junto a ele com toda a
minha ferocidade de pirata.
Porém, ao
defrontar-me com o seu olhar profundo, expressão que nunca tinha
visto em toda a minha vida, nos sete mares da Terra, eu me derreti
como se fosse gelatina.
De longe gritei para
meus homens que trouxessem a arca do tesouro e a coloquei aos pés
dele dizendo:
Tome, esse tesouro é
seu.
Ele, porém,
continuou a me olhar como se nada tivesse ouvido. Senti que estava
passando por uma espécie de hipnose que me transformava por dentro.
De repente, olhei para o tesouro que havia sido depositado nos pés
do Pajé e percebi que ele perdera todo valor para mim. Minha
ganância habitual desapareceu como desapareceram muitas coisas da
minha mente, muita coisa ruim. Era como se tirassem dela todo o mal
que existia.
– Você disse da
sua mente. E do seu coração? Não desapareceu o mal?
– Não! Respondeu
o Velho Pirata. Não existe mal no coração. A sua estrutura, a
formação do coração, do sentimento, vem de Deus e é puro. É a
nossa mente que nos desperta para o mal ou para o bem. Todos trazemos
no coração o bem que é a Essência Divina. Somos semelhantes a
Deus, somos bons. A mente é que polui, deturpa.
Foi horrível –
Continuou ele – Meus homens haviam aberto a arca e as jóias que
compunham meu tesouro brilhavam e faiscavam a luz do sol. Entretanto,
ninguém parecia ligar a menor importância, nem os Aldeões, nem
meus homens, e nem mesmo eu. Permanecíamos como que absorvidos na
força do olhar do Pajé. Então, eu comecei a me sentir mesquinho,
pequeno e ridículo. Eu havia apanhado um punhado de pedras preciosas
com a idéia de atrair o olhar do Pajé. Porém, na medida em que o
silêncio se prolongava, as pedras iam caindo por entre os meus
dedos, e eu me sentia abobalhado, sem saber bem o que estava
acontecendo. Ninguém proferia uma palavra e somente a personalidade
do Pajé dominava o cenário.
Por fim, o próprio
Pajé quebrou o encanto.
– Salve Deus, meu
filho – Disse ele.
Entre e sente-se. E
eu obedeci automaticamente, sentando-me num banquinho no interior da
cabana. Entrei numa espécie de transe e, quando dei por mim, eu
senti que estava me transportando. Vi, então, que o Pajé abria uma
porta que dava para uma espécie de planície que ia até o
horizonte.
– Olhe. – Disse
ele – Olhe para o seu passado!
Vi, então, inúmeras
cenas de meus assaltos, de meus roubos, e vi também as pessoas que
havia despojado de seus bens. Muitos ainda se lamentavam pela falta
das coisas preciosas que eu havia roubado. Senti, então, uma enorme
tristeza ao ver a prova viva dos meus crimes.
Quando voltei a mim,
o Pajé continuava de pé me olhando. Perguntei: – E agora, meu bom
Pajé? Que devo fazer de minha vida?
– A primeira coisa
é esperar que toda essa gente que você prejudicou pare de vibrar em
você.
– Mas, porque
tenho que esperar?
– Porque você só
irá recuperar a paz de seu coração quando essas pessoas se
desligarem, quando se recuperarem dos males que lhes fez.
– Meu Deus!
Exclamei. E eu, que destruí também grande parte da ALDEIA!
– É verdade –
Continuou o Pajé – Se você quer, realmente, a sua verdadeira paz,
terá que permanecer aqui como um prisioneiro, até que tudo se
equilibre. Ficando aqui e procedendo direitinho, sua sorte mudará e,
então, tudo ficará bem outra vez. Se você tiver sorte, virão
cientistas de outro Plano e repararão alguns males que você fez.
Veja, por exemplo, aquela cascata que já não corre mais. Só os
cientistas do além saberão recuperar o seu mecanismo.
Diante daquela
perspectiva, minha alma se rebelou e eu disse:
– E, se
porventura, eu me recusar a permanecer aqui como prisioneiro?
– Ora, disse o
Pajé, você é livre e pode ficar ou ir. Use o seu livre arbítrio.
Eu, então, respondi
que queria apenas a minha paz.
Ele, então, me
disse: – Esta ALDEIA é encantada e, mesmo que você tentasse, não
conseguiria sair daqui. Os Gênios Encantados não deixariam. As
pessoas só saem daqui, quando estão felizes e equilibradas. No
fundo, é a sua própria consciência que não o deixaria sair.
– Oh, meu Deus!
Gritei com a alma dolorida.
– Quer dizer que o
senhor apelou a Deus? Interpelou um dos jovens cientistas.
– Não, eu não
apelei a Deus. Eu dei esse grito ao pensar no sofrimento daquelas
pessoas a quem eu fizera mal.
– Mas, isso é
grande! Gritou o jovem casal de cientistas.
Queremos conhecer
esse Pajé tão bom!
Pois não, respondeu
o Velho Pirata. Vamos até lá. Mas, teremos que ir imediatamente.
Tenho um pressentimento que sua Missão nessa ALDEIA está se
acabando!
Puseram-se a caminho
da montanha do Pequeno Pajé e ficaram maravilhados. Ele era cheio de
rosas e flores variadas. De quando em vez, deparavam com pequenos
índios que lhes apontavam suas flechas. Ao reconhecerem o Velho
Pirata, eles abaixavam seus arcos e os deixavam passar. Os cientistas
não puderam sopitar a sua curiosidade, e perguntaram ao Velho Pirata
de onde haviam vindo aqueles Indiozinhos.
Eles são a guarda
do Pequeno Pajé. Eles são encantados.
Os cientistas,
então, tiveram uma inspiração e disseram:
– Salve Deus!
Sejam bem vindos à Tenda do Pequeno Pajé!
Os cientistas
notaram a consideração que eles dispensavam ao Velho Pirata, e
guardaram as suas perguntas para serem feitas oportunamente.
O encontro dos dois
Sábios e o jovem casal foi maravilhoso. O Pequeno Pajé saudou os
cientistas dizendo palavras amáveis.
Em seguida, revelou
muitos segredos científicos de sua tribo, inclusive alguns que ainda
eram mistérios, até mesmo para os mais antigos do Clã. Dentre
eles, os cientistas ficaram sabendo porque a cascata parara e, como
ele, o Pequeno Pajé tivera que ficar até que aparecesse alguém que
a fizesse jorrar de novo.
Agora é a sua vez!
Disse ele aos cientistas.
E eles responderam:
– Se tudo que você nos ensinou é verdadeiro, nós faremos isso
agora mesmo.
– Sim – disse o
Pajé – Tudo é verdade e lhes afirmo neste instante:
– Se suas mentes
forem limpas, sem qualquer fanatismo, pelo bem ou pelo mal. Se
souberem amar cientificamente e distinguir a pequena Estrela.
Disseram a uma só voz, os três. E comentaram entre si: quando as
chamas crescem, queimam a mais.
– Sim, disse o
Pequeno Pajé. Aquela fogueira representa o homem e a Estrela é seu
coração.
Quando o homem
odeia, ele queima o amor e as chamas se acentuam, ferindo sua própria
estrela, seu próprio coração.
Nesta Aldeia vocês
encontrarão alívio para todos os males. Neste Velho Pirata vocês
encontrarão a Sabedoria acumulada nos seus 200 anos de vida.
A Aldeia Encantada
estava silenciosa, quando, de repente se ouviu o barulho da água
caindo de novo na cascata. O povo pulou de alegria, mas, logo voltou
a ficar quieto quando o Pequeno Pajé veio para se despedir de todos.
Sua missão ali estava cumprida. À chegada do Velho Sábio sentiu
que toda aquela gente o amava, que a cascata corria de novo e que,
apenas ele se distanciara de todos, pois passara para outro Plano!
O Pequeno Pajé,
então, tomou um ar solene e, na presença de todo o povo da Aldeia
Encantada passou os seus poderes ao antigo Pirata, hoje o Velho
Sábio, para que governasse em seu lugar, pois, a partir daquele
momento, ele partiria para outras missões em outros mundos.
Pai
Nosso das Criancinhas
Pai nosso que estais
nos céus
Na glória da
criação;
Ouve esta humilde
oração
Dos pequenos lábios
meus.
Santificado Senhor,
Seja o teu nome
divino
Em minha alma de
menino
Que confia em teu
amor.
Venha a nós o teu
reinado,
De paz e
misericórdia
Espalha a luz e a
concórdia
Sobre o mundo
atormentado.
Que a tua bondade
assim,
Que não hesita e
não erra,
Seja feita em toda a
Terra,
Em todo o céu sem
fim.
Irmãos de toda a
Terra,
Amai-vos uns aos
outros.
Irmãos de toda a
Terra,
Amai-vos uns aos
outros.
Irmãos de toda a
Terra,
Amai-vos uns aos
outros.
Hino
do Pequeno Pajé
A
Aldeia Encantada
Somos aves em busca
de luz
De Jesus queremos
saber
Dos nossos titios
Jaguares
O Evangelho vamos
aprender.
E quando soubermos
tudo direitinho
A vida sorri, tudo é
facinho.
O Mestre Tumuchy nos
prometeu
Da Aldeia Encantada
O Mapa fazer
E quando soubermos
tudo direitinho
A vida sorri, tudo é
facinho.
Marcharemos em busca
do tesouro
Da Aldeia Encantada
do Velho Pajé
Da ira, da dor, do
Sábio Pirata
Duzentos anos de
castigo ficou.
E quando soubermos
tudo direitinho
A vida sorri, tudo é
facinho.
Tia Noemi e Tio
Carlinhos
Os nossos queridos
titios com amor
Salve Deus Tio
Assis, Salve Deus!
O Pequeno Pajé se
formou.
E quando soubermos
tudo direitinho
A vida sorri, tudo é
facinho.
Pelo Espírito do
General. Médium – Tia Neiva.
Vale do Amanhecer,
17 de novembro de 1975.
Um Homem de Dois
Mundos
Preâmbulo
Caro leitor:
Pai João de Enoque,
um grande Mestre Planetário que humildemente se apresenta na
roupagem de um Preto Velho, costuma dizer no Templo do Amanhecer:
“Meus filhos, não adianta somente dar peixes às pessoas, é
preciso ensina-las a pescar...”.
Com isso ele quer
dizer que não basta curar e tirar as pessoas de suas angústias,
mas, que é preciso dar-lhes algo mais, alguma coisa que lhes sirva
de guia nas suas resoluções, é preciso dar-lhes uma Doutrina para
lhes servir de amparo nas horas amargas, quando têm que tomar alguma
decisão.
Essa é a finalidade
destes folhetos periódicos, de dar às pessoas uma idéia da vida
fora do Plano Físico, do que acontece com a gente depois que
desencarnamos, e com isso tomarmos mais cuidado com nossa conduta.
Nossa vida depois da
morte depende da maneira como nós vivemos antes da morte...
Nesta história de
Marcondes isso fica bem demonstrado. Na Aula proferida pela
Clarividente Neiva aos Médiuns do Templo do Amanhecer, houve a
oportunidade de se acompanhar a vida desse homem e sua família,
desde uma encarnação no século XIX, até que morreu de novo no
século XX. De permeio graças à Clarividência de Tia Neiva,
pode-se ter uma visão da vida no Plano Etérico, nos estágios
evolutivos da caminhada para Deus.
O que mais fica
evidente nesta história, é a diferença de pontos de vista da mesma
pessoa no Corpo Físico e no Corpo Etérico. Esse drama pode ser
percebido por cada um de nós em nossas próprias vidas a cada
momento.
Não há dúvida
caro leitor, todos nós temos vidas simultâneas e o desafio do
momento, de cada um, é de como conciliar dois pontos de vista
opostos que se contrariam – lutando no mesmo campo consciencional
em nosso íntimo, no lugar onde nosso Eu escolhe os elementos para
suas decisões.
O Editor.
Um
Homem de Dois Mundos
A Casa Grande
repousava após mais um dia de agitada atividade.
Em torno dela, no
lusco-fusco da madrugada ouvia-se apenas os apitos monótonos dos
guardas noturnos, os passos de algum retardatário e o ruidoso roncar
dos carros que passavam no asfalto a dois quarteirões de distância.
O quase silêncio, a disposição das ruas e casas, faziam pensar que
se tratava de uma pequena cidade do interior. Na verdade a Casa
Grande era localizada no coração da cidade mais moderna do Mundo,
na cidade de Taguatinga, em Brasília.
Esse contraste,
entre um sistema de habitação relativamente pobre, a maioria das
casas feitas de madeira, as ruas laterais sem asfalto ou esgoto, era
também peculiar da Casa Grande.
Oficialmente ela era
apenas a residência de Tia Neiva e o orfanato chamado de “Lar das
Crianças de Matildes”. Ali viviam cerca de cem pessoas, entre
crianças e adultos na maior simplicidade, mas, ao mesmo tempo, era a
sede, o coração da Doutrina Crística praticada com a maior
autenticidade.
O Templo do
Amanhecer ficava a três quadras de distância, mas seu papel de
abrigo aos angustiados, era exercido realmente quando Tia Neiva
estava presente. Naqueles dois pontos de Taguatinga a pequena
multidão diária ia e vinha e a pergunta era sempre a mesma: – TIA
NEIVA ESTÁ NO TEMPLO? Ou então: – TIA NEIVA ESTÁ EM CASA?
Deitada e com os
olhos fechados Tia Neiva parecia dormir. Na verdade sua mente ágil
trabalhava incessantemente. Um a um ela ia repassando os assuntos
mais próximos do dia que findara. Pensava na dispensa que teria que
ser reabastecida ainda para o almoço; naquele menino sem documentos
que precisava trabalhar; no internamento daquela mulher cheia de
filhos que precisava de hospital (É, – pensava ela – O JEITO É
FICAR COM OS MENINOS – MAS ONDE COLOCA-LOS?); no Senador que estava
aflito com seu filho viciado; na moça que a procurara logo cedo
dizendo que estava grávida e que seu pai a mataria se soubesse; no
homem cujo barraco pegar fogo e não tinha onde se abrigar com a
família; na televisão dos meninos que precisava de conserto...
E assim, desde a
hora que deitara seu pensamento não parara um minuto. Vez ou outra
um Espírito desencarnado entrava no circuito e ela o doutrinava
pacientemente.
Assim era a vida da
Clarividente Neiva. Sempre consciente nos dois Planos, na Vida Física
e no Mundo Etérico Invisível, ela cuidava de tudo e de todos sem
interrupção.
Na medida em que a
noite avançava e os íons solares diminuíam seu bombardeio da
superfície da Terra, o Mundo Invisível ia se tornando mais
movimentado. O Mundo das Sombras tomava conta da vida nesta parte do
Planeta. Os Espíritos, libertos do magnetismo físico através do
sono, percorriam sonambúlicos os arredores. Alguns subiam claros e
leves enquanto outros se arrastavam com dificuldade, próximos aos
leitos onde seus corpos repousavam. Uns brigavam e outros se
abraçavam alegremente. Esse é o curioso mecanismo da vida na Terra
que nos relaciona uns com os outros, à revelia de nossas posições
sociais, idades e situações econômicas.
Próximo às quatro
horas da madrugada, Neiva sentiu a presença de Mãe Tildes e saiu do
corpo, penetrando instantaneamente na outra dimensão.
De imediato sua
mente saiu da tensão física e ela se despreocupou. Assim acontecia
todas as noites, todas as madrugadas. Enquanto repassava os problemas
através do mecanismo psicológico sua ansiedade era grande. Logo que
saia do corpo ela se despreocupava e entregava sua Missão nas mãos
dos Mentores Espirituais. A partir desse momento, ela assumia com
docilidade o papel de Clarividente a serviço do Pai, e sabia que
iriam começar a surgir as soluções. O Mundo para ela, visto de
dentro ou de fora do corpo, embora o mesmo, se apresentava muito
diferente.
E assim, após
sorridente troca de cumprimentos, Mãe Tildes e Neiva saíram em
direção ao “Trabalho”, o mundo cabalístico onde seriam
solucionados os problemas dos que buscavam a Corrente em busca de
auxílio. Tantas vezes esse fato se repete que para Neiva tudo é
natural. Ela caminha sem preocupações ou noção de tempo, embora
saiba por onde está andando. Ela sabe como funcionam as coisas e
quais os assuntos programados para aquela jornada.
Mas o Comando está
nas mãos dos seus Mentores e ela aproveita para o relaxamento mental
indispensável. Enquanto isso seu corpo entra em repouso completo. As
etapas do caminho são demarcadas pela variação na luz e na
iluminação, mas a jornada segue controlada pelas vibrações de
Capela.
Logo em seguida elas
se encontraram com Amanto, o Capelino responsável pelas jornadas de
Neiva nos Mundos Etéricos. Depois dos cumprimentos de costume, o
trio prosseguiu na Missão daquela noite.
Chegaram à Torre de
Marselha, um conjunto arquitetônico situado no limiar do Canal
Vermelho (1), já nosso conhecido pelas aulas anteriores de Tia
Neiva. Nessa Torre existem uns dispositivos habitacionais que podem
ser comparados com as residências da Terra. Na aparência essas
“casas” são divididas como na Terra. Mas na verdade elas são
separadas umas das outras por campos de força. Um habitante de campo
vibratório diferente não penetra, a não ser que o morador o
permita.
Passaram diante de
uma dessas casas e nesse momento Neiva se deu conta de que esse era
um dos objetivos dessa viagem. A casa pertencia ao Dr. Marcondes com
sua família. Tão pronto pararam, Neiva o avistou caminhando para
eles com um largo sorriso nos lábios, demonstrando tê-la
reconhecido. Neiva permaneceu no limiar um pouco indecisa. Ela
conhecia a lei que rege essa parte do Mundo Etérico, e sabia que sua
entrada dependeria dos donos da casa. Isso não acontece por cortesia
ou educação, mas sim por uma questão de Individualidade Cármica.
Cada Espírito, ou grupos de Espíritos “habita” sua dimensão e
tem seus privilégios.
Por isso ela ficou
um pouco surpresa quando a esposa de Marcondes, uma senhora de uns
quarenta anos mandou que eles entrassem. Entraram os três, mas para
a família de Marcondes, haviam entrado apenas Mãe Tildes e Neiva...
Mãe Tildes era visível para eles por estar na Aura de Neiva, o que,
por razões técnicas, não estava acontecendo com Amanto, que era
visto apenas por Neiva e Mãe Tildes.
Passados os momentos
de surpresa inicial, nos quais as exclamações de Marcondes eram
ponteadas de “óhs...”, “Oh, Tia Neiva!, Oh, Mãe Tildes!, que
bom vê-las aqui, quanto me pedi a Deus por isso!”. Marcondes
visivelmente emocionado começou a falar, mas logo foi interrompido
pela esposa. Sua voz traduzia alguma ansiedade e era palpável sua
preocupação em dizer tudo de uma vez.
– Já estou
cansada de manda-lo embora Tia Neiva (disse ela), mas parece que ele
está vacilando muito!
– Eu sei disso
minha senhora (interrompeu Neiva), sou Clarividente e sei o que está
se passando com vocês pois ainda vivo na Terra.
Mãe Tildes
voltou-se para Neiva e perguntou: – Ela sabe, fia?
Neiva acenou com a
cabeça afirmativamente e enquanto a senhora fazia menção de
continuar falando, Marcondes exclamou em voz alta:
– Oh, minha doce
Mãe Tildes! A senhora que já é uma Serva de Deus, tenha
misericórdia de mim, alivie o meu sofrimento na Terra, ajude a
acabar com isso de vez, aproveite que minha matéria já está
cancerosa!
– Pobre Marcondes
(respondeu Mãe Tildes) isso não depende de mim, mas sim do seu
carma. Volte para seu suplício porque você ainda não terminou a
sua pena!
Voltou-se então
para a esposa de Marcondes e continuou:
– Ora por ele
minha filha, apenas mais algum tempo e ele estará com você, tenha
paciência.
Marcondes então
despediu-se da mulher e das visitantes e partiu para a Terra, sob os
olhares consternados das três mulheres.
Logo em seguida a
simpática senhora convidou-as a se instalarem melhor, ela mesma se
revestindo de um ar de tranqüilidade.
– Pois é Tia
Neiva (começou ela), nós viemos do Engenho Velho lá da Bahia. Mãe
Tildes nos conhece bem, pois fomos vizinhas naquela feliz encarnação.
Mãe Tildes acenou
para Neiva como a confirmar o que a senhora acabara de dizer e ela
continuou:
– Nesse tempo
Marcondes era dono de um Engenho e recebemos em nosso lar dezesseis
filhos, todos espirituais!
– Ah, como foi
maravilhoso! Imagine Tia Neiva, que todos eles haviam sido em
encarnações anteriores tremendos vikings!.
– Oh meu Deus,
como eles eram caprichosos e sanguinários.
– Mas a feliz
oportunidade, dessa encarnação junto a Marcondes em nosso lar cheio
de amor, tornou possível transformar aqueles terríveis vikings nos
atuais Cavaleiros de Oxosse.
– A propósito
(perguntou Neiva), onde estão eles agora?
– Como Cavaleiros
de Oxosse eles agora estão integrados na nova organização de São
Sebastião. Dos meus dezesseis filhos, cinco eram mulheres e elas
agora estão integradas em outras Falanges, junto às suas Almas
Gêmeas. Esta Mansão porém continua sendo o lar delas, o nosso lar.
– Mas porquê
(perguntou Neiva), o Sr. Marcondes continua na Terra e tão
desnorteado?
Não (disse ela),
ele não está desnorteado, ele está na Terra porque pediu a Deus
por isso.
Ele mesmo pediu a
Deus para reencarnar?
– Sim Tia, ele
mesmo pediu. Depois da encarnação do Engenho Velho, quando já
estávamos reunidos aqui nesta Mansão, embora feliz por estar com
sua própria família, ele não estava em paz.
– Mas, o que é
que o afligia?
– Certos erros
cometidos durante a encarnação do Engenho Velho.
A senhora sabe, não
é Tia? Na Terra as nossas preocupações com a gente mesmo fazem com
que esqueçamos dos outros, dos nossos cobradores que também vieram
para se reajustar e precisam de nós, de nossa riqueza. Foi o que
aconteceu com a gente.
Quando partimos para
a encarnação do Engenho Velho todos haviam nos avisado que tínhamos
pedido muito. Nossas dívidas eram muitas e as cobranças seriam
grandes, pedíramos demais.
De fato, assim foi,
mas graças ao nosso amor conseguimos tudo que vocês estão vendo.
– Mas (perguntou
Neiva), se tudo saiu tão bem, porque o Sr. Marcondes teve que voltar
à Terra, teve que reencarnar?
– Porque quando
ele se encontrou aqui, com o Espírito livre das amarras da Terra,
ele viu tudo que havia feito, mas também viu tudo que não havia
feito!
– Ele então pediu
para voltar, e Deus através dos seus Ministros concedeu-lhe essa
prova, ou melhor, essa missão que está cumprindo.
– Sim (disse
Neiva), mas afinal o que foi que ele deixou de fazer?
– Marcondes no
Engenho Velho era inclemente com os menos afortunados da sociedade.
Ele pisava naqueles que julgava estarem errados, ele sempre se
arvorava em juiz do povoado!
Oh meu Deus, ainda
está vivo em minha memória o caso daquela viúva cheia de filhos! A
maioria deles havia descambado para o vício e o roubo. Um dia uma de
suas filhas foi espancada pelo marido, devido a um roubo que ela
havia cometido e o caso se tornou público. Marcondes ficou furioso e
puniu a pobre mulher com violência excessiva. E a partir daí passou
a perseguir aqueles Espíritos desatinados com uma ira implacável.
Como sofreu aquela viúva!
Depois de nosso
desencarne quando nos instalamos em nossa Mansão, Marcondes soube
que eles também haviam desencarnado, mas que já tinham reencarnado
para reajustar-se dos desatinos que haviam feito no Engenho Velho.
Inquieto pelo que
havia feito a eles nessa encarnação, ele pediu para reencarnar
também. De acordo com seu Plano de Trabalho, ele acabou por se
tornar o marido da antiga viúva, que por sinal era novamente viúva
quando Marcondes a encontrou. Por outra incrível “coincidência”
ela já era mãe de alguns filhos, e ao casar-se novamente com
Marcondes, teve outros filhos com ele e completou dezesseis filhos, o
mesmo número que tinha no Engenho Velho!
Para o Quadro ficar
mais completo, dentre os filhos gerados por Marcondes estava aquele
Espírito que no Engenho Velho fora a ladra espancada por ele. Quando
eles conheceram a senhora Tia Neiva, essa moça era casada com o
mesmo Espírito que no Engenho Velho fora seu marido...
Enquanto a simpática
matrona falava, Neiva de repente desandou a rir para ela mesma. Mãe
Tildes olhou para ela com ar de censura pela atitude insólita e ela,
dominando o riso explicou: – Pois é Mãe Tildes, desde o dia que
conheci essa família ela nunca mais me deu sossego. Imagine Mãe
Tildes, que a primeira vez que fui procurada por Marcondes, foi
justamente porque seu genro havia dado uma surra na mulher, na sua
filha, e o motivo foi de um roubo cometido, aparentemente por ela!
Desta vez porém, Marcondes agiu de forma bem diferente daquela do
Engenho Velho. Com toda paciência conseguiu reconciliar o casal e
tudo acabou em boa paz. Por sinal que atualmente esse casal é Médium
no Templo do Amanhecer. A mesma atitude ele teve com os outros filhos
e todos estão bem encaminhados. Já faz cinco anos que acompanho
essa família! Apesar disso, dessa atitude correta de Marcondes, dona
Judith nunca lhe deu sossego. Ela era um desses Espíritos que nós,
na nossa linguagem simples do Vale do Amanhecer, costumamos chamar de
“Espírito sem procedência”.
Nisso Neiva percebeu
que a visita estava chegando ao fim, que a missão deles naquela
Mansão estava terminada para essa jornada. A mulher com olhos que
imploravam disse: – Tia Neiva, enquanto Marcondes viver, essa
mulher irá cobra-lo sem piedade. Ajude-o Tia, sei que no Plano
Físico a senhora tem muito poder e pode fazer muita coisa!...
– Oh meu Deus!
(exclamou Neiva), me dê muita força, me sinto tão doente...
– Não minha irmã,
não desanime, Jesus e Pai Seta Branca precisam muito da senhora
(disse ela com ar compungido).
– Salve Deus
(disseram Mãe Tildes e Neiva) e partiram junto com o invisível
Amanto.
Os três passaram
pela Torre de Marselha e viram que estavam chegando inúmeros
Espíritos recém desencarnados. Um grupo de Mensageiros se preparava
para socorrer os flagelados de uma grande enchente que estava havendo
num dos Estados do Brasil. Isso fez com que Neiva se lembrasse de
suas obrigações Missionárias, e ela se apressou no caminho de sua
Cabala (3). Nesse Santuário ela iria manipular as Forças
Desobsessivas, e ajudar no recartilhamento dos complicados carmas
terrenos.
Neiva despertou com
a voz de Gertrudes que a chamava. – Madrinha, madrinha (dizia ela)
acorde! Tem uma moça esperando pela senhora aí na sala, uma filha
do Sr. Marcondes que veio busca-la, ele está passando muito mal!
Neiva entrou no
Plano Físico, conservando na memória o quadro vivo que presenciara
naquela Mansão dos Marcondes. A Casa Grande estava no seu habitual
burburinho. Crianças brincavam ruidosamente no pátio, pessoas
insistiam em falar com Neiva, Gertrudes reclamava de Neiva a TV dos
meninos, o Farol do Dia (4) avisava que havia poucos Médiuns para o
Retiro e, a filha de Marcondes passeava impaciente de um lado para
outro à espera de Neiva.
Assim mesmo, sem se
desligar do Quadro vivido na madrugada, ela foi até o Hospital São
Vicente onde Marcondes estava internado. O táxi deixou-a na porta do
hospital, e a filha de Marcondes levou-a para o quarto do doente.
Neiva olhou para
aquele homem, que poucas horas antes falara com ela com tanta
firmeza, quando ainda no Plano Etérico, e buscou em seus olhos
alguma centelha que lembrasse o fato. Nada! Ele não se lembrava de
coisa alguma. A cobrança cármica se processava com perfeição!
Deitado na cama alta
do hospital, seu rosto revelava os sulcos profundos da dor implacável
do câncer. Os olhos febris procuravam os de Neiva num pedido mudo de
piedade.
– Tia Neiva, Tia
Neiva (murmurou ele com voz dolorida) não me deixe morrer, por favor
Tia, ajude-me, ajude-me!
Neiva sentiu seu
coração apertar. O elegante Marcondes de algumas horas antes na
Torre de Marcelha, que com tanta firmeza pedira a Mãe Tildes para
desencarnar logo, para acabar com seu sofrimento na Terra, pedia-lhe
agora para não deixa-lo morrer!
Nisso entrou pela
porta a dentro dona Judith, a esposa térrea e cobradora do antigo
Engenho Velho. Tão pronto ela deparou com Neiva, foi logo dizendo: –
A senhora tá vendo Tia Neiva? Ele está aqui de teimoso e de
pirraça! O pior é que vai acabar morrendo e me deixando sem
dinheiro, cheia de filhos e sem nada no que me agarrar.
Marcondes levantou a
cabeça sem poder sopitar um gemido de dor, e com ar resignado disse:
– Oh benzinho! Não é assim como você está falando, isso que eu
tenho não é um simples resfriado, há muito tempo que eu tenho
estes caroços no pescoço e não sei como isso foi acontecer comigo!
Dona Judith
voltou-se para ele com ar irado e retorquiu: Como não sabe? E as
pescarias e as cachaças em que você se meteu? Foi nelas que você
pegou essa porcaria toda! Só depois que nós conhecemos essa santa
mulher, que você tomou um pouco de vergonha. Agora veja a miséria
em que você nos meteu!
Nesse momento entrou
um médico de serviço. Usava barbas compridas que lhe davam um ar
maduro e no pescoço trazia o estetoscópio. Ele olhou para a cena
desagradável com ar de quem já está habituado a isso, e seus olhos
fitaram Neiva por cima dos óculos, com um misto de respeito e
curiosidade.
Neiva aproveitou a
oportunidade e acenou para ele do canto onde se achava. Ele atendeu
gentilmente e Neiva discretamente, sem que os outros ouvissem,
perguntou sobre Marcondes. Câncer! Foi a lacônica resposta que ela
recebeu. Diante do olhar sério de Neiva, ele suavizou um pouco a
expressão e perguntou: A senhora é parente dele?
– Não! (disse
ela) Sou apenas uma amiga do casal, meu nome é Neiva.
– Ah sim, a
senhora é Tia Neiva. A senhora tem um orfanato aqui perto, não é?
Neiva confirmou com
a cabeça e agradeceu a ele. Dona Judith continuava a vociferar e o
ambiente do quarto do doente era o pior possível. Marcondes voltara
a encostar a cabeça no travesseiro e cerrara os olhos com ar de
submissão. Neiva não podendo mais suportar aquela cena, despediu-se
discretamente e voltou para a Casa Grande.
Gertrudes guardara
um prato de comida para ela, mas Neiva quase não comeu. Logo começou
a atender a ruma de consulentes que naquele dia era maior que de
costume, mas não conseguia se tranqüilizar. Ela sabia que Marcondes
estava prestes a morrer, mas o quadro continuava o mesmo: Dona Judith
não parava de praguejar e as dores do paciente aumentavam
horrivelmente.
E assim a situação
continuou ainda alguns dias, até que fossem libertados todos os
obsessores que compunham aquele Quadro triste. Neiva não voltou ao
hospital, mas não parou de fazer trabalhos para ajudar aqueles
Espíritos em reajuste. Marcondes não voltou à Mansão Etérica,
enquanto não se libertou com a morte.
Passaram-se alguns
meses depois da morte de Marcondes, um dia Neiva recebeu surpresa, a
visita de Dona Judith!
Ela parecia mais
moça e tinha um ar sorridente. Apresentou à Neiva um senhor de uns
60 anos com quem havia se casado alguns dias atrás. Neiva então se
lembrou que a idade dela já beirava pelos 65 anos e sorriu
polidamente. Tomaram um cafezinho que Gertrudes serviu, e Neiva não
pode deixar de notar que Dona Judith havia se transformado na mulher
mais feliz e bondosa do mundo...
Os anos foram
passando e Neiva continuou sua Missão Crística.
Em 1969 a Ordem se
mudou para o Vale do Amanhecer e com Neiva seguiu a ruma de crianças,
moças e velhos que compunham a Casa Grande.
O Vale cresceu, a
Doutrina do Amanhecer evoluiu, o mundo deu mais umas voltas no
sidério e a vida continuou.
Nesse domingo,
depois de uma Aula na qual Neiva aproveitara a história de Marcondes
para ilustrar o problema dos reajustes, ela sentou no Castelo dos
Devas para o “Emplacamento” de Médiuns. Esse trabalho que Neiva
faz quase todos os domingos, representa o esteio da autenticidade do
Vale do Amanhecer. Os Médiuns vão sendo desenvolvidos pelos
Instrutores e quando já estão em condições de atender o público,
são “classificados” ou “emplacados” por Neiva.
O Médium senta-se
ao lado dela e atrás dela fica um Doutrinador. É feita a chamada do
Mentor e Neiva pela sua Clarividência, se entende com o Mentor do
Médium. Escreve então o seu nome num Cartão que o Médium usa a
partir desse dia. Esse Cartão é autenticado com a conhecida
assinatura de “Tia Neiva”.
A jovem Médium
sentou-se, o Doutrinador fez a chamada e Neiva, surpresa, deparou com
a figura de Marcondes! Ela o reconheceu imediatamente e perguntou o
que ele estava fazendo ali, tão longe de sua Mansão Etérica.
Ele sorriu e apontou
para uma Preta Velha que estava ao seu lado, que também sorriu.
Neiva então reconheceu aquela Preta Velha, a linda senhora da
Mansão, a esposa espiritual de Marcondes!
Sem parar de falar
no Plano Físico com as pessoas que a cercavam, Neiva estabeleceu um
diálogo com o casal. Eles então explicaram que tinham vindo para
falar com ela, pois haviam pedido a Deus a oportunidade de trabalhar
na Terra, no Vale do Amanhecer, desenvolvendo Médiuns.
– É verdade Tia
(disse Marcondes), que nós não temos muito para dar, pois ainda não
temos graças para isso, mas nos sentimos felizes em poder pelo menos
ajudar a abrir as incorporações dos Aparás. Graças a Deus nossos
filhos também estão aqui. Salve Deus, Tia Neiva!
Neiva ficou
comovida, mas atenta na sua Clarividência, viu que a jovem Médium
que ela iria classificar naquele momento, era um Espírito que na
Encarnação do Engenho Velho fora filha da viúva que Marcondes
tanto perseguira. Só que essa Médium era uma das filhas de Dona
Judith, do seu primeiro casamento, concebida antes que Marcondes
aparecesse em sua vida!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Meus Primeiros
Passos no Canal Vermelho
1
– A Adúltera
Salve Deus!
O dia começava a
clarear na Terra e a Clarividente apressava sua volta ao corpo, após
longo tempo de permanência nos Planos Invisíveis. Fizera mil
coisas, estivera em muitos lugares e recebera valiosas lições. Em
seu coração e sua mente pulsavam as inúmeras preocupações
relacionadas com sua missão na Terra. No momento pensava no retorno
ao corpo que dormia a tempo de retomar as tarefas do dia a dia.
Habituada às
caminhadas fora do corpo, mal percebia as fantásticas nuances de
tempo e espaço; às vezes andava, outras levitava e se transportava
em frações de segundo. Tempo e espaço, Entidades de Luz, Espíritos
Sofredores, tantos enredos; às vezes sentindo-se tão grande e às
vezes tão pequena...
Pensou que estava na
Terra, mas estranhou o ambiente. As árvores eram simétricas, as
ruas e casas pareciam feitas de plástico e o ambiente variado.
Pessoas se movimentavam, mas tudo parecia irreal, nas cores, na
iluminação e nos movimentos. Percebeu então que não era notada e
sentiu certo alívio. Sua mente ágil se reajustava à nova situação,
concentrou-se por um breve instante e logo sentiu a emanação de
Amanto, cuja presença a colocou de imediato em estado receptivo.
Amanto era o velho amigo de Capela, o Guia de tantas viagens, um dos
Mestres mais constantes a mantê-la atualizada em sua luta
doutrinária. Despertou sua atenção uma longa fila de pessoas que
se movia lentamente e cuja frente se perdia na distância. Ia
interrogar Amanto a respeito quando ouviu gritos de uma mulher que
clamava algo em voz alta. Pelas palavras proferidas, Tia Neiva
entendeu que ela se referia ao marido e que este estava para chegar.
Chegar aonde?
- Ao Canal Vermelho,
Neiva.
- Canal Vermelho?
- Sim Neiva, o Canal
Vermelho! Onde você e eu nos achamos neste momento.
- Mas onde estou? Na
Terra?
- Sim, na Terra, na
sua camada etérea, no invisível do Planeta; no Mundo dos Espíritos
desencarnados que ainda não têm condições de chegarem às
Estrelas ou ao Planeta Mãe.
- E essa fila, para
onde vai?
- Vai para o
embarque. São Espíritos que não precisam mais permanecer aqui, que
já se conscientizaram de sua condição de Espíritos Desencarnados;
completaram seus reajustes, e vão agora para as Casas de
Recuperação, de Refazimento.
- Mas esses
Espíritos não têm Evolução?
- Não muita. Na
verdade eles vêm aqui apenas para completar o seu tempo e receber
alguma disciplina.
- É lindo este
lugar (exclamou Tia), olhe que casas bonitas! E aquelas árvores?
Aquilo que estou vendo pendurado nelas; o que é aquilo?
- São Placas
Doutrinárias, uma espécie de sinalização. Poderíamos talvez
compara-las com aquelas advertências de trânsito das estradas da
Terra, embora não sejam realmente isso.
A Clarividente teve
sua atenção novamente despertada pelos gritos da mulher que
recrudesciam. Pelo que pode deduzir das palavras, ela maldizia a Deus
por permitir que o marido viesse para o Canal Vermelho, em vez de ser
enviado ao “Inferno”.
- Mas Amanto, que
coisa esquisita! Como é possível isso?
- Sim Neiva, isso é
perfeitamente possível aqui, pois é o melhor lugar para esses
acontecimentos, aliás, ele foi criado para isso. Não esqueça que o
Espírito só se acalma quando se vinga. Essa mulher foi assassinada
pelo marido que a pegou em flagrante com outro homem. Como você bem
sabe, isso na Terra é um ultraje, uma ofensa grave. Naturalmente ela
se sentia justificada no que fazia. E a morte brusca a deixou sedenta
de vingança. Daí a sua presença aqui no Canal Vermelho, onde as
paixões ainda vibram, mas tendem a se extinguir.
- Mas porque aqui e
não em uma Casa Transitória, num Hospital do Espaço? Não é para
isso que foram feitas as Casas Transitórias?
- Aqui também é
uma Casa Transitória Neiva, só que em condições técnicas
especiais. Este Canal tem comunicação direta com o Plano Físico, o
que permite a transferência do Ectoplasma Humano, diretamente por
seus portadores. Com esse Fluído os reajustes podem se completar em
condições muito semelhantes aos da Terra Física.
- Você disse
“diretamente”, como explica isso?
- Simples Neiva, os
Médiuns ativos quando vão dormir, se transportam para cá e trazem
com eles a preciosa Energia Mediúnica. Na verdade eles vêm para o
Canal quando na Terra é noite, e continuam aqui as tarefas que
iniciaram durante o dia.
- Bem Amanto, você
sabe que eu posso entender perfeitamente, mas isso tem que ser
explicado para nossos Médiuns e eu gostaria de mais detalhes, você
sabe, não? Afinal você é o professor e eu sou o “burrão”.
- Não Neiva, você
não é o burrão como você diz, acho que você é mais um
“burrinho” de Francisco de Assis... Mas deixemos isso de lado e
vamos exemplificar (continuou Amanto).
- O tempo do
presente Ciclo da Terra está quase terminando e com isso todas as
atividades estão sendo aceleradas. Milhões de Espíritos ainda têm
que completar seus reajustes e a tarefa dos Mentores Espirituais é
imensa. Não existem na Terra trabalhos de passagem o suficiente para
dar conta de tanto Espírito; a doutrinação é incompleta, o
Ectoplasma não dá e o tempo dos trabalhos é curto demais. Por isso
os Engenheiros Siderais construíram Canais como esse,
particularmente, este Canal se comunica diretamente com o Templo do
Amanhecer. Quando o Doutrinador faz uma Entrega e o Espírito ainda
não está pronto para Mayanty, ele vem diretamente para um dos
Departamentos do Canal. Na primeira oportunidade, que pode ser na
mesma noite ou algum tempo depois, o Doutrinador vem completar sua
Doutrina. Ele como Encarnado, tem a capacidade de trazer consigo seu
ectoplasma. Devido à semelhança de ambiente, o Espírito ainda se
sente na Terra e é mais susceptível de receber a Doutrina. É por
isso que o Templo do Amanhecer trabalha 24 horas por dia, como vocês
dizem.
- Quer dizer que o
Canal é uma extensão da Terra?
- Num certo sentido
sim, embora tudo aqui seja matéria etérica de outra natureza, outra
dimensão. Mas da forma que na Terra Física, as Energias que suprem
o Canal são oriundas do Sol e da Lua.
Amanto calou e Tia
percebeu nisso um sinal de que era hora de voltar para seu corpo.
Olhou mais uma vez o cenário e sentiu-se tocada pela beleza do
lugar. Mais uma vez ouviu a mulher que continuava a gritar e pensou
consigo:
- Meu Deus, não é
justo que um assassino seja colocado num lugar tão bonito, num
ambiente tão espiritual...
Naturalmente a
mulher tinha consciência do lugar em que se encontrava, e também
achava injusto que seu próprio algoz fosse levado para lá.
Imediatamente lembrou-se da “Lei do Não Julgamento”,
reequilibrou o pensamento procurando olhar o assunto por outro
ângulo.
A mulher também
havia provocado aquela situação, esquecendo-se de seus compromissos
conjugais, provocando o marido a esse extremo.
- É (pensou), no
fundo os dois são culpados.
- Será que Tia
acordou?
A frase quotidiana
de suas manhãs lembrou-a que já estava em casa...
2
– Mestre Jacó
Salve Deus!
Na Terra era ainda
madrugada, mas no Canal Vermelho as luzes se sucediam produzindo
climas tristes e alegres conforme as nuances. A Clarividente sempre
se extasiava com esse jogo de luzes que presenciava, também em
outros lugares do Etérico. O fenômeno produzido pela luz solar
tinha alguma semelhança com as luzes que se projetavam nos palcos
dos teatros...
Amanto chegou e
depois de cumprimentar Tia afetuosamente, foi logo dizendo:
- Venha, vou lhe
mostrar as coisas que precisa saber a respeito do Canal Vermelho. Vi
como você ficou impressionada com aquele caso do homem.
- Realmente fiquei
um tanto confusa (respondeu Neiva).
- Aqui vivem
Espíritos em trânsito, pessoas que não completaram seus programas
na Terra.
Enquanto ele falava,
a Clarividente aperfeiçoava a noção de que as coisas ali pareciam
com as da Terra. As árvores, porém são todas simétricas e a relva
fazia pensar naquela grama de nylon que se usa em certos estádios.
No meio da relva apareciam algumas flores amarelas semelhantes às
margaridas. Em meio ao verde azulado apareciam as casas, verdadeiras
mansões cujo colorido era estranho...
- Não se enleve
muito Neiva, seja natural e objetiva.
A observação de
Amanto quase a encabulou, porém acostumada como estava com esse tipo
de disciplina, agradeceu e seguiram.
Aproximaram-se de um
prédio maior em cuja fachada havia um grande letreiro. Suas luzes
apagavam e acendiam como nos luminosos da Terra e nele se lia: “Credo
Universal”. Como Amanto não a convidou para entrar, Tia com
facilidade projetou sua visão no interior e logo percebeu o que ali
se passava. Acostumada, porém, com a didática de Amanto, ficou na
expectativa. Não demorou muito e notou que se formava uma fila na
entrada, mas, que as pessoas permaneciam como que indecisas. Para seu
espanto o letreiro mudara como por encanto e se lia claramente a
palavra “Umbanda”.
- São Umbandistas?
E porque não entram?
- Sim! São Médiuns
recém chegados da Terra, Médiuns Umbandistas que cometeram faltas
contra as Leis da Umbanda.
- Faltas? Que
espécie de faltas?
- Comerciaram,
negociaram sua Mediunidade e com isso deturparam essa Doutrina tão
bela que é a Umbanda.
- Agora, o que vai
lhes acontecer?
- Agora vão sofrer
um pouco; vão se conscientizar até que cheguem seus cobradores para
os reajustes.
- Reajustes? Como?
- Com as pessoas que
lhes deram dinheiro e com os Exús com quem trabalharam. Como você
sabe Neiva, os Exús são um pouco produto da ganância dos seres
humanos. As invocações e chamadas só fazem aumentar suas forças.
O Médium que os invoca lhes dá oportunidade de se afirmarem nas
suas metas e isso nada tem a ver com a Umbanda...
Enquanto Amanto
falava, a Clarividente prestava atenção na intensa atividade de
Espíritos que iam e vinham, nos seus afazeres e missões.
Subitamente tudo mudou, as cores ambientais, a atitude das pessoas, a
paisagem; formou-se um ar de mistério e hostilidade palpável. Tia
teve medo e perguntou:
- Amanto, qual é a
minha finalidade aqui?
- Em todo lugar que
você estiver Neiva, é sempre para emitir, para proporcionar.
Ela não entendeu e
ficou na mesma, enquanto Amanto prosseguia:
- Acabam de se
libertar de Pedra Branca três Espíritos e esse é o motivo pelo
qual eu a trouxe aqui hoje. Veja, lá vêm eles!
Das três figuras
que se aproximavam da Mansão, dois homens e uma mulher, destacava-se
a figura de um homem amorenado, aparentando 50 anos e de semblante
triste. Ele caminhava com ar inseguro, olhando de um lado para o
outro como se estivesse coagido.
- Esse homem (disse
Amanto), foi um grande dirigente umbandista, e toda essa mudança de
ambiente que você percebeu se deve a sua presença aqui.
Fazendo eco às
palavras de Amanto, ouvia-se o clamor de muitas vozes que aclamavam o
recém chegado com entusiasmo, contrastando com o ambiente sombrio.
- E esses que estão
com ele, o homem e a mulher, morreram junto com ele?
- Não! O casal já
desencarnou há algum tempo, ao passo que “Mestre” Jacó fez sua
passagem há apenas oito dias.
De repente a mulher
percebeu a situação e saiu correndo, e Tia Neiva assustada gritou:
- Amanto! Olhe, acho
que não há condições aqui para ela!
- De fato Neiva, a
situação dela é bastante difícil. Ela enganou Mestre Jacó,
explorou demais a sua boa vontade, fazia-se de vítima e traçava o
retrato do marido à sua maneira. Mestre Jacó deixou-se enganar e,
apesar de suas boas intenções, acabou procedendo desonestamente.
Essa atitude de uma falsa justiça provoca débitos cármicos e a
vingança se torna imperativa.
Tia então perguntou
como seria resolvido aquele drama e Amanto lhe respondeu que cada um
teria o que merece.
- A Justiça de Deus
é feita (prosseguiu Amanto), mas, é cobrada por Missão,
esclarecendo e evoluindo ao mesmo tempo.
- Como se passou
esse drama na Terra?
- A mulher, Tânia
Maria, procurou Mestre Jacó e pediu que punisse seu marido José. O
romance que ela contou fez com que Jacó se compadecesse dela. Na
verdade, Tânia e José estavam em plena fase de reajustes cármicos.
As Entidades Cobradoras ali estavam, também em plena atividade
cármica. Jacó invocou os Exús e os Cobradores fizeram o resto. Se
ele não abrisse o campo de trabalho, se não servisse de
instrumento, o reajuste se faria dentro da normalidade cármica.
Agora sou eu que lhe pergunto Neiva, o que você faria num caso
desses?
- Faria como sempre
faço. Esses casos são muitos e eu como Clarividente tenho muita
cautela, procurando entender o problema de um e de outro; eu analiso
o fato com Mãe Calaça e fecho os ouvidos aos lamentos ou queixas.
Depois de receber as ordens de Calaça eu procuro ajudar a parte mais
obsediada, melhorando suas vibrações. Pai Seta Branca sempre diz
que o homem quando é feliz ele é bom. Eu então procuro
proporcionar algo bom ao injustiçado, ou melhor, ao que se diz
injustiçado. Evito sempre uma posição emocional, pois o meu
juramento a Jesus não permite isso. Trabalho buscando o equilíbrio
da mente com o coração e nesses casos prevalece a mente.
- A intenção de
Mestre Jacó (continuou a Clarividente) foi de ajudar, e foi muito
boa. Mas ele sentia as pessoas pelo coração, deixando-se
impressionar pelo que ouvia e isso é perigoso. Até mesmo o maior
assassino, zombador das leis, se considera um injustiçado, e além
disso é perigoso julgar, quando se está no meio de tão terríveis
complexidades. Antes de tudo a gente deve ver a nossa imensa
responsabilidade.
- É verdade Neiva,
sua evolução está sendo cada vez maior.
- Sabe de uma coisa
Amanto? Às vezes tenho vontade de passar um fecho na minha boca...
- Aí você pagaria
por preguiça e egoísmo; continue como está que vai muito bem.
Salve Deus!
3
– O Suicida
Salve Deus!
Pai Seta Branca, o
Mentor da Doutrina do Amanhecer, sempre adverte os Médiuns que não
devem julgar e, muito menos tentar analisar os nossos irmãos quando
cometem erros...
A Clarividente Neiva
teve a oportunidade de comprovar a mesquinhez do julgamento humano,
nesta passagem real da vida, de um homem que se suicidara, chamado
Lúcio.
O caso começou num
dia de consultas no Templo.
Depois de longa
espera e vencidas as dificuldades habituais para chegar até a
Clarividente, apresentou-se um grupo familiar composto de uma senhora
de uns 65 anos, sua nora e um casal de netos de 18 e 16 anos
aproximadamente. A anciã apresentava um aspecto sofrido, às vezes
soluçando descontrolada. A mãe e os filhos olhavam em torno pouco à
vontade, no ambiente humilde e movimentado.
A senhora menos
idosa tomou a iniciativa de explicar os motivos da consulta.
- Tia Neiva, viemos
até aqui para a senhora nos ajudar, desde que meu marido se matou
que temos sofrido muito, principalmente minha sogra que não se
conforma.
- É Tia
(interrompeu a velha senhora), não me conformo com o suicídio de
Lúcio. Me sinto culpada e me dói saber que ele não tem salvação.
- Também não me
conformo (atalhou a viúva), eu e Lúcio vivíamos tão bem,
criávamos nossos filhos e nosso lar era respeitado. Dediquei toda a
minha vida a ele e aos nossos filhos. Eu não merecia isso que
aconteceu! O Lúcio deveria ter tido mais consideração conosco,
principalmente comigo!
Diante daquela
revolta e desabafo, Tia Neiva penalizou-se dela e olhou para Calaça
pedindo instruções. Pela expressão da Profetiza Tia percebeu que a
história não era bem aquela; havia qualquer coisa errada, ela não
era tão inocente assim.
- Eu também tenho
sofrido muito (disse o rapaz), meu pai sempre teve muito amor por
nós, mas afinal acabou demonstrando que não gostava tanto da gente.
Minha avó pensa que ele agora irá penar muito no inferno, eu não
acredito nisso e sei que Deus não irá deixar. Ele era bacana mesmo
e me compreendia melhor que os outros. Eu vivia brigando com a minha
mãe e ele sempre me repreendia por isso, dizia que o filho que não
respeita a mãe nunca se realiza. Ele era bacana mesmo, não sei como
foi tão fraco.
O rapaz calou-se e a
velha senhora continuava soluçando. Tia procurou consola-la e
explicando que eram restos de carmas e que logo eles estariam bem.
- Como Tia Neiva?
(sua voz tinha um tom de reprimenda), a senhora não entende que ele
se suicidou? Que deu um tiro na cabeça? Só Deus saberá onde anda
meu filho, meu pobre Lúcio! Um homem tão culto! Ele quis ser médico
e acabou tendo a mesma profissão do pai, que Deus o tenha em bom
lugar. Era um homem bom, morreu do coração; foi um golpe, porém
não tão grande quanto este. Depois eu me casei com outro, que por
sinal não sabemos onde está por causa do infeliz Lúcio. Meu filho
também esteve separado de mim e só voltou para casa quando meu
segundo marido me deixou.
- Foi por causa de
seu filho que o seu segundo marido a deixou? (perguntou Tia).
- Não sei, sei que
ele queria se apoderar da herança deixada pelo meu marido. Lúcio,
meu filho, sempre falava no assunto e acabou ficando decepcionado
comigo. Vivia repetindo que o filho não deve pensar nos defeitos da
mãe; me beijava e ria, mas creio que tudo era só da boca pra fora.
Tia Neiva ouviu
paciente até o fim aquele mundo de queixas e rancores. Depois chamou
Tiago, o Mestre que era responsável pelo Trabalho de Tronos
Vermelhos, recomendou que fizesse um Trabalho Especial para aquela
família desarvorada. Enquanto isso ficou atenta para ver se Lúcio
aparecia, porém ele não veio.
Nessa mesma noite
Tia encontrou-se com ele no Canal Vermelho. Eunóbio, o Coordenador
das atividades dos Médiuns do Vale no Canal, veio ao seu encontro e
em pouco tempo foi apresentada a Lúcio.
- Estive com sua
família, sua mãe, sua esposa e seus filhos.
- Sim? Meus filhos!
Tenho um casal, Márcia e Lucinho. Que pensa de mim Lucinho? A
senhora sabe a meu respeito?
- Sei Lúcio, como
sei também o que o levou ao suicídio...
- E a senhora
(atalhou Lúcio) falou com Lucinho? A pergunta refletia seu
desespero, sua angústia.
- Não Lúcio, não
falei com ele na Terra. Eu tenho um Juramento que me obriga a
respeitar os sentimentos dos outros, e eu seria incapaz de denunciar
alguém.
- Pois é Tia, fui
suicida e no entanto aqui ninguém me condenou. E foi aqui Tia, que
eu aprendi a respeitar os outros. E minha mãe?
- Sua mãe Lúcio,
sofre a maior dor!
- Meu Deus! (gemeu
Lúcio).
- Lúcio, sua mãe
optou pelo homem que amava; foi quando você a deixou pela primeira
vez, embora devesse ter optado pelo filho...
- Sim Tia, foi
horrível o que aconteceu aquele dia. Meu padrasto me esbofeteou na
frente dela e disse que um de nós dois tinha que sair daquela casa.
E minha mãe virou-se para mim e disse: Meu filho, vou leva-lo para a
casa de sua avó, a mãe do seu falecido pai. A decepção foi tão
grande Tia, que nunca mais me recuperei, apesar de todo o carinho que
minha avó me dedicou. Minha mãe não me quis, preferiu estar ao
lado do homem que gostava.
- Eu sei como é
isso meu filho, mas no fundo aí é que estão os enredos cármicos
de vidas anteriores. Só o reajuste e o amor podem reequilibrar o
homem que passa por traumas como esse.
- E minha mulher,
como está ela?
- Ela está bem.
- Sabe Tia, desde
aquele dia em que entrei na casa de Marcelo, que era meu melhor
amigo, ouvi a voz de Edna no interior da casa... Ali que meu drama
começou. Marcelo muito nervoso veio ao meu encontro e eu perguntei
de quem era aquela voz. Ele gaguejou, mas disfarçou dizendo que eu
não ouvira voz alguma. Que não havia ninguém. Desci do apartamento
cheio de suspeitas e fiquei escondido em frente. Vi então quando ela
desceu e saiu apressada. A partir daí tudo o que acontece com um
homem traído pela esposa, aconteceu comigo. Fiz uma viagem tentando
por a cabeça no lugar, mas de nada adiantou. Tentei me enganar
colocando em dúvida o que havia visto, mas isso também não
resolveu. Edna e Marcelo continuaram tranqüilamente a me trair.
Chegou um ponto em que eu não agüentava mais a situação. Decidi
mata-los, mas só de pensar no que poderia acontecer com Lucinho e
Márcia. Senti medo, decepcionar o menino com a própria mãe?
Lembrei-me de meu próprio sofrimento em relação a minha mãe. A
partir daí achei melhor matar-me, assim pelo menos não ficariam
sabendo da traição da mãe. E então suicidei-me.
- Se tudo está bem
com meus filhos (retomou Lúcio a palavra após breve instante em
silêncio), eu espero aqui o que Deus quiser. Só não quis que
particularmente meu filho não passasse pelo que eu passei. Deus há
de compreender minha dificuldade, e tenho certeza que um dia ele me
perdoará.
- É verdade (pensou
Tia Neiva consigo), Lucinho e Márcia estavam bem, vivendo suas vidas
sem complexos e amando a mãe mais ainda.
Nisso soou uma
campainha e Lúcio avisou que tinha que partir.
- Está vendo para
onde irei?
- Você vai para o
outro lado desse Canal.
Lúcio partiu e a
Clarividente soube que ele iria se preparar para uma nova
reencarnação. Pela Lei, ele teria que redimir na carne o erro de
sua autodestruição. Soube ainda, que viria portador de uma forte
disritmia e sua mãe seria a mesma, porque o primeiro trauma foi
proporcionado ao rejeita-lo...
O desequilíbrio de
uma mãe desajusta uma família.
Salve Deus!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
O Presidiário
Conselheiro
Certa vez ouvi uma
voz que chamava por meu nome. Ao me voltar deparei-me com um senhor
de mais ou menos 45 anos de idade, com uma aparência de Espírito
Evoluído que me disse:
Tia Neiva, eu quero
lhe contar a minha história para que sirva de exemplo, aos Espíritos
que têm como lema a violência, acreditando que somente a vingança
lava seus corações.
Acercando-se de mim
continuou:
Era um daqueles
muitos domingos que passamos na Terra, eu e minha esposa. Eu era
muito amigo dos meus sogros e convivíamos juntos muito bem. Um de
nossos vizinhos era muito chegado a nós, embora não tivesse uma
reputação muito boa naquela cidade. E naquele domingo fatídico,
quando alegremente almoçávamos todos reunidos, dois homens
invadiram violentamente minha casa e seguraram-me pelos braços como
se todo o ódio do mundo os dominasse. E sem saber do que se tratava,
me senti ultrajado e reagi com toda a brutalidade, tentando me
defender daqueles desconhecidos. Cego pela raiva, quando dei conta de
mim um dos agressores tinha fugido e o outro estava caído morto por
mim. Também jazia morto o meu vizinho José, abatido por aquele
invasor que fugira.
Meu sogro mandou que
eu corresse para fugir ao flagrante, enquanto ele chamava a polícia.
Eu era muito ingênuo
para defender-me e decidi ficar esperando pela polícia, na certeza
de que tudo seria esclarecido. Não conhecia nenhum dos agressores e
não entendia aquilo. As únicas testemunhas da minha inocência, de
que eu agira para me defender e proteger a minha família eram meus
sogros e minha esposa.
Como eu tinha o
hábito de beber, ninguém teve coragem de testemunhar em meu favor.
Também como eu, ninguém sabia o que levara aqueles homens a
invadirem o meu lar com tanta violência e me atacarem com tanto
ódio.
Nas ruas o
comentário era de que eu matara o pai de uma moça que eu havia
desonrado. Por isso aquele ódio todo. Só que na realidade, estavam
me imputando a culpa de um crime que eu não cometera, e sim... o meu
vizinho. Um terrível engano...
Oh, Tia Neiva! Deves
imaginar o que sofri. Preso, sem amparo e a família da vítima
pensando somente em vingança, passando a me perseguir. Um dia, um
irmão daquele homem que morrera por minhas mãos – que eu
reconheci como um dos que haviam me atacado e fora o assassino de
José – foi ser carcereiro no Presídio em que eu estava e passou a
fazer comigo os maiores absurdos.
Cansado de tanta
barbaridade, certo dia fui chamado para depor junto àquele Delegado
que me prendera e me decidi por pedir a ele que me livrasse daquele
horror que vinha passando. Para minha surpresa ele se mostrou muito
receptivo e me disse com convicção:
– Se tu me
ajudares, eu te ajudarei. Desonrastes a filha de Acácio e quando ele
te foi cobrar tu o mataste. Porém, ainda não ficou esclarecido quem
matou José, o teu vizinho. Foste tu? Dizei-me... Bem poderias me
dizer toda a verdade.
– Vou contar –
comecei eu, mas, vi naquele instante o meu carcereiro que entrava e
me olhava com ódio. Sim, aquele era o assassino de José. Então
lembrei-me dos pais da moça que eu nem conhecia; lembrei-me da minha
pequena Nice que eu deixara com apenas 3 anos de idade... Minha
cabeça parecia girar, mergulhada em pensamentos estranhos.
Tia Neiva, olhando
no rosto daquele guarda, que tanto mal me fazia maltratando-me e me
espancando, fixei meus olhos nos seus olhos, que pareciam fulgir de
tanto ódio e falei firme para o Delegado:
– Sim Doutor, fui
eu quem matou aqueles dois homens. Porém, acredite, não conheço a
moça e tampouco sabia a razão daquele ataque. E continuei relatando
tudo o que se passara.
Enquanto eu fazia o
relato, assumindo toda a culpa pelas duas mortes, pude ver que o ódio
de meu carcereiro se abrandava. E o Delegado acreditou em tudo que
falei. Eu tremia de medo, pois agora aquele homem sabia que eu o
havia reconhecido. Pensei que já que assumira toda a culpa, ele
poderia piorar o tratamento que me dispensava, vingando-se da morte
do irmão e da desgraça da sobrinha.
O Delegado que tinha
estado a nos observar perguntou:
– Tens alguma
coisa contra ele?
– Não senhor
Delegado, nem o conheço.
– Ele é irmão de
tua vítima – afirmou o Delegado.
– Meu Deus!
(gritei) Agora entendo tudo melhor...
Sai dali pensando no
que havia feito. Não dissera ao Delegado que fora o guarda o autor
do crime. Não entendia bem porque me acovardara, mas achei que tinha
sido melhor assim.
Certo dia fui
novamente chamado à presença do Delegado. Notei a presença em seu
gabinete de uma jovem loura, que pensei fosse sua filha. Ele me disse
que eu já tinha direito a uma folga e poderia sair, e ficou
conversando mais algumas coisas comigo. Por fim perguntou à mocinha
se ela me conhecia. Ela respondeu sorrindo com naturalidade que nunca
me vira. E eu também disse que não a conhecia. O Delegado ficou
pensativo e me mandou sair.
Sair... para onde? O
desastre daquela situação havia sido completo: eu preso; minha
esposa que não acreditara em meus protestos de inocência, fora
embora junto com toda a família para outro Estado, e nem sequer
sabia seu endereço. Mesmo que soubesse, como iria encara-los se não
acreditavam em mim?
O desespero tomou
conta de mim e sentei-me, chorando convulsivamente. Depois de algum
tempo consegui me acalmar, mas sentia que a revolta estava tomando
conta de todo o meu ser.
Já se haviam
passado dois longos anos. Quanta coisa tinha acontecido... Neste
período somente meu sogro apareceu, poucas vezes, mas permanecia
calado, sem forças para me falar. A sua visita até me fazia mal,
pois eu sabia que ele escondia de mim seus sentimentos. Ele também
não acreditava em mim. Condenava-me e sentia revolta pelas faltas
que acreditava ter eu cometido. E isso tudo produzia uma grande
revolta em mim. Quando ele ia embora deixava-me mergulhado no
desespero. Oh, meu Deus! Um momento, um simples momento de ira
causara a destruição de duas famílias...
Numa noite, após um
dia que recebera a visita de meu sogro, só consegui dormir depois de
muitas horas lutando contra a revolta que teimava em me dominar.
Dormi profundamente e sonhei... Sonhei que era um grande Senhor de
Engenho e José (o meu vizinho), era um irmão muito querido, que
assumia a responsabilidade por todas as loucuras que eu cometia. Mais
do que irmão, era um amigo que eu tinha. Nicácio, a minha vítima e
seu irmão, meu carcereiro – eram nossos vizinhos, mas nós os
maltratamos muito. Eles eram honestos e muito mais trabalhadores do
que nós. Como resultado disso, suas propriedades eram bem maiores e
melhores que as nossas. Mas, eles eram perversos com os escravos que
viviam tristes em razão dos maus tratos que recebiam.
Ainda sonhando,
caminhava pelos campos quando encontrei uma linda moça – aquela
jovem que eu vira na delegacia – e nos falamos. Era filha de
Nicácio e sentimos uma forte atração um pelo outro. Estávamos
apaixonados e embora contra a vontade de Nicácio, acabamos nos
casando e tomei todas as propriedades do meu sogro. Para isso, após
algumas desavenças, havia matado o irmão de Nicácio – meu
carcereiro – e com tantos infortúnios e contrariedades Nicácio
ficara louco. Assim, assumi toda aquela fortuna. Para atenuar meus
crimes a única coisa que fazia era tratar bem daquela família. E
meu sonho continuou Tia, até a data atual, recaindo sobre minha
pessoa.
Acordei e senti
alívio. Não sabia nada sobre o que continha de real aquele sonho. E
quando vi meu sogro novamente, veio à minha mente aqueles
personagens do sonho: ele era um homem cheio de maldade, forte, e me
induzia a muitas maldades. Agora ali à minha frente, com aquele ar
compungido...
Comecei a pensar no
que o sonho me mostrara e passei a entender melhor o que acontecera.
Certamente se tudo aquilo era verdade, se no passado havíamos
cometido tantos crimes, era natural que pela Lei de Causa e Efeito,
aquelas nossas vítimas houvessem voltado e fizessem suas cobranças.
Essa idéia foi fazendo uma modificação em mim. Deixei de ser
aquele homem revoltado, triste, e passei a me relacionar melhor com
os outros. Já sorria, era receptivo a confidências e fazia amigos.
Enfim, um raio de sol iluminou aquele mundo, em que eu estava perdido
na minha dor.
Tia Neiva, o homem
não pode se queixar de Deus. onde quer que ele vá, ali encontrará
honestidade e tudo quanto precisa para as suas afirmações.
Não senti mais
saudades. Em cada Presidiário eu via um Senhor de Engenho, tal foi
minha afirmação.
Um dia senti forte
dor de cabeça e fui levado para um pequeno ambulatório. A dor era
intensa e me desinteressei de tudo. A medicação que me deram para
aplacar a dor fez com que eu caísse em profundo sono e então
comecei a sonhar...
Oh, meu Deus! Vi
alguns homens que me pareceram Sacerdotes, vestindo trajes brancos,
operando minha cabeça. Realmente depois que acordei, a dor tinha
passado e nunca mais voltou.
Certa vez estava eu
no grande pátio do Presídio, quando notei um jovem com mais ou
menos 30 anos de idade. Ele havia matado seu próprio pai e diante
disso senti como todo o mundo sente, repulsa pelo rapaz. Mas alguma
coisa dentro de mim venceu aquele julgamento e me acerquei dele
perguntando:
– Como você está?
– Como poderia
estar? – Ele começou a chorar e entre soluços continuou: Você
sabe que eu sou um assassino? Matei meu próprio pai...
Respondi com
firmeza, que eu não acreditava e que seu caso deveria ser mais ou
menos parecido com o meu. Ele não quis saber como fora o meu caso e
continuou sua narração:
– Ele vivia bêbado
e batia muito em minha mãe. Um dia no auge da violência, estava a
ponto de mata-la quando interferi. Ele se voltou contra mim dizendo
que me odiava, e da mesma forma que matara meu pai, ia me matar. Eu
me surpreendi, pois sempre o considerara como pai. Pensei que era
fruto de seu estado de embriaguez e enquanto ele, trôpego, tentava
me alcançar, perguntei a minha mãe se era verdade. Ela confirmou.
Havia dito a ele há trinta dias, pensando que ele a abandonaria...
Naquele instante de desespero, passou em minha mente toda a minha
triste infância, toda nossa miséria. Minha mãe, de cabeça baixa
deixara-se cair em um canto. Foi quando com todo o ímpeto de um ódio
profundo aquele homem se lançou sobre mim. Sem pensar, num acesso de
violência, defendi-me e lhe apliquei um golpe que foi fatal.
Abaixando a cabeça
ele deu um soluço desesperador.
– Apesar de tudo
(disse cabisbaixo), eu não tinha coragem de mata-lo... Porém aquilo
aconteceu e sei que ninguém vai acreditar em mim.
Fiquei pensando que
as coisas aconteceram com ele como haviam acontecido comigo. Senti um
desânimo, mas me compadeci daquele companheiro de infortúnio e lhe
disse algumas palavras de consolo. Tornamo-nos amigos pela dor. E
assim, como ele muitos se chegaram a mim, sempre carregados de ódio,
de revolta, mas sempre recebiam minhas palavras para aplacar o
desespero que sentiam.
Nossa vida ali não
tinha muitas novidades, a não ser as malvadezas de umas pessoas com
outras. As suas dores, as suas paixões sempre me encontravam
disposto a dar um pouco de conforto àquelas pessoas, graças a Deus!
Certa noite tive um
sonho com uma casa azul, uma casa muito azul, cuja vida de seu dono
era um mistério. Era riquíssimo, e só recebia visitas que
aparentavam alto nível social, dizendo-se estrangeiros de diversas
partes do mundo. Um verdadeiro enigma.
Meu sonho continuou
e me senti penetrando naquela imensa e misteriosa casa, com a
sensação de que era guiado por alguém que me falava:
– Procure agir
depressa, enquanto você dispõe de tempo. Viu como é perigosa uma
cabeça cheia de sonhos? Lembra-se quando este homem o convidou para
trabalhar com ele?
– Sim (pensei),
poderia estar bem melhor.
– Como ninguém
fugirá às surpresas da noite, com as mãos desocupadas, ajude ao
próximo enquanto permanecem ao seu lado. Atento às oportunidades,
dentro de suas possibilidades.
– Eu ajudar esse
homem? Quem sou eu e como?
Ao acordar,
lembrei-me de que não soubera que espécie de trabalho ele iria me
dar. Ainda deitado lembrava com toda clareza daquele sonho. “Procure
agir depressa, enquanto você dispõe de tempo...” Oh, meu Deus.
Sonhos, somente sonhos...
Aquela voz voltou em
outro sonho: – E também só damos lições da vida, enquanto o
livro das provas repousa em nossas mãos. Aprender é fácil, é uma
bênção. O que não é fácil é saber emitir o ensinamento como
uma bênção. Acerte as contas com seus vizinhos, enquanto a hora
lhe é favorável. Amanhã, em todos os quadros podem surgir
transformações. A mente do homem é imprevisível. Dê suas lições
sensatamente, reconforte os desesperados... Sonhos, tudo sonhos,
pensava eu sem sair da cama.
O Delegado sempre
vinha conversar comigo. Nós nos afinávamos bem e eu tinha muito
respeito por ele. Com carinho, ele me contava muitas coisas, boas e
ruins. Um dia, ele me disse:
– O homem da casa
azul foi detido. Ele era um contrabandista e continuaria com seus
crimes, se não tivesse matado seu cúmplice.
– Meu Deus! –
Gritei, assustando o delegado.
Então comecei a
contar-lhe desde o princípio, sobre os sonhos, sem saber qual seria
sua reação. E qual não foi meu espanto, quando ele me disse todo
esperançoso que eu era um grande Médium, e me convidou para
participar de uma Sessão Espírita.
– Sim! (pensei)
Uma saída...
No dia combinado,
como ele havia determinado fomos ao Centro Espírita. Era um grande
terreiro, e no salão a Mãe de Santo veio ao nosso encontro,
dirigindo-se ao Delegado. Ficaram um pouco distantes de mim
conversando baixinho. Por fim, me chamaram e me conduziram até um
homem que estava sentado em um toquinho. Estava incorporado, pelo que
pude ver, e tão logo me sentei à sua frente, ouvi ele me falar.
Sim, foi com muita surpresa que ouvi aquela voz, a mesma voz que
falava em meus sonhos, me dizendo:
– Nada tens a
fazer aqui. Fique naquele canto e espere até que o Delegado vá
embora.
– Sim! Respondi
depressa no meu espanto.
O Delegado me
perguntou se estava tudo bem e respondi que sim. Iria ficar apenas
vendo como funcionavam os trabalhos. E assim fiz. Como era a primeira
vez que estava num lugar daqueles, muito apreciava, achando tudo
bonito e complexo o que via. O Delegado foi falar com aquela Entidade
que havia falado comigo e vi que ficava muito emocionado ao ouvir o
que aquele homem incorporado dizia. Naquele momento não podia ouvir
nada. Só muito mais tarde, depois de passados muitos anos é que ele
me revelou que aquela voz lhe dissera que eu era filho espiritual
dele, e que teria como missão me ajudar na dolorosa faixa cármica
que eu estava atravessando, porém, sem que eu soubesse a verdade.
Por isso se explicava a grande afinidade que sentíamos, desde o
primeiro instante que nos encontramos em tão triste momento.
Quando voltamos, o
Delegado demonstrando grande emoção e já confiando em mim, não me
acompanhou até a portaria do Presídio. Para minha surpresa havia
sido mudada a guarda da noite e os que ali estavam não me
reconheceram, e acharam que eu estava mentindo quando lhes disse que
havia saído com ordem do Delegado, em companhia dele. Nada adiantou.
Maltrataram-me e me colocaram numa cela solitária, incomunicável.
Tinha esperanças de
que quando chegasse o pessoal de dia o caso fosse esclarecido. Mas,
então vi que aquele Carcereiro minha vítima do passado, não
apagara o ódio por mim. Ele nada disse sobre minha situação e
assim passei vinte e quatro horas naquela solitária, incomunicável,
sem ter quem me ajudasse. O que valeu foi o Delegado ter ido à minha
procura e descobrir toda a trama. Ele ficou furioso, pois sentiu que
aqueles guardas, apesar de me reconhecerem tinham um inexplicável
ódio por mim. Tinham prazer em me aplicar castigos e sofrimentos.
Repreendeu severamente aqueles homens e me mandou para a enfermaria,
a fim de me tratar de alguns ferimentos.
Cheguei ao
ambulatório e me deitei para descansar um pouco, já tendo sido
atendido pelo enfermeiro. Estava cansado e não sentia ódio pelos
meus algozes, e sim, descrença. Uma profunda descrença de tudo,
abalando até a confiança que sentia em mim mesmo. E foi nesse
estado de espírito que me desprendi de meu corpo, para receber mais
alguns importantes ensinamentos.
A partir desse dia,
tudo mudou para mim. Passaram a me respeitar mais e olhava aqueles
meus carcereiros – homens, pobres homens que só tinham ódio e
maldade em seus corações – com compaixão.
Certo dia estava
sentado, envolvido por meus pensamentos, contemplando minha situação
– matara um homem e pagava por dois crimes – quando senti uma
aproximação. Pelos arrepios de meu plexo senti que não era de boa
natureza. E realmente, aproximou-se o irmão de minha vítima, meu
carcereiro, que me disse baixinho:
– Você sabe que
hoje completam 15 anos do seu bárbaro crime?
Minha cabeça rodou
e tive pela primeira vez a sensação de que era realmente um
assassino. Tremi diante daquela acusação e pedi forças a Deus para
que perdesse o medo e pudesse enfrentar aquele meu cobrador. E fui
ouvido, pois falei com firmeza àquele homem que tantas torturas me
fizera sofrer:
– Como se atreve a
me dizer estas coisas, se você sabe tão bem quanto eu, toda a
verdade? – Falei e senti como se o espírito de José estivesse
falando por mim – Como pode ser tão cruel? Tão vingativo? Quando
sabe a verdade sobre mim? Sua sobrinha deve ter contado a você que
nunca a vira e você, com suas próprias mãos vingou-a do homem que
a desonrara. E eu paguei pela responsabilidade de mais um crime, para
que você ficasse em liberdade, já que eu não poderia devolver a
vida de seu irmão. Não tenho ódio em meu coração, e só acho que
deveria ser inocentado do crime de ter seduzido aquela pequena jovem.
Meu Deus! Fui difamado sem sequer tê-la conhecido... A minha esposa
não acreditou em mim e sumiu carregando minha filhinha Nice, com
apenas três anos de idade. Até hoje não sei nada delas e você vem
me dizer que estou a quinze anos neste cárcere...? Sim, depois que
meu sogro morreu não tive mais qualquer notícia delas... Há quanto
tempo? Nem sei mais. Você me inutilizou, me torturou. Pago pelo seu
crime e tenho que ouvir suas calúnias? Tenho um rim deslocado, que
me maltrata pelas pancadas desferidas por seus punhos covardes. Mas
agora basta! Até hoje, foram os seus dias. De agora em diante, serão
os meus dias.
Avancei sobre ele
que, apavorado por ver minha reação, segurou o apito e tentava
sacar a arma, quando o agarrei e quebrei seu braço, derrubando-o com
um golpe que o fez gemer de dor.
Foi um grande
tumulto e outros presos acorreram, vindo a guarda em pé de guerra,
com medo que se alastrasse uma rebelião no Presídio. Subi para um
degrau e ali do alto comecei a falar. E parece que chegara a minha
hora, pois Deus mais cedo ou mais tarde toma o partido da inocência
oprimida, e todos pararam para me ouvir. Eu falei para o meu
carcereiro, que gemendo estava ali parado, amparado por outros
sentinelas, e disse como se estivesse manifestado pelo Espírito da
Verdade:
– Sofri, sofri
suas injúrias realmente, nestes quinze anos de tolerância e de dor.
Há quinze anos você me massacra nesta cela e esqueceu de que o
reconheci desde o primeiro momento em que o vi. Porém, não queria
que sofresse e para tentar compensar a morte de seu irmão em minhas
mãos, assumi sua culpa. Você também sabia que eu nem sequer
conhecia sua sobrinha. Enquanto eu me defendia do ataque de seu irmão
naquele domingo fatídico, você matou meu vizinho José, o
verdadeiro sedutor de sua sobrinha. E eu estou pagando pelos dois
assassinatos e pela sedução da jovem. Tenho sofrido muito, mas não
o denunciei até este momento. Nunca quis lhe fazer qualquer mal,
embora você deva ter consciência do seu procedimento e do seu irmão
naquela triste tarde na minha casa...
Ele não esboçava
qualquer reação enquanto eu falava. De cabeça baixa, ele estava
sob o jugo da verdade. Todos ouviam atentamente as minhas palavras
quando fui interrompido pela chegada do Delegado que foi pedindo
calma e me disse:
– Tenha calma
João, que sei tudo a seu respeito.
E voltando-se para o
meu carcereiro, que não conseguia manter-se firme, falou com
aspereza:
– Quem deveria
estar nesta cela era você. E ainda tem a coragem de zombar deste
homem... Sim, somos todos filhos de Deus e não serei eu quem irá
condenar sua conduta. Sei que cobra incessantemente perdido no ódio,
esse pobre homem que em vidas passadas foi seu algoz. Porém, tudo
tem o seu preço e o seu fim. A vida não é simplesmente uma
cobrança. Somos filhos de Deus, somos irmãos e a finalidade da
cobrança é a escalada para um mundo superior, é para nos unirmos
em uma única família universal, sem peso na consciência. Quando
você tiver a felicidade de conhecer os santos desígnios de Deus,
aprenderá a ter amor ao próximo como Jesus Cristo nos ensinou no
Santo Evangelho. Fique sabendo que na cobrança sem amor, as dores
são repartidas. Todos somos imperfeitos. Como pode um homem se
atrever a cobrar com torturas, seu irmão, por um crime do qual não
foi ele o único culpado? Sempre soube da sua vida, mas não quis
interferir para ver até onde você ia na sua inconsciência. Sempre
fui de opinião que você não merecia estar aqui. Deus, o grande
Deus, nos admite nesses Presídios para que o homem pare e pense no
que ele passa aqui. E é o que muitos fazem lá fora aos inocentes.
Pessoas que pisam em seus próprios cadáveres...
Quando percebi Tia,
todos do Presídio estavam reunidos ouvindo as palavras do Delegado.
Comecei a falar:
– Não quero
afligir meus irmãos com detalhes de minhas torturas, e sim, lhes
dizer que tudo tem o seu santo dia. Nem um só filho de Deus está
perdido ou esquecido, e só assim podemos compreender Sua bondade
infinita. Sim, cada um de vocês um dia compreenderá. Chorei muito
em minha cela. Chorei, desesperado pensando estar esquecido até
mesmo por Deus. Quantas noites me acordava sob efeito de terrível
pesadelo e ao abrir os olhos me deparava com você – e apontei para
o carcereiro – à beira da minha cama, com atitude de quem ia me
matar. E eu? Eu nunca pedi que não o fizesse. Isso e muitas outras
torturas que não direi agora, pois são por demais tristes para
serem cometidas por um ser humano. São muitos os homens que se
utilizam da calúnia para esconder seus crimes. Fingem e mentem tanto
que chegam ao ponto de acreditar no que criaram suas próprias mentes
sujas.
Fui interrompido
pelo apito que nos chamava para a refeição, e aquilo quebrou nossa
concentração. Todos se movimentaram e os guardas foram levando o
meu carcereiro para o ambulatório.
Sentei-me ali mesmo
e novamente só, senti uma sensação de alívio, como se um peso
tivesse sido tirado do fundo de minha alma e chorei. Chorei
copiosamente.
O Delegado mandou me
chamar e quando cheguei ele me recebeu com muita alegria, me
abraçando e dizendo:
– João!
Cumpristes dignamente a tua pena e a tua missão. Parabéns. Agora és
um homem livre.
A notícia me deixou
meio tonto, e muitos presidiários e guardas vieram para se despedir
de mim. Em meio a tantos abraços só sentia aquele atordoamento, e
assim, sem saber exatamente os meus sentimentos, saí daquela
Penitenciária onde passara aqueles quinze anos, que me pareciam uma
eternidade.
O Delegado foi
comigo até a rua e me abraçou comovido, desejando-me boa sorte.
Quando ele me deixou, fui até um banco que havia próximo ao portão
e me sentei, tentando por minha cabeça em ordem.
– Para onde irei?
(pensava). Como poderei viver, trabalhar, se poucos são os que
confiam num ex-presidiário? Onde posso encontrar minha Nice, minha
filhinha querida? Será que ela sabe da minha existência? Agora com
dezoito anos, será que ainda lembra de mim? Irá acreditar em mim?
Era uma avalanche de
pensamentos que me deixava fora da realidade. Comecei sem sentir, a
falar em voz alta:
– Oh, meu Deus.
Sei que fui assassino pela honra do meu lar, porém, jamais
desrespeitei alguém, principalmente uma mocinha.
Nem senti quando o
Delegado que se chamava Wagner, se sentou ao meu lado. Só ouvi sua
voz amiga que rompeu minha sintonia dizendo:
– Calma João.
Calma e esperança. Deus saberá te recompensar. Com certeza está
reservando um grande bem para ti.
– É Doutor, mas
que será de mim agora? Sem lar, sem família, sem ninguém...
– De onde tu
vieste, filho?
– É uma longa
história doutor, e pode acreditar no que vou lhe contar. Eu nasci e
vivi na roça, numa família unida, cuja vida era o celeiro e a
lavoura. Trabalhávamos muito, mas tudo era feito na maior harmonia,
e todos ali nas redondezas eram amigos. Vivíamos na mais linda
harmonia. Sim, haviam muitas festas, mutirões, e formávamos um belo
grupo. Certo dia fomos para uma grande quermesse, numa festa
realizada em homenagem à santa padroeira do lugar. Esses
acontecimentos eram sempre marcados pela alegria e todos compareciam.
Fomos para aproveitar a festa e levei minha noiva Dorinha, um amor de
mocinha, filha de um vizinho nosso. Logo que chegamos já fomos
comprando bilhetes da rifa, cujo prêmio maior era um lindo cavalo, e
depois fomos vendo as atrações da Quermesse. Acercou-se de nós uma
cigana que era membro de um grupo que há alguns dias havia acampado
por ali. Pediu minha mão para ler, mas eu não queria perder tempo
com essas coisas que achava tolices. Disse-lhe que não tinha
dinheiro, mas ela pegou minha mão e disse apenas:
– Vais viajar para
muito longe e jamais voltarás...
Dorinha ficou triste
e começou a chorar. Aborrecido, falei com ela que a cigana tinha
dito aquilo só porque eu não deixara ela ler minha sorte. Ficara
com raiva e tratou de criar um problema. Na verdade, só Deus sabe de
nossa vida e aquela cigana não sabia nada sobre o futuro dos outros.
Fomos interrompidos
pelo resultado da rifa. Em meio aos gritos e risadas, foram nos
avisar de que o meu número havia sido sorteado e que eu devia ir
buscar o belo animal. Entre palmas, saí dali montado no lindo cavalo
manga larga, levando Dorinha na garupa. Já estávamos esquecidos dos
maus presságios da cigana...
Demos uma volta e
apeei para melhor examinar o cavalo que havia ganho. Com surpresa,
senti-me angustiado quando olhei seus cascos e verifiquei sinais de
uma doença – frieira maldita – que começavam a aparecer.
Estávamos acostumados com animais, pois tínhamos grandes tropas,
criações e gado de várias raças, e sabia muito da vida da maioria
deles. E sabia que aquele animal não tinha cura, e meu cavalo teria
que ser sacrificado. Sem saber o que fazer guardei segredo, para ver
como resolveria a situação sem que os outros soubessem.
Nem mesmo a Dorinha
contei, mas ela notou que algo me perturbava. Disse-lhe que estava
aborrecido com a cigana que a fizera chorar, e não contei o motivo
de minha mágoa.
Chegamos em casa e
meu pai e meus irmãos estavam me esperando, fazendo enorme algazarra
pelo meu prêmio. Um irmão disse que era preciso examinar o cavalo,
pois poderia ter alguma doença e iria contaminar os outros.
Respondi-lhe que já vira o animal todo e ele estava muito bem.
Tínhamos sempre sido leais uns com os outros. A mentira, a inveja;
nenhum desses sentimentos negativos achava guarida naqueles puros
corações.
Por isso já alta
noite, não conseguia conciliar o sono, com a consciência doendo por
ter mentido. Levantei-me e fui até as cocheiras, para ver novamente
meu cavalo. Certifiquei-me de que estava mesmo condenado, pois seus
sintomas haviam agravado. Então, tomei uma rápida decisão:
coloquei-lhe a sela.
E deixamos aquela
região no silêncio da noite. Ninguém nos viu sair. Cansado pelo
movimento da festa, todos dormiam pesadamente e não encontrei uma
pessoa sequer no meu caminho.
Doutor lembro-me
como se fosse hoje, daquela caminhada para o desconhecido. Cavalguei
sem parar até que a fome me fez apear à frente de um restaurante da
estrada, onde comi bastante, pois não sabia onde e quando iria comer
novamente. Voltei à cavalgada e algo estranho aconteceu comigo, pois
cai em profundo sono. Quando acordei, estava próximo a uma cidade
sertaneja, inteiramente desconhecida para mim. Fiquei atônito.
Avistei um grande
circo e fui entrando no acampamento puxando meu cavalo pelas rédeas.
Algumas pessoas saíram das barracas e foram ao meu encontro.
– De onde vem? –
perguntou alguém.
Contei-lhes de onde,
mas não lhes disse que não sabia onde estava. Não sabia se podia
confiar neles.
– Você quer
vender seu cavalo? – Perguntou um homem, aproximando-se e começando
a examinar o animal.
Fiquei com medo que
descobrisse a doença do cavalo e me afastei dali. Mas, com grande
espanto, quando olhamos os cascos do animal, verifiquei que não
havia o menor sinal da doença fatídica. Não podia explicar o que
havia acontecido, mas era apenas mais um dos fatos inexplicáveis que
estavam me acontecendo.
– Não, ele é a
única coisa que tenho e pretendo voltar o mais depressa possível
para minha cidade – respondi.
– Se quiser voltar
para sua região moço, vai ter que vender o cavalo (disse o homem).
Você está muito longe de casa e este animal não ia agüentar uma
viagem longa dessas...
– Longe? (mais um
mistério para mim...) O senhor conhece minha região?
– Sim, de ouvir
dizer. Fica a mais de oitocentos quilômetros daqui. Na verdade só
conhecemos até perto do Convento.
– Convento? –
Minha cabeça estava girando. O Convento fica muito longe de minha
casa. Como pudera chegar tão longe, sem ter a menor noção do tempo
e do espaço?
– É moço, se
quiser ficar estamos precisando de alguém como você para trabalhar.
Aceita?
Com a mente
envolvida por tão denso mistério, decidi aceitar a oferta e comecei
a trabalhar com aquela gente. Havia muito o que fazer, mas a idéia
de voltar para casa estava fixa em minha cabeça, principalmente
agora que meu cavalo estava em perfeitas condições. O que estariam
pensando meus pais? E Dorinha? Afinal, o que aconteceu comigo? Estava
sempre perdido no ciclo vicioso dos meus pensamentos.
Mas o tempo foi
passando e me acostumei com aquela vida. Conheci uma moça muito
agradável e nos apaixonamos. Casamos e tivemos um período muito
feliz. Meus sogros eram como meus pais, e nos sentimos realizados,
quando nasceu minha querida Nice. O trabalho não me dava muito tempo
para sair, mas já havíamos combinado de ir até minha cidade e nos
confraternizarmos com minha família, tão logo Nice estivesse um
pouco mais crescida.
Passei a sonhar com
essa viagem, embora não soubesse por qualquer meio o que se passara
por lá em minha casa, desde que a deixara. Eram imagens do passado e
ia relegando minhas lembranças a um cantinho de minha mente, agora
toda voltada para o meu lar e minha querida família.
Por fim, decidimos
que chegara a hora. E fizemos um almoço especial para o qual
convidamos meu vizinho José. Estávamos festejando, também, cinco
anos de minha chegada ali.
Porém, o destino
foi mais forte que os meus planos. Estávamos almoçando quando a
porta se abriu repentinamente e dois homens enfurecidos invadiram
nossa casa e passaram a nos agredir. Procurei me defender, defender
minha família, e a raiva me deixou cego. Também reagi com fúria e
quando dei conta de mim, um dos atacantes jazia morto e o outro havia
fugido. José também havia recebido um golpe fatal.
Esperei que minha
família me defendesse, mas, vítima de um ciúme profundo, minha
esposa acreditou que tudo havia sido motivado por ter eu seduzido a
filha de um dos atacantes, exatamente aquele a quem eu havia tirado a
vida... O resto o senhor sabe, doutor.
O Delegado ficou de
pé e se voltando para um muro que estava próximo gritou:
– Venha Nice,
venha abraçar o seu pai, pois parece que ele já vai embora outra
vez...
Saindo de trás do
muro, uma linda jovem se precipitou correndo e me abraçou. Eu,
tonto, não sabia exatamente o que estava acontecendo. A jovem
chorava e me abraçando disse:
– Oh, meu paizinho
querido! Não irás mais sozinho. Para onde fores eu irei junto...
Minha emoção foi
tão grande ao saber que aquela jovem era minha querida Nice, que
senti minhas pernas fraquejarem. Oh, meu bom Deus! Não há como
descrever minha felicidade naquele reencontro.
Sentamos novamente
naquele banco e ela me envolvia o pescoço num abraço. E foi
contando muitas coisas novas para mim.
– Estou noiva do
filho do Delegado. Já marcamos nosso casamento para breve e logo
iremos visitar meus avós, que estão à tua espera, ansiosos para te
ver.
Olhei aquele
rostinho lindo, os olhos brilhantes e, quase num murmúrio perguntei:
– Sua mãe, onde
está?
Ela baixou a cabeça
e demorou um pouco a responder:
– Morreu... Morreu
de parto. Esperava um filho. Certamente um filho que não era teu...
– Oh, meu Deus. –
Gritei, sentindo uma dor em meu peito.
Virei-me para o
Delegado, sentindo meus olhos turvos pelas lágrimas.
– Que
infelicidade, meu Deus. O senhor sabia de tudo durante todo esse
tempo e não me disse nada... Por quê?
– Sim! Meu bom
amigo. Não lhe disse nada, para não aumentar seu sofrimento. Quando
tive certeza da sua inocência, fui procurar sua família e lhes
contei tudo. Naquele dia em que o levei àquele Terreiro, a Entidade
de minha confiança me recomendou que eu nada lhe contasse. Até
mesmo me revelou que você é meu filho espiritual, o que me deu
alegria e angústia ao mesmo tempo, pois não poderia revelar esse
fato a ninguém, enquanto você estivesse no Presídio. Seria melhor
para todos. E assim fiz...
Então, um carro
parou perto de nós e dele desceu um jovem. Era o filho do Delegado,
o noivo de minha filha. Simpático, apertou-me a mão abraçando-me e
dizendo que tinha um grande prazer em me conhecer, e que estava muito
feliz com minha libertação.
Fui para a casa de
Wagner e me trataram com muito amor, para que me recuperasse bem, e
estava ansioso para voltar à casa de meus pais. Wagner conseguira o
endereço e escrevera para eles relatando o meu drama. Estavam também
ansiosos para me ver.
Em poucas semanas,
Nice se casou e nos preparamos para a viagem. Foi com grande alegria
que chegamos àquele lugar onde eu passara meu primeiro período da
vida.
Meus pais, já bem
idosos, felizes e emocionados, me receberam com muito amor. Apenas
meu pai me repreendeu pelo que eu havia feito: – Veja meu filho, o
que acontece aos grandes Médiuns Sensitivos que fogem à sua
missão...
– É, meu pai...
Eu tive que ir em busca do meu carma, de meus cobradores...
Minha volta foi
muito festejada. Meus pais e irmãos resolveram fazer uma reunião
para me homenagear. Os amigos da família, muitos dos quais nem
haviam me conhecido pessoalmente, compareceram e pude reviver aquela
mesma alegria e confraternização que existia quando eu era jovem. E
me reencontrei com Dorinha. Embora magoada pelo que eu lhe fizera,
guardava o mesmo amor e parece que sabia que eu um dia voltaria. O
tempo deixara suas marcas, mas aquele olhar meigo, ainda era o mesmo
que me emocionara naquele passado tão distante... Apesar do que eu
havia feito, ela não me repreendeu, não me falou dos pesadelos que
tivera. Apenas me olhou e naquele momento, senti que também eu nunca
pudera amar ninguém mais do que a ela.
Num curto espaço de
tempo, casei-me com Dorinha. Então vivi um período de felicidade,
sentindo um bem estar tão grande que por vezes sentia medo de que
tudo se acabasse. Tivemos três filhos e o mais velho chamou-se
Wagner, em homenagem ao meu querido amigo Delegado, o meu pai
espiritual que tanto me ajudara, que se aposentara e fora viver com o
jovem casal, Nice e seu filho, já formado em advocacia.
Nice também teve um
filho e junto a minha família, com meus filhos e meu neto, achava-me
recompensado de todos os meus sofrimentos. Meu bom Deus me havia dado
em dobro por tudo que eu passara...
E assim transcorreu
aquela nova etapa de minha vida, até que chegou o momento de partir,
o grande dia, o dia do meu desencarne. Havia chegado ao fim de minha
missão, de minha história, era o momento de partir para Deus.
Tive uma febre muito
alta e fui perdendo a noção das coisas. Meu corpo ainda respirava
fracamente e ouvia distante, vozes, gritos e soluços. Aos poucos
tudo foi desaparecendo e segui meu destino.
Não sei bem o que
aconteceu, mas me lembro que despertei em um local desconhecido, com
a sensação de estar só. Não via ninguém e quando falei, somente
um eco muito forte respondeu. Parecia ouvir chamados e sermões, mas
me sentia em completa solidão.
Após um período
que não sei determinar quanto tempo durou naquele local, ouvi uma
voz que dizia:
– Passageiros que
partem para a Terra: Concentrem-se para descer.
Preparei-me para
obedecer, quando uma voz me falou e jamais me esquecerei o que disse:
– João Armando da
Silva. Não precisa se preocupar. Fique onde está. Logo uma equipe
de médicos estará aqui e em breve você será conduzido ao
verdadeiro mundo dos Espíritos. Não voltará a Terra, porque você
tem Bônus e não irá ficar vagueando.
Senti-me emocionado,
mas uma ligeira dor cortou-me o coração – a saudade dos que
deixara na Terra. Lembrei-me das palavras de Jesus: “Deixem os
mortos enterrarem os seus mortos...”.
De repente, chegou
aos meus ouvidos o rumor de uma queda d’água. Sem saber como, eu
estava me aproximando do som e pouco depois, surgiu diante de meus
olhos uma cachoeira, num espetáculo deslumbrante de selvageria e
desordem, uma branca espuma dançando entre os penhascos. Era um
cenário maravilhoso.
Havia um caminho por
onde fui andando, acompanhando o leito do rio, e fui penetrando na
floresta, enquanto um vento estremecia as copas das árvores e as
folhagens balançavam, como que descobrindo a brisa da manhã.
Fora a cachoeira,
tudo era silêncio e harmonia ao meu redor, e eu respirava aquela
brisa que corria em todo o meu ser. Sentia-me embevecido por tudo
aquilo. Até hoje, não encontro palavras ou analogia para descrever
a felicidade e a harmonia que sentia ali.
Aqui e ali aparecia
a Terra manchada pela luz do sol e, ao mesmo tempo parecia ir se
distanciando.
A harmonia resulta
do acordo perfeito entre nossa mente e o nosso sol interior. A minha
freqüência assídua às Sessões Espíritas ajudou-me muito, pois o
esclarecimento me orientava por onde eu devia andar, por impulsos
vindos do Perispírito, através dos Plexos correspondentes. Como
sabem, somos ligados ao corpo pelo cordão fluídico, e este só se
desliga com a morte. Logo após a morte, nos sentimos leves como uma
pena. Por isso entendi o que se passara comigo. Tive a certeza de
estar ali para sempre. Não tinha dúvidas, tinha feito o meu
desencarne e por isso me sentia tão leve.
Sim, porque o Plexo
Físico ou Centro Nervoso é o Plexo das aspirações das grandezas
da Terra. Ele pesa e nos desarmoniza.
Eu estava agora,
naquela situação magnífica que acontece ao homem, quando ele se
desloca da escravidão do seu corpo material. Sim, a vida é formada
pelos movimentos alternativos de suas forças, e esta constante
viração constitui a grandiosa obra da transformação universal.
Naquele bailado de
luzes e na ternura daquela brisa, pedi a Deus que me despertasse do
torpor que sentia. Sem noção do tempo ou de espaço, ouvi uma voz
que despertou em mim, dizendo:
– João, estás
chegando... Recebestes o aroma das Cachoeiras e das matas frondosas.
Enchestes o teu novo Plexo de Prana do teu Espírito Evoluído.
Receberás de Deus o que fizestes por merecer.
Uma súbita
transformação e me vi em um grande salão, onde as pessoas subiam e
desciam, parecendo todos terem vindo da Terra. Ali, um grupo de
senhores estava à minha espera. Era uma família formada. Juntei-me
a eles e entramos numa linda Amacê, rumando para nosso destino, uma
cidade colonizada para a qual não encontro palavras capazes de
descrever tão bela era ela. Para ali só vão aqueles que não têm
mais qualquer reajuste a ser feito na Terra.
Comecei a recordar
daquela grosseria do Presídio, de tudo pelo que havia passado.
Porém, imediatamente tive consciência de que atravessara sem
revolta, toda aquela missão que Deus me havia confiado. Aquele meu
cobrador, que não soubera aproveitar a oportunidade oferecida pelo
Divino e Amado Mestre, iria ainda penar por muito tempo, até que
brotasse em seu coração a divina semente do Amor, que lhe daria
libertação. Já havia pago pelos meus crimes e nada mais me restava
a fazer na Terra, a não ser trabalhar na Lei do Auxílio.
Adeus, meus irmãos.
Encontro-me na Mansão dos Nicipe.
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
A Volta dos
Ciganos (E
o efeito das Reencarnações)
Surgiam os primeiros
raios de sol, prometendo assim uma primavera festiva naquele pequeno
povoado, província do Conde Rafael, jovem viúvo e herdeiro que
gozava de todos os requintes da corte russa. Tudo prometia àquele
belo dia de sol, todos queriam ser acariciados por ele. Foi então
que despertou-me também aquela alegria. Oh meu Deus! Começo a
lembrar-me como se fosse hoje; lembro-me, lembro-me sim!
Estava ali naquela
pequena praça uma linda cigana, que cantava dançando em sua graça
ricamente vestida. Que quadro original pensei. Chegando-me mais para
perto, pude melhor observar. Alguém então conhecendo foi me
explicando: é um magnífico casal de zíngaros, aquele menino é
também um pequeno zíngaro, filho deles – percebi logo, e não sei
porque cada vez mais chegava-me para perto daquele suntuoso quadro. E
ali embevecida não reparei que já estava bem tarde para melhor
atender as exigências de meu patrão, o Conde Rafael, pois eu era
governanta do Castelo.
Senti que estava
atrasada e segui para casa sem perca de tempo. Já estava eu nos meus
afazeres domésticos, quando entra desesperado meu adorado patrão,
trazendo em seu semblante um quadro de dor. Fui-lhe ao encontro... –
que te passas meu filho? (disse eu com a familiaridade que tínhamos)
diga, diga o que te passas meu bom menino! Oh minha boa Antera...
(continuou ele) sempre foste compreensiva e sincera, diga-me o que
devo fazer agora após minha triste atitude...
- Meu filho, que
fizeste?
- Sim, foi horrível!
Encontrei-me com uma bela cigana e a induzi a seguir-me.
- Oh meu Deus, como
pude ser tão cruel, arranquei-a de Augusto, seu esposo e mandei que
a trouxessem para aqui com o seu pequeno rebento. Oh minha querida
Antera, se pudesse remediar o mal que cometi. Sim, sim, deve haver
uma força especial para fazer-me cometer tão ignóbil ato, diga,
diga alguma coisa, minha bondosa Antera.
Fiquei parada ali
sem nada o que dizer, enquanto pensava mil coisas. Ora veja só, como
pode meu Deus! Aquela linda cigana viver agora entre nós, e qual
seria o fim de tudo aquilo? Vamos, vamos aonde está essa cigana,
disse-lhe por fim.
É verdade, estava
ali a cigana e seu filhinho de uns três anos mais ou menos.
- Seja bem vinda a
esta casa, linda cigana (disse eu) – Sou a Governanta deste
Castelo, para servir-lhe no que desejar.
- Oh (disse ela com
graça), como sois boa, senhora... porém, sou uma pobre cigana que
pretende servir e não ser servida.
- Verdade?
Serviremos mutuamente (disse para arrematar).
Foi então que a
criança começou a chorar. – Deve estar com fome (retruquei), e
saí para preparar qualquer coisa para ele. Chama-se Yatan (disse a
mãe), e desde já entrego-lhe boa senhora, eduque-o nos seus
costumes.
Misericórdia, quase
gritei de medo, pois as características do pequeno cigano, nada
ofereciam de bom.
Passaram-se dias
após a chegada desta cigana no Castelo. Foram celebradas as bodas do
Conde Rafael e a linda Andaluza, era seu verdadeiro nome.
Tudo já voltava ao
seu ritmo normal. A bondade e humildade daquela cigana deslumbrava a
todos que a conheciam. Parecia verdadeiramente feliz o lindo casal.
Certa vez voltando
de um dos meus giros costumeiros com o pequeno Yatan, deparei-me com
Andaluza em frente ao quadro da minha falecida patroa. A princípio,
pensei que ela estivesse admirando aquele quadro de tão rico valor,
porém com o tempo, observei que chorava. A sala era ampla e de onde
estávamos podíamos ali permanecer sem sermos vistos.
O menino olhou para
mim e disse: - Antera não faças ruído que assuste minha mamãe,
ela lastima-se do lobo que comeu o meu papai... Ah! Sabe, Antera,
quando eu crescer e for um homem, matarei todos os lobos até
encontrar meu papai. Andaluza virou-se para nós com os olhos rasos
d’água e um ligeiro sorriso de amargor. Era verdadeiramente linda,
seus cabelos em mechas douradas destacavam em seu rosto oval um par
de olhos verdes, caprichosamente rasgados; seus lábios entreabertos
exibiam um verdadeiro colar de pérolas de mais rico valor.
Sim, ela havia
escutado todo aquele diálogo de seu filho comigo, pois veio ao
encontro e pegou-o no colo dizendo: - Pobre filhinho...
- Venha minha
querida, venha, quero que saiba tudo que aconteceu comigo e os meus.
E arrastando-me para um pequeno sofá perto da lareira, deixou cair
seu esbelto corpo e com a linda cabeça dourada no meu colo cerrou os
olhos e começou a contar: - Querida Antera... Era uma vez uma
infeliz tribo de ciganos, que tinha como Rei um jovem zíngaro por
nome Augusto (disse ela fazendo uma pausa e continuando com os olhos
semicerrados, como se estivesse sentindo aquela presença do Conde
Rafael, que havia entrado e ali tomando o seu lugar em uma cadeira à
nossa frente, não contando com o menino presente e bem consciente,
esquecíamos dele).
- Sim minha filha,
continue... Sei que nos faz bem este terrível segredo de tua
formação. Desabafas, e me guias melhor, disse eu, continue minha
bela.
- Sim... Augusto
chamava-se ele, o nosso Rei! Lembro-me então, tinha eu quatorze anos
quando uma velha Profetisa disse à minha mãe que eu haveria de me
casar com um Rei de nossa tribo, porque do contrário não seria
feliz. Guardei comigo aquela doce revelação. Certo dia quis o
destino envolver-me em suas galhofas.
Quando morreu o
nosso velho Rei, deixando dois filhos gêmeos na disputa de seu
trono, eram Braz e Augusto, um dos dois teria que ser o nosso Rei e
um dos dois havia de desposar-me. Houve então a grande disputa, Braz
ganhara com todas as pompas; que feliz seria quando esposa de Braz.
Oh! Meu Deus, em meu pequeno coração já palpitava o amor de Braz.
No entanto todos ali
temiam que Augusto não aceitasse sua derrota, porém eu em minha
criancice, não pensava senão no meu amor ao Braz, até que o mau
dia chegou. Era bem tarde da noite... Começavam os primeiros sinais
do outono, quando uma forte discussão se ouviu lá fora.
Saí de minha
barraca a ver o que se passava. Lá estavam Braz e Augusto. Augusto
partiria com alguns ciganos ambulantes e deixava Braz com o seu povo.
Assim pensei: está tudo resolvido! E qual não foi o meu desgosto ao
despertar-me no outro dia a ver-me nas garras de Augusto. Sim,
Augusto havia me roubado altas horas da noite sem que eu houvesse
despertado. Destino. Oh! Cruel destino... Continuava a bela cigana.
E sem que eu me
refizesse daquele susto, foram celebradas as bodas nupciais minhas e
de Augusto, tudo estava terminado para mim. Até que certo dia
Augusto decidiu chegar até aqui. Era mesmo impossível aquele homem.
E por isto de nada valeram os nossos conselhos e nem tão pouco as
profecias dos Sábios Profetas. E, portanto tivemos que fazer este
triste trajeto em respeito ao nosso caprichoso Rei.
Ah, foi horrível...
quando já estávamos no meio do caminho começava a nevar. De um dia
para outro estávamos no mais terrível oceano de gelo. Como fazer?
Os nossos aquecedores ficaram imprestáveis e a caça muito perigosa.
Prefiro não descrever os dias de tortura que passamos aprisionados
em nossas barracas. Augusto escondia o alimento e nos dava ração.
Bastante tempo
demorou aquela tortura. Foi até que uma noite fomos surpreendidos
por uma forte tormenta. Não tivemos tempo para pensar; o vento
soprava arrancando as barracas dos lugares num desastre de dor. Oh!
Santo Deus! Sem que pudesse nos refazer ou procurar atender aos
feridos, famintos animais investiram contra nós. Foi uma verdadeira
luta da vida contra a morte...
Oh! Virgem Santa!
Detrás de uma barrica que havia rolado, fui testemunha ocular
daquele triste cenário. Sim, triste, muito triste. As feras
lançando-se contra aqueles desafortunados ciganos, não nos dando
tempo para qualquer defesa sequer.
Eram lobos, lobos!
Eu os vi! E após todo aquele terror que eu havia registrado. Oh! Meu
Deus! Até agora parece-me ouvir os uivos daqueles animais que
fugiram levando suas vítimas na imensidão daquela trágica noite. É
verdade, estava eu ali, não havia sonhado.
Corri os olhos ao
redor, vi que tudo havia sido destruído e que apenas restavam eu e
Augusto. Tudo, tudo acabado. Dizia a cigana, como se estivesse
vivendo outra vez aquele drama tão triste e até então desconhecido
para mim e ao Conde Rafael, e sem que pudéssemos impedi-la,
continuou:
- Ah, foi
horrível!... E muito rápido, sentia agora uma forte dor na cabeça,
quando um grito rouco de alguém que me chamava: Andaluza,
Andaluza... em seguida quis responder, mas a voz não me saía,
estava petrificada; o único sinal de vida era aquela terrível dor
de cabeça e ali talvez tenha adormecido. Acordei com os gritos de
Augusto novamente, já não me chamava, mais parecia um louco; corri
para perto dele quando tropecei em alguma coisa, abaixei-me para ver,
oh! Meu Deus, eram os restos de Calaça, minha querida protetora.
Quantas vezes as chibatadas que Augusto me lançava ela as enfrentava
por amor a mim... Estava eu ali, com o meu triste destino, tudo, tudo
infelizmente era verdadeiro!
Não sei por quanto
tempo passamos abraçados eu e Augusto, com medo de olharmos ao
redor. Após algum tempo ele balbuciou: Luza, querida, que nos resta
fazer?
Esperarmos a nossa
vez! Respondi pressentindo novas desgraças.
Passamos
desgraçadamente dois dias, dentro do carroção que havia ficado de
pé. Augusto desesperado pagava um preço exorbitante de sua
perversidade. Nada nos restava senão esperar a triste morte. Odiava
Augusto com toda a força do meu coração.
Já não podia
suportar aquela terrível espera, resolvi então matar Augusto e a
mim, depois de livre o meu Espírito, correr, correr até encontrar a
minha querida Calaça. Sim, apalpei o punhal que trazia no seio,
Augusto dormia com pesadelos, gemendo e virando-se de vez em quando
de um lado para o outro. Será agora, pensei... Empunhando com toda
força o meu pequeno punhal. Augusto estava agora calmo, sua camisa
desabotoada exibia no seu peito forte o medalhão; emblema da saudosa
tribo dos Katshimoshy; comecei a fitá-lo, como se os meus olhos
estivessem pregados sobre aquela jóia tradicional dos Katshimoshy, o
que estava acontecendo e o que aconteceria quando soubessem do triste
final de Augusto e o seu povo? – Meu Deus, não ficara ninguém que
possa contar esta triste história, porque eu matarei Augusto,
matar-me-ei logo depois e correrei em busca de minha querida
Calaça...
Augusto parecia que
desafiava-me respirando profundamente. Levantei o braço decidida a
sangra-lo quando ouvi uma voz familiar: - Luza, minha filha, pelo
amor de Deus, como o desespero a fez cruel!... Não tens respeito às
relíquias dos profetas Katshimoshy? Não temes os seus encantos?
Olha minha filha, bem perto daqui habitam pequenos seres selvagens,
que bem poderão ser dominados. Tu és loira e bonita, e eu te
preparei com os encantos dos Katshimoshy, Augusto não precisa, pois
já os tem (olhei em seu peito reluzia o encantado emblema). Disse
afinal: Oh, quem dera não estar delirando!... Calaça continuou: Não
estás delirando, aqui estou em Espírito e Verdade. Não crês nas
manifestações dos Espíritos? Nas revelações dos Profetas? Pois
bem, eu te darei uma prova. Desapareceu após dizer isto. E eu como
se estivesse sonhando, despertei.
Porém, sem o mínimo
desejo de matar aquele que seria em breve o pai de meu filho.
Debrucei sobre o seu
peito e chorei por longo tempo.
Augusto sem nada
desconfiar acordou e começou a acariciar-me. Comecei a perceber,
então eram os fenômenos de Calaça, que haviam me transformado
daquela maneira. Augusto me apertava contra o peito cada vez mais e
eu pela primeira vez admiti sem nenhuma recusa íntima.
Calaça sempre boa a
mostrar-nos bons caminhos, apesar de desencarnada, estava ali,
ajudando-nos a enfrentar tão terrível destino. Grande culpa a de
Augusto.
Depois deste meu
encontro com Calaça, senti uma grande vontade de viver.
Certo dia, Augusto
decidiu sair por aqueles arredores, deixando-me só na barraca.
Ocupei-me dos meus poucos afazeres, quando gritos estranhos me
sobressaltaram, e vi pequenos homens selvagens que se arremessavam
contra a porta de minha infeliz “casa”, senti neste instante uma
força suprema percorrer todo o meu corpo, como se nada temesse
daqueles pequenos seres, abri a porta e na soleira esperei,
desafiando aquela pequena tribo.
Na proporção que
eles vinham chegando eu pensei mil coisas, pensava em Calaça,
pensava também que já era a minha feliz hora; feliz sim, porque eu
a esperava como libertação do meu Espírito. Olhei ao longe e vi
Augusto que talvez atraído pelos gritos vinha correndo em nossa
direção. Mas, os pequenos homens estancaram à minha frente e um
deles ordenou que me pegassem e puxaram-me à frente do pequeno
grupo.
Não reagi, nem
tampouco manifestou-me desejos de lavar algum objeto de minha
barraca, ao contrário, desejava esquecer tudo, esquecer o meu
passado, mesmo que o meu infeliz destino naquele instante estivesse a
gargalhar de mim.
Os pequenos homens
continuavam com os seus gritos, porém, não me assustavam, não me
davam o menor medo sequer e eu olhava Augusto que corria. A sensação
de que ele não nos alcançava dava-me mais paz. Os homens caminhavam
quase correndo. Quando já havíamos percorrido um enorme trecho
fomos tomados por uma terrível tormenta; o vento nos fazia medo.
Desabamentos, vales, tudo queria impedir o nosso caminho, porém os
pequenos homens faziam-me ver que eram peritos naquelas zonas
tempestuosas. Fui então cansando-me da viagem; a minha cabeça
rodava, parei e logo em seguida senti que alguém me carregava.
Quando acordei estava recostada numa pequena cama que mal me cabia e
muitas mulheres ao meu redor, umas pegavam nos meus cabelos, outras
mediam suas mãos com as minhas. Pensei então: devem estar
achando-me muito grande; observei que elas ou eles só eram amáveis
comigo quando eu sorria.
Ofereciam-me peixe,
pois era sua comida mais fácil. Era também visitada por todos da
aldeia, sim, era um povoado com hábitos selvagens.
Oito dias mais ou
menos se passaram, quando na entrada da aldeia os pequenos guerreiros
anunciavam a chegada de um estrangeiro. Fiquei lívida, só podia ser
Augusto, corri para lá e acenei que aquele estrangeiro era meu
marido, os homenzinhos deixaram então que entrasse. Foi fácil para
Augusto sintonizar-se com aqueles homens. Augusto contou toda nossa
história mentindo a seu regalo; mostrou a toda tribo o emblema dos
Reis Katshimoshy, e eles também nos apresentaram seus costumes. E
seu povo, dizendo-nos serem caçadores, Lapões era o nome de sua
tribo. Vivemos ali por dois longos anos mais ou menos. Eles nos
adoravam, inclusive o meu filho Yatan que veio a nascer naquela
longínqua tribo. Oh! Meu Deus. O fenômeno de Calaça, o grande
fenômeno, fez-me feliz depois de tantas desgraças. Partimos dali,
eu, Augusto e meu filho.
Lindas peles
trocamos nos mercados por agasalhos e moedas. Sofremos muito no longo
e penoso tráfego até aqui. Uma noite antes de entrarmos nesta
província, fui surpreendida novamente por Calaça, sonhei que ela me
dizia: - Luza, chegarás amanhã na província de um Conde viúvo que
te desposará com as leis da Côrte, amanhã aos primeiros raios do
sol anunciarão a primavera para o começo de tua liberdade. Cante
exibindo a tua graça. Adeus, minha Luza querida. Mesmo em sonho quis
puxar a sua saia para impedir que fosse; qual nada, desapareceu
diante dos meus olhos. Chorei descompassadamente e logo que o dia
amanheceu contei a Augusto o meu triste sonho, sim, e qual não foi a
minha surpresa, Augusto sorriu dizendo: - Veja só, se isto fosse
verdadeiro eu não sei como agradeceria àquela víbora daquela
Calaça, a livrar-me de você, seria um prêmio e eu não o mereço,
por Deus. Oh, gritei, chega! Calaça não é víbora, minha querida
Calaça, vítima de tua ignorante teimosia. Augusto dava gargalhadas
que me davam medo. Foi então que nos demos conta da profecia de
Calaça.
E depois de contar
toda sua história, a bela cigana deu um salto espreguiçando seu
esbelto corpo, balançou sua linda cabeça loira e disse: É tudo o
que fui e que sou.
Rafael levantou-se e
segurando-a pela cintura, beijou-lhe a testa. Depois chamou um criado
ordenando-lhe que trouxesse o Brasão e chegando eu o vi colocar aos
pés de sua esposa cigana e qual não foi a nossa surpresa; a cigana
segurou aquele rico estojo e depois com os olhos rasos d’água
devolveu ao Conde, seu esposo, dizendo que a uma cigana não eram
permitidos luxos daquela natureza. Se ela aceitasse estava violando
as tradições daquela nobreza. Colheste-me do lodo, amo-te em
agradecimento, deste-me a paz e por isto não pretendo enlodar o que
de puro encontro nesta nobreza, viverei como uma cigana, respeitando
as normas dos Katshimoshy, do contrário Calaça não me trará as
bênçãos de Deus, e disse mais: Calaça sabe tudo...
Rafael sorriu,
gostando da humildade da cigana, porém eu observei muito o menino
com os olhos no estojo, que bem se podia ler seus pensamentos.
Depois destes
esclarecimentos parecíamos viver melhor, mesmo notando a aproximação
dos ciganos nas imediações do Castelo, lembro-me também de haver
tirado o menino muitas vezes do quarto, onde era guardado o Brasão.
Andaluza já estava
calma e até parecia feliz. Se tudo ocorresse normalmente, dentro de
três meses daria a luz a uma criança. Rafael muito feliz esperava a
chegada do filho que seria seu primogênito. Porém o nosso infeliz
destino já estava ligado à inditosa cigana. O tempo corria e o
menino cada vez mais ficava pior, mal educado e por muitas vezes
desaparecia sem que ninguém desse notícias, depois chegava contando
coisas que não acreditávamos.
Certa manhã
passamos um grande susto, foi encontrado um cigano no pátio do
Castelo, um jovem cigano agonizante, os criados correram de um lado
para outro procurando socorre-lo, quando um grito agudo nos fez
virar, era Andaluza que nos dava prova de seu imortal apego aos seus
antecedentes.
É verdade, a bela
cigana curvou-se com carinho e procurava reanimar aquele corpo quase
sem vida, enquanto, ao mesmo tempo, dizia: Oh, meu pobre irmão
Nardo, Nardo, como chegastes até aqui? O que foi feito do nosso
querido povo? Ao balbuciar o pobre rapaz disse: Venho falar contigo,
venho de Braz... Braz o nosso Rei, pede para você dar uma chegadinha
até lá, porque maus agouros pairam sobre tua cabeça, não tarde
Luza. A cigana meio confusa pediu que os criados saíssem dali e
quando fui retirar-me ela me deteve dizendo que eu era a sua segunda
pessoa. Cuidamos do cigano fazendo com que ele logo se
restabelecesse. E foi com grande surpresa e desespero que os vi
contratando o momento daquela trágica fuga.
Oh! Meu Deus! Como
sofri quando a cigana com os seus olhos tristes me disse: Antera
querida, tenho que partir para ouvir os conselhos dos Profetas e suas
santas ordens, serei amaldiçoada se não for eu mesma ao grande
batismo, vede querida, não tenho a proteção dos Katshimoshy. E
mostrando o grande escudo no peito do jovem cigano, repetia: Eu não
tenho como não terei também a proteção de Calaça e do meu Rei.
Não, não! Tive
forças para lhe dizer: Minha senhora querida, esta jóia é a
superstição dos zíngaros, já não lhe fica bem usa-la; por
conseguinte sei que és bastante prudente para não fazer semelhante
viagem, deixando o seu apaixonado esposo; que tanto sacrificou à
sociedade de seu condado. E em que posição a senhora me deixará
com meu pobre patrão. Antera, disse-me ela, jamais praticarei atos
que possam vir a desabonar este condado, como também não deixarei
em hipótese alguma de atender ao chamado de meu Rei. Se Rafael me
ama compreenderá a minha tradicional alma cigana e tu Antera,
(completou) darás as desculpas que te convier.
E com a rapidez de
um sonho, dirigiu-se para a estrebaria com o jovem cigano e em
seguida partiram dali.
Fiquei ali parada,
não sei por quanto tempo pensando como ia se portar o meu pobre
patrão. Sim, foi tudo muito rápido. E qual não foi minha surpresa,
pois logo que me refiz, fui dar a triste notícia ao Conde, meu
patrão, e ele com um sorriso triste me disse:
- Querida Antera,
esta tua notícia não me surpreende, estamos em um mundo de
provações para uma evolução, devemos dar graças a Deus por Ele
nos corrigir sempre que erramos, e eu sinto que fui corrigido, não
respeitando as normas dos ciganos, a fiz minha esposa, e sei que
naturalmente lhe foi doloroso desrespeitar as leis de sua crença
cigana, pois afinal de contas foram celebradas suas bodas com
Augusto, entre os encantos de suas Pitonisas e de fanáticos rituais.
No entanto a pobrezinha não se rebelou e, muito ao contrário, vem
nos cativando com sua Humildade e Amor.
E fazendo mais esta
observação, o Conde Rafael continuou: Vede Antera! Nem mesmo o
Brasão ela desejou toca-lo. Senti um calafrio percorrendo meu corpo,
o Brasão.
Onde
estará? Eu não o tenho visto no respectivo lugar... meu Deus! O
Conde notando minha palidez disse:
Antera,
o que tens? Escondes de mim alguma coisa a mais?
Não,
lhe disse. É que estou cansada, devo descansar um pouco, se me
permite.
Vai
minha boa Antera, seria egoísmo meu segura-la agora. E dizendo mais,
arrematou: Além do mais e como já disse, não mereço ser consolado
se estou a pagar um delito que provoquei, talvez sem raciocinar.
Passaram-se mais ou
menos quinze dias que a cigana havia partido. Tudo era tristeza,
repartia bem o meu tempo disponível procurando distrair meu pobre
patrão, que sem reclamar sofria sua grande dor. Todas as tentativas
que fazíamos nas pegadas dos ciganos foram totalmente perdidas;
ninguém dava notícias, ninguém sabia seu paradeiro. Cada dia mais
tristes ficávamos, já sem esperanças.
Da sacada do Castelo
onde estávamos, avistei o pequeno Yatan, que montado a galope de um
fogoso cavalo vinha em nossa direção. O Conde Rafael levantou-se e
juntos precipitamos, prevendo a grande desgraça que os nossos olhos
presenciaram: após segundos, sem nos dar tempo de nada, o cavalo
perdera o equilíbrio jogando o pequeno ao solo. Desacordado, com uma
fratura na cabeça, perdendo uma quantidade incalculável de sangue.
Peguei sem perca de
tempo o pequeno nos braços e pedi que providenciassem um médico.
Fazia compaixão o estado de abatimento do Conde, não se retirava da
cabeceira do pequeno enfermo.
Após mais ou menos
três dias, o menino começou a falar chamando pela sua mamãe, às
vezes com palavras desconexas, nos preocupava cada vez mais com o seu
estado de saúde. E por mais que procurássemos agrada-lo, mais
parecia odiar-nos.
Já bem tarde da
noite deixei o quarto do enfermo para descansar, e passando no quarto
da minha fugitiva patroa, escutei um gemido e qual não foi o meu
pavor; fiquei petrificada alguns segundos e como cada vez mais iam
aumentando, voltei correndo para junto do meu patrão, explicando o
que ouvira. Alarmado com isso, disse não ter coragem de ir até lá
sozinho. Mandou chamar Kazú, uma jovem servidora, dizendo que
permanecesse no quarto junto ao pequeno enfermo, sem descuidar um só
minuto sua vigilância.
Kazú era uma
criatura temperamental que vivia a salientar-se por todos os cantos
do Castelo, muito preguiçosa, porém, apesar de suas características
indesejadas, não havíamos identificado o roubo.
Saindo para vermos
os gemidos, qual não foi o nosso espanto. Encontramos a cigana em
estado cataléptico de um lado e uma linda criança recém-nascida do
outro. Não tivemos tempo a perder e esquecendo de tudo
providenciamos médico e em seguida uma ama para a pequena prematura.
O dia havia
amanhecido quando deixei o meu patrão recebendo algumas explicações
da cigana, que com palavras firmes vivia o seu enredo.
- Querido Rafael,
somos descendentes dos nômades, e sob o poder do Espírito Imortal
dos Katshimoshy, juramos nas fogueiras colocar as nossas oferendas,
por conseguinte, qualquer que tenha coincidentemente incorporado
neste Ritual Cabalístico. Este juramento é considerado o elo de uma
Corrente Salvadora, Poderosa e Imortal. Compreenda Rafael, eu sou um
elo desta Corrente, jamais te farei infeliz; amo-te e não desejo
viver longe deste Castelo, cumpri a minha penosa missão. Perdoa-me,
por piedade. A minha pobre mãezinha desejava me ver.
Por quê não me
pediu para que eu a levasse? Disse o Conde.
Ah! Continuou a
cigana. Para não te deixar em dificuldades. O povo de Braz estava
prestes a vir arrancar-me daqui. Não sabeis a intriga que fez
Augusto, procurando com isto desculpar-se da grande desgraça da sua
culpa, foi por isto que tive de correr para impedir outra armadilha
do infeliz Augusto.
- Ah! Se soubesses
como te amo e como me foi doloroso este meu comportamento. Encontrei
a minha pobre mãe muito mal. Etelvina, a Profetisa oficial da tribo,
profetizou os mais terríveis acontecimentos e tudo sobre mim.
Disse que tu meu
querido Rafael, com toda tua indulgência para comigo, chegará o dia
de acusar-me da mais vil calúnia e como ladra. Atirar-me-ia nas ruas
exigindo que eu volte à tribo onde eu morrerei de saudades tuas. E
logo após tudo isto, desatou em soluços de quem realmente está
amargurada por uma louca e desabalada desilusão.
Oh! Minha querida,
como pude duvidar de ti? Como se atreve esta Profetisa e que mal a
fiz para ver-me tão vil, tão avarento a ponto de caluniar-te como
ladra do teu próprio tesouro? Sim minha querida, és minha
verdadeira herdeira de tudo quanto possuo. (Depois sorrindo para a
recém-nascida) Agora será repartido com minha segunda sócia, não
é mesmo querida? Não pense mais nessas tolices!
Oh! Disse a cigana,
se me fosse possível esquecer que nada sinto, que os nossos
Espíritos Imortais comprometeram-se no passado e, um grande débito
eu terei que pagar-te antes de fugir daqui novamente, para novos
mundos.
- Feito, e eu
cobrar-te-ei em dobro, como tu, sinto que me deves um profundo amor e
exijo ser pago! Quanto a tua partida, aconselho levar-me contigo
pelas tuas concepções ou formações religiosas. Vejo que tens mais
facilidades com estes transportes. Sempre gracejando, o Conde
arrematou: Nunca vi tanta coragem, quando estiveres melhor, desejo
que me ensines esta doce filosofia.
- Se Olga, minha
usurária irmã souber de tais profecias, irá imediatamente aos pés
daquela cigana profetisa.
- Oh! (gritou a
cigana, chegando a assustar o Conde) Olga? Olga? Etelvina falou-me de
Olga.
Sim! (respondeu
ainda o Conde) Olga, minha irmã! Pois minha mãe encontrou-a à
beira de um lago, era filha de um zelador da pequena mansão cujos
donos morreram, uma fatalidade do seu destino, foi quando meu
irmãozinho Hidelbrando foi salvo por ela naquele lago. Minha mãe a
fez nossa irmã. Olga que sempre fora insatisfeita, apaixonou-se por
mim a ponto de julgarmos que a morte da mamãe foi provocada por este
grande desgosto. Olga fez todos sofrerem quando comprometi-me com
Matusca, que morreu há dois anos, deixando-me viúvo e nem sequer um
filho para que eu tivesse recordação do nosso casamento.
Dizem as pessoas
supersticiosas que Olga se influenciava com feiticeiros e pitonisas
para destruir a mim e Matusca. Não acredito que os feiticeiros
tivessem tanta influência nos destinos ou desígnios de Deus. Vê,
minha querida, se assim eu acreditasse em tamanho desafio, mandaria
juntar todos os feiticeiros e pitonisas em uma tenda, fazendo o mais
poderoso mecanismo e depois ordenaria aos mesmos fazer com que o
coração da minha linda esposa cigana fosse puro de qualquer
superstição. A respeito principalmente do Espírito Imortal. Disse
ela: Vejo meu marido, que te falta compreensão dos fatos que vêm
ocorrendo dia a dia, porém já me pedistes aulas de filosofia, não
tardarei em dar o diploma ao meu Conde marido. Espero que não seja
diploma de feiticeiro. Sim, também tenho tarimba (acrescentou, rindo
os dois).
Vendo a compreensão
daqueles dois, dei graças a Deus e fui dormir um pouco.
Apesar de preocupada
com o pequeno Yatan, ao passar dos dias tudo percorreu na graça de
Deus, até que chegou o dia da festa de São Petersburgo.
Começaram os
grandes preparativos, o Imperador mandou que abrisse os portões para
os estrangeiros e nômades, enfim, só se ouvia o tinir de guizos e
passos de animais, nas ruas fogueiras enormes, danças e algazarras.
Para mim e meu
patrão Rafael não havia alegria, ao contrário, nos sentíamos em
perigo porque os ciganos com seus enormes cavalos enfeitados de fita
pareciam desafiar até mesmo a própria natureza. E para o nosso
maior receio, os ciganos que mais realçavam eram da tribo de
Andaluza, pois em seus cavalos fogosos, mais pareciam príncipes
encantados das antigas lendas.
Foi até que o nosso
mau presságio confirmou-se.
Estávamos tomando
chá, mais ou menos às duas horas da tarde, quando Kazú veio
anunciar a chegada de duas formosas ciganas, que depois vim a saber
serem Etelvina e Zaida. Etelvina a Profetisa da Tribo dos
Katshimoshy, verdadeiramente simpática.
Andaluza mandou que
entrassem e sem nenhum embaraço, apresentou-nos o Conde Rafael e eu.
Fizemos tudo para nos tornarmos os melhores hospitaleiros. Zaida
sempre abraçada a Andaluza, disse que naquela noite iria cantar para
o Imperador no pátio do Grande Palácio e assim dizendo, saiu
cantando e dançando com todos os encantos dos seus dezoito anos.
Andaluza que não resistiu a tentação daquela dança, acompanhou-a
e no amplo salão formaram a mais linda dupla.
Rafael ficou tão
emocionado que franqueou o Castelo não só àquelas ciganas, como
também a outros que estivessem com elas.
Tudo correu bem, até
que à noite voltassem da grande festa. Só eu havia ficado tomando
conta das crianças, pois entretida com a pequena herdeira não
reparei que o pequeno Yatan havia desaparecido.
Chamamos a criadagem
e um jovem por nome Tucem nos disse que havia visto o pequeno Yatan,
em companhia de Kazú, que seduzida por um jovem zíngaro, haviam
dito que só voltariam no outro dia, pois pretendiam passar a noite
com o seu amor cigano.
O Conde Rafael, que
estava ainda cheio de euforia da magnífica noitada com as ciganas na
casa do Imperador, pouca importância deu ao desaparecimento do
menino. E logo depois reunindo no salão as convidadas, pediu-me que
fosse até o cofre e trouxesse o Brasão, pois desejava mostrar às
ciganas a rica jóia que sua querida esposa havia rejeitado.
Oh! Meu Deus! Que
horror, lembro-me como se fosse hoje, quando abri o cofre o maldito
Brasão não estava.
Foi um verdadeiro
alarme, os criados garantiram não ter entrado ninguém no Castelo, e
todos insinuavam ser Kazú, pois a viram fugir com embrulhos grandes
nos braços.
O Conde Rafael
terrivelmente agitado gritava, dando ordens que trouxessem Kazú de
qualquer forma ao Castelo.
A pobre Andaluza
abatida, pobrezinha, levantava-se algumas vezes e falava ao seu
esposo palavras de conformação. Os Cavaleiros vinham e voltavam sem
qualquer notícia da servidora Kazú.
Com muito carinho,
Andaluza conseguiu que o seu esposo se recolhesse aos seus aposentos.
O dia já amanhecia, as três ciganas pareciam mais tristes, como se
previssem a total desgraça profetizada para nós.
Etelvina, vê onde
se encontra esta rica jóia, disse Zaida. Etelvina sacudiu todo seu
corpo, proferiu coisas desconexas para mim, depois, depois como se
passasse por um processo habitual, começou a dizer:
- Luza querida, as
forças estão afastando-se de ti. Yatan, o teu filho, neste instante
coloca sobre Augusto esta jóia que é o Brasão, instrumento de
terríveis desgraças.
- Meu filho! Meu
filhinho, de apenas cinco anos de idade?...
- Sim, continuou a
Profetisa. Ele, Augusto, vem sempre ensinando o filho para este
nefasto roubo. A cigana continuava suas tristes revelações enquanto
nós outras gemíamos de dor. Depois com o dedo indicador apontando
para mim, disse: Querida Antera, eu sou Calaça, sou o Espírito que
perdeu o seu corpo pelos lobos famintos. Amo-te Antera, por ver-te
tão dedicada à minha desventurada Luza, não me temas, porque
dentro de pouco estarás comigo. A desventura paira sobre este
Castelo, a Justiça e o Poder de Deus terá muito em breve sua força
para a evolução e melhor libertar o Espírito de Luza. Luza, antiga
Czarina, terá que carregar a Cruz Simbólica do Cristo, para
safar-se do egoísmo, poder este do sanguinário Império Romano...
Adeus... Não me queiram mal... Voltarei muito em breve. Depois como
se estivesse cumprindo uma séria missão tomou então sua posição
antiga.
Corri para a copa e
trouxe alguma coisa quente, que não me lembro mais. Os criados
haviam espalhado por toda parte a notícia do desaparecimento do
Brasão.
A Condessa Olga logo
que soube de tal notícia veio correndo ao Castelo. A sua visita
indesejada nos fazia mal, principalmente no estado de angústia que
nos encontrávamos. As duas ciganas solidárias a Andaluza, não
quiseram mais saber das festas e nem tampouco afastaram-se do
Castelo.
A Condessa Olga,
depois dos cumprimentos habituais, chamou Rafael para um canto da
sala e começou a falar:
- Oh meu querido
mano... Lastimo ver-te em tão incorrigível situação, de se casar
com uma nômade está certo... Enfim, é o teu impensado amor. Mas,
ter em casa toda tribo... Ah!... Jamais aceitaria, isto é indigno de
ti... Este povo está te hipnotizando, não é possível! E assim
dizia enxugando as lágrimas, como se realmente estivesse
desesperada, e eu que bem conhecia a Condessa arremessei-me para ela
e disse:
- Cara Condessa, não
admito por hipótese nenhuma que a senhora saia do seu Castelo para
vir aqui nos perturbar, o Brasão não te pertence mais e nem
tampouco ao Conde Rafael. Ele casou-se com Andaluza e neste Castelo
quem manda é ela, o Brasão pertence a ela por tradição e para que
ele nunca fosse parar nas tuas mãos imundas, criminosas, eu roubei e
mandei levar para a Tribo dos Katshimoshy. (E como se eu conhecesse
os processos de Etelvina, continuava) Criminosa, mataste a duas
santas criaturas. Mataste com aquela erva daninha a pobre e indefesa
Matusca, e com a mesma assassinaste também a Baronesa Yuca Santa,
que te deu o Condado e te livrou da fome e da desgraça e, por último
com medo do teu cúmplice mandaste surrar e expulsar da cidade, porém
Deus não esconde por muito tempo as nossas perversidades. Sei onde,
todo aleijado, resiste ainda o infeliz Yochim, arrependido dos seus
crimes trabalha hoje pela sobrevivência. No entanto a senhora
armou-se de suas forças satânicas, e veio para destruir a nossa
Cigana Condessa. Não! Esta a senhora não destruirá!
Aquela criança que
ali está é a herdeira do Conde Rafael, tua vítima. Aquela criança
é a luz que ilumina este Castelo. Somos todos felizes, não
precisamos da senhora e tampouco dos seus conselhos. E assim
completei e quando dei conta de tudo, vi que todos estavam tão
surpresos que não tinham pernas para saírem dos seus lugares.
- Antera, disse o
Conde Rafael, Antera, como se atreve a tanto; testemunhas o que
acabas de dizer?...
- Sim, meu patrão,
perdoe-me... Não lhe disse há mais tempo pois quando fiquei
sabendo, esta infeliz já havia matado minhas patroinhas queridas.
- Meu Deus! Não
sabes que o Brazão pertence à Andaluza, como se explica terrível
injustiça? Kazú está amarrada na praça de diversões para ser
executada à noite, para pagar o crime que não cometeu.
Andaluza resmungou
em pranto: Meu Deus, a maldição dos Espíritos ronda este Castelo!
- Etelvina,
Etelvina, que farei para reparar tudo isto? Enlouquecerei se não
tiveres piedade de mim... Não minha querida Andaluza, nada tens a
temer... Disse o Conde procurando acalmar sua esposa. Rafael! Se
souberes a verdade de tudo isto, odiar-me-ia, é tudo tão
monstruoso.
- Como?... (gritou
por fim Rafael sem entender) Como?... Por todos os diabos, estarás
aliada com Antera, tramando infelicidades... Esqueces que tu e Antera
são as únicas criaturas que amo! Oh! Minha Andaluza querida, vamos
juntos perdoar o nefando erro de Antera, pelo amor do Grande Deus se
isente deste roubo, não é digno de uma Condessa (até esse momento
o Conde Rafael nada sabia sobre a atitude de Yatan).
Andaluza foi ao
encontro de Antera e disse em soluços:
- Oh minha boa
Antera, por piedade tenhas pena de mim, porque condenastes a ti
mesma?
Fiz pelo meu
patrãozinho, sei que se saíres deste Castelo ele morrerá e também
eu. Odeio a Condessa Olga! Tudo era tão confuso que ninguém
entendia nada a não ser eu e Etelvina com a sua Clarividência.
A Condessa Olga
espraguejando deixou o Castelo.
Os ciganos também
se foram. Agora restava-nos os três oprimidos pelo terrível
acontecimento; o menino não apareceu. Agora tudo era tristeza, Kazú
fora queimada como ladra, comecei então a sentir certas
anormalidades, pensei queixar-me para ser vista por um médico, mas
qual nada, os meus sintomas anormais tomavam-me com mais freqüência,
a ponto de eu não mais poder falar. Uma espessa nebulosa tomava
totalmente minha visão e em continuidade percebi uma sensação de
leveza, ouvia como um sussurro palavras desconexas, como sendo: Oh!
Pobre Antera, está morta! Ouvi também a voz querida do meu patrão:
Morreu, minha Antera, a querida criatura que tanto me compreendia.
Até que fui levada
dali pelas forças magnéticas do astral. Após submetida aos
processos espirituais que não sei por quanto tempo, voltei a minha
visual atual; sentia agora uma louca e inexplicável saudade da vida
cotidiana da Terra.
Germano, o meu
luminoso Mentor, explicava minha futura missão na Terra, porém o
meu Espírito incompreendido e culpado não quis esperar pela
benevolência das Leis, e com a facilidade do meu livre arbítrio,
desprezei as cadeias benditas e voltei ao atraso nos carreiros
terrenos.
Era uma bela
madrugada quando o meu Mentor trouxe-me novamente à Terra. Antera!
Disse-me: Voltarás aos labores terrenos, terás oportunidade
novamente junto aos seus familiares. Cuidado com o teu Padrão
Vibratório e com os teus julgamentos.
O sol começava a
aparecer aos primeiros raios, quando avistei os portões do Castelo.
E com tristeza foi que descobri a fraqueza de meu Espírito, reparei
que não estava preparada, pois voltavam todos os instintos de
vingar-me da Condessa Olga. E por mais que eu lutasse contra os maus
impulsos, nada conseguia senão aumenta-los.
Germano, o meu bom
guia, deixou-me à mercê de minha consciência. Estava ali o
suntuoso Castelo do meu querido patrão. Tive então a mais triste
surpresa: O Conde havia morrido, a cigana sua esposa estava
desaparecida, e agora a Condessa Olga era a dona de tudo. Sim, até
que Hildebrando chegasse de outros países, onde vivia levando sua
vida boêmia, pois sendo o único irmão do Conde Rafael, seria ele o
dono de tudo.
Estava eu agora
naquele casarão sem nada o que fazer, apenas me acrisolando na aura
da Condessa Olga... Quando já estava me preparando para deixar o
Castelo, senti que as coisas estavam mudando de sintonia, voltei
então e comecei a sentir a presença da cigana e me desesperei,
comecei a invocar o meu Mentor, mas ele não aparecia.
Compreendi que o meu
ódio pela Condessa Olga só fizera me embrutecer. Foi então que eu
vi Andaluza caminhando sem destino. Chamei-a e ela ouviu, e que
satisfação! Andaluza disse tristonha:
Querida Antera, não
sabes a desgraça que nos causou o infeliz Brasão, tu minha boa
Antera, morreu deixando-me no mais terrível desespero, sabias que
Yatan meu filho havia roubado-º Morreu a infeliz Kazú e ele, Yatan,
desapareceu. Foi então que desesperada corri para o meu bando a ver
o que me dizia os Profetas de Braz, então Rafael sabendo disso saiu
desesperado com os seus guardas e lá me encontraram. Mas, eu não
quis mais voltar, a vergonha era demais; na verdade eu queria viver
ao lado do meu esposo, mas, era mãe de um ladrão que podia ser
sacrificado na fogueira. Oh Antera, foi horrível! Rafael saiu
desesperado dali, sem me dar tempo de explicar. Depois ficamos
sabendo que ele morrera, mas não foi encontrado o corpo dele.
- E tu? Perguntei.
Ela baixou os olhos e depois continuou: Fiquei vivendo com os meus,
temendo sempre Augusto, não dançava e não cantava. Certo dia
estava à margem do rio onde Rafael foi visto pela última vez,
quando um braço forte me puxou, me dando uma forte pancada na cabeça
e trouxeram-me até aqui, onde estou prisioneira. Disse-me a Condessa
Olga que o meu povo me considera morta segundo as minhas vestes
encontradas... tudo foi tão bem feito!
-
E as tuas Profetisas, por que não contam?
-
Sim! Elas já disseram que eu vivo, mas não sabem onde. E eu estou
ali, naquele armário.
- Oh! Gritei,
compreendo, o teu corpo dorme, meu Deus! O que poderei fazer por ti?
Minha querida Luza. Enquanto me lamentava ouvi uma forte pancada, era
Gregória, a Governanta, que esmurrava o armário para acordar Luza a
cigana, que também em um segundo desapareceu.
E quando a porta
abriu-se, foi terrível, aquele corpo esbelto agora era o símbolo da
dor, pálida e amedrontada.
E no auge do meu
desespero, veio então Germano, que logo foi me explicar: Antera, se
desejas fazer alguma coisa pela tua cigana, afasta-te dela. Estes
ciganos estão em prova para a nova evolução. Vieram do Império
dos Césares de Roma. E depois acrescentou: Também tu e todos os
descendentes deste Castelo... Porque fugistes dos ensinamentos?
Porque não te interessavas em aprender as Leis? Nada nos foi
possível fazer pela sua teimosia. Agora estás destinada a passar o
que der e vier; é verdade que terias de voltar e cumprir o teu
carma, porém nunca assim.
Salve Deus! Que
esses ensinamentos sejam promissores! Com carinho,
A Mãe em Cristo.
O Amanhecer das
Princesas
Na Cachoeira do
Jaguar
Capítulo
I
Salve Deus!
Meu filho Jaguar:
De todos os males, o
mais triste que deixamos em nossas passagens é a cicatriz de nosso
mau comportamento. Quando estamos na Terra vivemos seguros no
orgulho, principalmente no egoísmo.
Muitas vezes
sentimos necessidade de chorar, de sorrir, de amar; ou melhor,
pensamos em ser amados, mas nunca desejamos amar incondicionalmente
para melhor atrairmos ao nosso favor... Não! Pelo contrário,
exigimos de alguém o que nos convém, sem querermos oferecer nada em
troca.
Salve Deus meu
filho! Vamos sentir a vida das Princesas e melhorar o nosso
comportamento a respeito do Amor.
Sim, as crioulas
Princesas em 1700 no Brasil Colônia, anunciavam o seu tempo de
evolução nas senzalas, a dor no destino cármico de um povo em
desenvolvimento.
Então, tudo começou
a vibrar quando os dois Grandes Missionários, Pai Zé Pedro e Pai
João, resolveram agir no campo vibracional de nossa missão, com
este imenso Amor ouvindo e sentindo o céu, nos poderes de Vô
Agripino, que emitia aos mesmos toda a Luz do Santo Evangelho.
Aos 14 anos Pai Zé
Pedro e Pai João, que regulavam em idade, vieram no mais triste
quadro em um navio negreiro para o Brasil. Eram duas personalidades
com idéias transcendentais traçadas do céu...
Então estes dois
Espíritos levaram em frente a sua obra; se prepararam nos Planos
Espirituais e vieram para a Terra cumprir a sua missão, que seria em
nossa última orientação a nova estrada do Jaguar na Linha do
Amanhecer.
Vendidos por navios
negreiros no Brasil, por Deus se encontraram pela força do seu
compromisso no sul da Bahia, onde a forte e verdadeira mensagem os
impulsionava. Então, juntos desenvolveram as suas Faculdades
Mediúnicas. O Senhor de Pai Zé Pedro era um homem muito bondoso,
que ouvia o Grande Africano e amava as suas palavras, chegando a se
converter e comprou também Pai João, deixando-os fazer na senzala o
que lhes aprouvesse.
E tudo começou
assim:
- Eram seis fazendas
reunidas, onde Jurema e Juremá as gêmeas, eram muito queridas por
toda aquela redondeza. Sua graça e beleza demonstravam “Herança
Transcendental” de Altezas. “SIM, O HOMEM NÃO SE PERDE, SE
REENCONTRA”. Então, a grandeza dos Missionários se fazia projetar
por toda aquela região. Toda redondeza se juntava ali em busca da
caridade. Ninguém entendia porque naquela Era tão crua de senhores
tão arrogantes, pudessem eles admitir tanta liberdade. Pai João
pregava a Doutrina do Amor, aliviando o chicote dos senhores. Pai Zé
Pedro tocava os tambores para alertar o seu povo em outras fazendas
vizinhas de Iracema, Jandaia, Janara e Iramar, contando também com
Janaína, pequena Sinhazinha que muito amava os Nagôs, segundo se
falava naquela Era. Eram jovens com apenas 18 anos, que sofriam as
incompreensões de suas Sinhazinhas, as perseguições e seduções
dos seus sinhozinhos. Era uma desdita naquele tempo o que sofriam
essas Escravas Missionárias, porém, na senzala de Pai Zé Pedro
tudo ia muito bem, vinha gente de longe e as curas se realizavam com
tanto Amor, a ponto de se propagar o Africanismo com a sua presença.
Era o dia de Jurema
e Juremá, a Lua surgia no céu prateada, os tambores ressoavam.
Jurema em pé na soleira da sua Senzala vibrava cheia de Amor,
esperando Juremá e sua mãe. De repente um crioulo que também fazia
parte do Corpo Mediúnico, disse tremendo de dor: - Oh Jurema tua mãe
não irá conosco. Amamentou a filha da Sinhazinha com febre e a
febre passou para a nenezinha. – Cadê mamãe? – Tua mãe Jurema,
está no tronco. – Oh! Coitadinha. Oh! Meu Deus! Gritou Jurema e
segurando no portal da Senzala sentiu o seu Espírito se transportar
seguindo até as ruínas de Pompéia. Jurema em sua visão se sentiu
uma rica Princesa entre sedas e jóias. A sua irmã e também todos
aqueles crioulos da Senzala, a negra que hoje era sua mãe,
ridicularizavam uma jovem escrava, hoje a Sinhazinha da Senzala.
Jurema compadecida da jovem que até então era uma visão, se
esqueceu da tragédia que na realidade estava acontecendo. Não! Ela
não via a sua mãe no tronco que era a realidade. Via somente a
jovem escrava arrastada e ridicularizada, onde todos vaiavam chegando
mesmo a machuca-la, e em meio desta alucinação começou a gritar: -
Juremá, volte minha mãe! Saiu então decidida para o Congá.
Chegando contou tudo o que se passava a Pai João e ele lhe explicou:
- Filha não chore,
não se desespere! Eu, você, sua mãe e todos os seus irmãos
vivíamos na mais rica vida em Pompéia. Eu era Procurador, Zé Pedro
era Imperador e todo esse povão estava lá. Só Deus sabe minha
Jurema os desatinos, as tragédias que provocamos naquele Império.
Fizemos a mais terrível escravidão. Hoje filha querida, Deus nos
deu esta oportunidade de pagar todo este mal. Esta pequena Sinhazinha
é o Espírito da jovem escrava de Pompéia.
- Então Pai João,
como tudo terminou? Pai João colocando a mão em sua cabeça disse:
- Dorme filha, dorme
Jurema. Deitada com a cabeça no colo de Pai João, adormeceu dizendo
baixinho: - Oh meu Fidalgo Centurião, como pode me abandonar neste
caminho tão espinhoso! Onde vives que eu não posso te alcançar?
Sim meu Fidalgo, continue acariciando os meus cabelos que ficaram tão
longos... Nisto um grito e ela se levantou decidida – Não voltarei
para minha Senzala, vou-me embora daqui! Com muito custo Jurema
conseguiu se acalmar. Os tambores recomeçaram, mas Jurema pensativa
não saiu do seu lugar. Pai Zé Pedro iniciou os Trabalhos e veio se
sentar perto dela e de Pai João. Jurema segurou em suas pernas,
depois apoiou novamente sua cabeça na perna de Pai João que ali não
sentia com coragem de se levantar. – Jurema minha filha (disse Pai
Zé Pedro) – Choras pela tua mãe? – Não Pai, choro porque vi e
perdi o meu amor AGRIPA, o meu amor. Eu o vi acariciar meus cabelos e
passando a mão na cabeça meio sem graça disse: - Oh! Paizinho
Nagô, é tudo tão diferente... – Sim filha, se acalme! Eu vou lhe
mostrar onde e como se encontraram. – Não Pai, não quero! Se ele
for aquele crioulo feio do Japuacy, não quero! – Ele não está
aqui como vocês estão, todos nós estamos, e ele não pode, não
admito que seja feio como nós. Os dois deram uma risada. Meio
preocupado disse então Pai João:
- Veja no que dá a
Clarividência de uma pobre jovem. Ela voltou a dormir. Pai Zé Pedro
e Pai João vibravam preocupados. O que fazer? Leva-la para a
Cachoeira do Jaguar? Deus Todo Poderoso, só Ele poderá traçar este
destino... E ali ficaram esperando a jovem despertar, para decidir o
seu destino que tanto se agravara.
Sim meu filho
Jaguar, na próxima semana Jurema já estará despertada, então
saberemos do destino feliz desta tribo e com cuidado, vamos nos
encontrar como personagens desta história, que até então é um
pequeno roteiro.
A Mãe em Cristo,
Tia Neiva.
Vale do Amanhecer,
08 de dezembro de 1979.
Capítulo
II
Salve Deus!
Meu filho Jaguar:
Deus de fato, toma
cedo ou tarde o partido dos que se dizem inocentes. Porque o
Cristianismo surgiu por canais piedosos numa Era difícil. A Alma e o
Perispírito são sempre os mesmos e por esta força, se opera pelo
compromisso ao Etéreo e se desenvolvem na vontade de Deus.
Sim, Jurema dormia.
Os escravos não sabiam sair da Senzala e o dia começava a raiar.
Pai Zé Pedro pediu a Pai João que a deixasse sob seus cuidados, que
ele determinaria outros para zelar da pequena Jurema. Pai João era
escravo recente naquela Senzala.
O Feitor chegando
inesperadamente à soleira gritou e todos tomaram um rumo, exceto Pai
Zé Pedro que era protegido do Sinhozinho. – Quem é essa crioula
Zé Pedro? – É Jurema, que desde ontem não quer se levantar. Está
sofrendo pela mãe que está no tronco. – O quê? (exclamou o
Feitor) – Quem já viu uma crioula com um mimo destes? Mimo é para
Sinhazinha. Vou levanta-la agora mesmo com este chicote. E marchando
para a cama de Jurema, fez menção de levantar o chicote quando se
ouviu o grito de Pai Zé Pedro:
- Se arremessar eu o
mato! E o seu grito foi tão grande que se fez ouvir em toda
redondeza, enfurecendo ainda mais o Feitor que arremessava o chicote
de qualquer jeito, blasfemando horrores e ameaçando contar ao
Sinhozinho de Jurema.
- Não! (gritou Pai
Zé Pedro) – Não fará! Os Ferreiras são muito malvados, não
fará! Ouviram a risada sarcástica do Feitor. Então não se sabe
como, centenas de negros apareceram intimidando o Feitor apenas com
suas presenças; Nagôs que já tinham ganho sua alforria pela
velhice e pela doença. O Feitor que agia escondido do Sinhozinho
saiu dali calado e foi avisar sobre Jurema. Foi um reboliço. O
Senhor de Pai Zé Pedro mandou chamá-lo e pediu notícias do que
estava acontecendo. Pai Zé Pedro disse que havia sido por malcriação
da pequena crioula.
- O que devemos
fazer? Enquanto falava, o Senhor de Jurema já estava na Senzala e
como um raio já tinha Jurema desmaiada em seus braços,
espraguejando de raiva. – Tanto a mãe como as filhas são feras,
são irresponsáveis, são negras malvadas, imundas! Estes Nagôs...
não tenho palavras para suas blasfêmias.
De repente ouviu-se
um estampido na serra e todos correram para olhar ou chegar mais
perto, quando todos gritavam: - Afastem-se, afastem-se! Juntem as
armas, atirem! Não deixem que eles desçam até aqui!
Sim. Todos corriam
abandonando a fazenda, menos Pai Zé Pedro e Pai João que correram
para proteger os seus Senhores da Casa Grande.
Era horrível.
Trapos de negros revoltados pela escravidão. Arrebentavam tudo por
onde passavam, matavam as crianças, levavam o que podiam; inclusive
animais, etc. Em meio daquele pânico os negros chegaram e Pai Zé
Pedro na soleira, gritou em voz alta:
- Parem, parem!
Um silêncio muito
grande se fez ouvir. Os negros estacaram e ficaram como que
petrificados.
- Sigam seus
destinos, levem algumas leitoas e vão-se embora.
- Tem alguém no
tronco? (perguntaram) – Não, aqui não encontrarão nem tronco. O
meu Senhor é o meu filho (continuou Pai Zé Pedro). Nisto Pai João
saiu de trás de uma árvore muito grande que tinha na frente da Casa
Grande, e um crioulo em cima de um cavalo deu um tiro ferindo seu
ombro. Jurema já havia se libertado do seu Senhor, pois o mesmo ao
ver os negros jogou-a no chão e saiu correndo. Jurema ao se libertar
correu para socorrer Pai João.
- Queremos o Senhor
branco! (gritavam os negros). Pai João com ternura disse: - Chega!
Chega, Deus pode castigar! O ódio é amigo da fome. Voltem para seus
donos, as onças vão lhes comer nestas matas! Deixem de ódio,
vamos, desçam... eu não tenho medo de vocês! (dizia Pai João
morrendo de dor).
- Sim, vamos descer,
disse um velho africano e num pulo já estavam juntos de Pai Zé
Pedro. Se sentaram no terreiro como se quisessem ouvir o que ele
queria dizer. Pai Zé Pedro começou a falar e perguntar a razão de
suas fugas, o porquê de estarem fugindo. Eles contaram então a sua
história.
- Éramos trinta,
entre homens, mulheres e crianças. O nosso Sinhozinho entregou-nos
pro Feitor e todo dia morria nego de apanhar, então resolvemos sair
matando até encontrarmos sossego.
- De onde vocês
vêm? (perguntou Pai Zé Pedro) – Viemos da Fazenda Esperança, no
Engenho Velho. – Como? O Engenho Velho fica muito longe daqui. Meu
Deus! (exclamou Pai Zé Pedro). Os negros como se estivessem
enfeitiçados disseram: - Vamos ficar aqui, se o senhor deixar.
Obedeceremos e não aborreceremos ninguém. – Oh! Meu Deus! (gemeu
Pai Zé Pedro) Já temos muitos negros. Nisso de lá gritou uma
crioula marcando seus trinta anos: Eu sei tecer e fia, desde que me
dê algodão. Desceram mais ou menos umas oito crioulas, entre 18 e
35 anos e negros também nesta mesma idade.
- Chame o Senhor, se
adiantou o tal Jerônimo, que parecia dominar a tropa.
Nisto, o Senhor sai
na varanda e os negros se ajoelharam no chão pedindo perdão como
crianças. Eram Almas em busca de Luz, mariposas encandeadas pela
Luz. Desta vez foi diferente, os negros é quem decidiram a situação.
Foram se acomodando na Senzala, deixando Pai Zé Pedro preocupado.
Foi fazer uma
vidência daquele quadro e ali cochilou entrando em transe. Viu todo
aquele grupo de velhos e tradicionais Centuriões da antiga e já
distante Roma. Viu também Pai Seta Branca que lhe disse: - Calma,
calma José Pedro. Estes Centuriões que hoje são negros estão sob
sua tutela. Foram seus algozes e entre eles está também Messalina,
Policena, Emeritiana hoje na figura de Zefa. Salve Deus, José Pedro!
Amor, Tolerância e Humildade! E assim desapareceu. Pai Zé Pedro
despertou com o barulho deles. Sim, e João? O que vai pensar? Como
irá entender isso? Oh! Meu Deus! Como me libertarei? Nisso Jurema
vem correndo ao seu encontro. – Pai Zé Pedro, Pai João! Eu vi um
Índio muito lindo que me falou sobre esses negros! Eles são nossos
e vieram para nos salvar do meu Sinhozinho. Pai João deu uma risada
e disse: - Salve Deus! Eu não o vi, porém senti tudo que passou.
Jurema! Tu és minha filha! Eu e a sua mãe somos dois amores. Os
três se abraçaram quando se ouviu a voz do Sinhozinho dono da
fazenda.
- Eu quero também
me confraternizar neste abraço. Zé Pedro, você salvou as nossas
vidas. E virando para Jurema disse: - Vou comprar a tua mãe e tua
irmã, a Juremá. Os quatro pularam de alegria com as cabeças juntas
e também em um só coração. Depois, como se despertassem daquela
felicidade disseram: - Hoje faremos a maior festa no Congá. Suas
atenções se voltaram para os velhos Jaguares, negros Centuriões
que estavam batendo os pés e palmas cantando uma linguagem Nagô.
- Oh! Meu Deus!
(disse Pai Zé Pedro a Pai João) – Emeritiana está ali e Antera
também! O que será de nós João?
Respondeu-lhe então
Pai João com calma, segurando no ombro ferido: - Onde está o Amor,
onde está a compreensão!
Sim, à noite foi um
grande preparativo para a festa no Congá. Os tambores começavam a
tocar, os chegantes pareciam tão disciplinados como os outros. De
repente, ouviu-se um grito. Era Iramar que acabava de chegar
esbaforida. O Povo da Fazenda dos Ferreiras estava cercando a Fazenda
e iam levar Jurema. Foi pânico. Ninguém se entendia, até que Pai
Zé Pedro novamente comandou todo o povo que lhe obedeceu. Salve
Deus! Porém, todo o povo ficou em suspense... Foi horrível.
Na semana vindoura
saberemos o resto. Salve Deus, meu filho Jaguar! Procure sempre se
encontrar nesta história, nestes personagens. Que a compreensão
esteja contigo para que a felicidade possa te alcançar.
É o que te deseja a
Mãe em Cristo
Vale do Amanhecer,
15 de dezembro de 1979.
Capítulo
III
Salve Deus!
Meu filho Jaguar:
Não estamos
preocupados com os velhos documentos das velhas escrituras, porém
estamos sim, desejosos de saber onde os nossos antepassados
encontraram tanta força e tanta coragem para chegar até aqui. Sim
meus filhos, o Missionário tem, graças a Deus, a sua energia e toda
a harmonia nos Três Reinos de sua Natureza. Muitas vezes contando,
até pensamos ser irreal o que nos dizem sobre os escravos e seus
Missionários.
Vejam filhos,
estavam em festa, quando alguém anunciou que os Ferreiras já haviam
cercado o Conga e queriam Jurema a todo custo. Pai Zé Pedro, mais
evoluído do que Pai João, foi tentando segurar o povo dentro do
Congá e qual não foi sua surpresa, os crioulos novatos já haviam
saído de dentro de casa e como loucos açoitavam os Ferreiras,
fazendo-se ouvir pragas, ameaças e gemidos! O Feitor que estava do
lado dos Ferreiras, sentindo que estava perdendo gritou:
- Sou o Feitor desta
Fazenda. Estes Nagôs imundos estão me assassinando. Socorro!
Só se ouvia o urro
do Feitor, pois na escuridão daquela noite, fora atingido na coluna
ficando inerte no chão, gritando como um louco. Pai Zé Pedro foi
até o terreiro onde estava a briga e logo viu que o Feitor estava
aleijado para sempre.
- Oh meu Deus!
(gritou Pai Zé Pedro) Como poderemos assumir tal dívida com este
pobre irmão? Nisto, alguém que ouvia gritou:
- Eu acho muito bom
que ele nunca mais caminhe, para não chicotear os outros.
- Meu Deus, meu
Deus! (dizia Pai Zé Pedro andando de um lado para outro) Oh meu
Deus! Este pobre homem que não vai nunca mais andar... Caminhando,
deparou com um outro triste quadro. Efigênia, uma jovem negra estava
ali também com o crânio aberto de pancadas. Era filha de Júlia,
uma paralítica. Zé Pedro não resistiu e foi buscar o seu
Sinhozinho. Sim, nenhum dos Ferreira havia morrido e quis a vontade
de Deus, nem mesmo ferido. Foi então que um dos quarenta que ainda
não havia se manifestado, deu um urro e se manifestou dizendo: -
Salve Deus!
O sol já começava
a esquentar seus raios, então o Nagô Pai Jerônimo disse:
- Levanta
acampamento, leva Jurema e Juremá. Escolhe o teu povo e segue rumo à
Cachoeira do Jaguar, que desemboca nas águas grandes do mar. Nós,
os Nagôs, ficamos. Vamos buscar a desditosa mãe destas gêmeas
(disse apontando para Jurema e Juremá).
- Não! Eu não
permitirei (gritou Pai Zé Pedro).
- Como? (disse Pai
Jerônimo). Como se atreve a duvidar de teu irmão? Vão embora que
eu a levo. Se demorarem terão mais mortes. Vamos, vamos logo. E
desincorporou. Salve Deus!
Pai Zé Pedro e Pai
João não esperaram mais. Não se sabe como, juntaram suas coisas
ajudados pelo Sinhozinho e partiram dali. Só no caminho notaram que
não faltava ninguém e, inclusive o Feitor lá estava, numa cama de
varas. O Sinhozinho e a Sinhazinha despediram-se com amor. Quando já
iam longe ouviu-se um forte estampido. Era um tiro de cravinote.
Os negros do
terreiro, que já estavam de volta e o Sinhozinho com sua família,
com a ajuda dos escravos que ficaram, enterraram os mortos e seguiram
para a cidade onde moravam seus pais. Enquanto as crioulas contavam
108, faltando Jerônimo que ninguém sabia do paradeiro. Já era
noite quando chegaram à Cachoeira do Jaguar. A Lua Cheia clareava as
matas e o mar, as palmeiras balançando suas folhas como uma prece.
Pai Zé Pedro sentando em uma pedra descortinava todo o quadro por
onde teria que passar com aquela gente.
Pai João chegou e
os dois começaram a fazer os seus projetos.
- Sim, (diziam) tudo
pela condenação da matéria. A Terra... a Terra, (disse Pai João)
tão lindo o mar, no entanto a Terra é o que nos pertence, por ser a
parte sólida deste Planeta. Porém, o que me conforta é que as
Forças Cósmicas continuam em atividade, porque neste Universo não
há inércia, tudo se movimenta em nosso favor pela Bênção de
Deus. A sua atividade é essencialmente produtora desta nossa matéria
orgânica e inorgânica, logo nos dará forças, graças a Deus!
Pai Zé Pedro que só
ouvia, disse sorrindo:
- Onde aprendeste
tanto? Isto não são palavras de Nagô!
- Estou consolando a
mim mesmo, Pedro.
- Porquê não pede
ao Mestre Agripino? Ele é que me consola (Foi quando os dois
começaram a receber energia).
- Sim Zé Pedro, a
atividade do homem é essencialmente produtora e as forças
essencialmente ativas. Como já disse, cria na matéria orgânica
este arsenal de forças, portanto temos que organizar um ritual, uma
jornada, vestimentas que mudem a sintonia dos crioulos.
- Sim Zé Pedro,
vamos erguer esta arma para o Céu.
- Sim João, é
realmente um arsenal. Oh meu Deus!
E olhando a paisagem
do lugar disseram:
- Faremos uma
jornada em frente à Cachoeira, enfeitaremos as crioulas e faremos
lindas Princesas dos Castelos Encantados que já ouvi contar.
- E eu que pensei
que você meu irmão, era um simples escravo!
- Sim (disse Pai
João), tenho Agripino que vem nos meus sonhos e me conta tudo.
- Eu também tenho
um Índio que me falava quando eu ia entrar no chicote do Feitor.
Riram, riram muito, de repente lembram do Feitor.
- Meu Deus! O que
vamos fazer com este pobre homem? De repente ouviram um grito. Era
Jerônimo gritando, como se estivesse perseguido.
- Oh meu Deus! A
nossa vida não tem fim. E os dois continuaram a sorrir.
- Sim, e o ritual?
(perguntou um).
- Faremos! (disse o
outro) Precisamos de energia para obter as Curas Desobsessivas. Salve
Deus! Faremos tudo que Deus nos aprouver.
Os gritos
continuavam e todos já vinham ao encontro dos dois.
Salve Deus! Meu
filho Jaguar. Domingo vindouro lhe darei a continuação.
Com carinho,
A Mãe em Cristo,
Capítulo
IV
Salve Deus!
Meu filho Jaguar!
O dever é a
obrigação moral da criatura para consigo mesma em primeiro lugar,
em segundo para com os outros. O dever é a lei da vida. Meu filho, a
virtude é o mais alto grau onde o homem encontra sua liberdade
espiritual. A virtude é a forma que sobrevive e explica a natureza
do homem, porque tudo está contido em Deus! Sempre estamos a
percorrer as ruínas de nossas vítimas, das suas vidas, sem
preocupação exata de nossa missão. Hoje meu filho, estamos
tentando acreditar no que nos dizem os nossos antepassados.
Sim meus filhos,
todos já estavam no Congá da Cachoeira do Jaguar. Foi triste aquela
noite. Jerônimo havia chegado aos gritos, trouxera a mãe das gêmeas
que estava muito mal. Emoções, choros, tristeza e também risos. O
fato é que não se sabe como dormiram. Tão logo o dia clareou,
todos já estavam tirando palmas, fazendo lindas choupanas. No prazo
de oito dias já existia um lindo povoado de palha e tudo na melhor
sintonia possível. Foi então o dia do grande Conga. Todos estavam
realmente desejosos. Sim, o menor dos Seres vibrava na presença
daquele lindo altar formado de palmas. Pai Zé Pedro e Pai João
estavam muito felizes aquela noite, pois haviam se encontrado com
Henrique de Enoque e com ele se identificaram. Henrique era um dos
Nagôs. Juntos entraram na choupana de Jurema que estava ao lado de
sua mãe moribunda. Jurema ao sentir os três, ergueu a cabeça e
disse como se estivesse dormindo:
- Salve Deus! Seja
bem vindo nesta terra meu estimado Procurador! É árdua esta missão
que escolheste de Nagô. Assim assumistes a maior das missões. Oh!
(gritou) Como me orgulho de ti filho! Me orgulho de ti, como em
poucos tenho o mais puro exemplo...
Nisto abriu os olhos
e meio decepcionada voltou para sua mãe e todos correram para ela.
- Oh filha! Não
sabes o bem que nos fez.
Ela começou a
chorar dizendo: - Sim, eu sei. Eu ouvi tudo que disse, apenas não
pude me impedir de dizer (Zé Pedro olhou para João).
- Como? Segundo Vô
Agripino ela passou por um processo de incorporação consciente. –
E quem tomou o seu corpo?
- Os Anjos e Santos
que prometeram nos proteger nesta jornada. Jurema será a Voz Direta
do Céu (respondeu João).
- Sim, graças a
Deus! Então, comentaram tudo o que havia se passado. Zé Pedro
reconhecera Henrique o seu velho Procurador Romano. Sim, Zé Pedro
como Imperador o havia mandado a Pompéia e agora o reconhecera,
porém não estivera tão seguro até que Jurema fizesse aquela
grande afirmação. Os dois voltaram a se encontrar e no mesmo
primitivo lugar. Pai João filosofando disse:
- Todos somos livres
neste mundão de meu Deus! Até mesmo para acreditar, desejar,
escolher, fazer e obter; mas, todos somos também constrangidos a
penetrar nos resultados de nossas próprias obras. Não existe
direito sem obrigação e nem equilíbrio sem consciência.
- Neste caso a
consciência de Jurema é equilíbrio?
- Graças a Deus,
por isso me faz tanto bem, João.
- Sim João, e a mãe
de Jurema irá morrer?
- Não Zé Pedro. A
doença é apenas o conflito do seu estado externo, falta de energia
física. Não precisamos nos preocupar. – Aceito sua afirmação
João. Fico feliz e seguro de saber de seus sonhos com Vô Agripino.
Seria tão bom se eu também pudesse sonhar com ele, porém devemos
agradecer a Deus de termos você.
- Sim Zé Pedro,
porém ele ralha muito comigo!
- Sim João, eu
também tenho um Índio. Eu já lhe disse, não?
- É verdade Zé
Pedro, é verdade. E sabes mais Zé Pedro? Fui informado que o Vô
Agripino é Pai Espiritual deste Índio.
- João, espera,
vamos devagar...
Nisto um grito de
alegria mudou a sintonia dos dois.
Era o escandaloso do
Tomáz que havia visto um pequeno barco trazendo a Sinhazinha
Janaína.
- Vê (disse Zé
Pedro) Jurema bem que disse ter visto uma linda loura e um crioulo
também que traziam belas mantas para as crioulas.
- Sim, vamos Zé
Pedro e cuidado! Você está fazendo muitas observações, isto é
muito perigoso. Deixe que as coisas decorram sem muita precisão de
sua cabeça.
Desceram todos e a
chegante parecia que já estava sendo esperada. Tudo calmo,
desembarcou realmente com muitas mantas e pequenos terços, chamando
Jurema foi também lhe entregando a sua bagagem. Vendo Pai João e
Pai Zé Pedro perguntou se poderia viver ali com eles.
- Como? (disse Pai
João) Veio morar conosco?
- Sim (disse a
Sinhazinha). – Meu Deus, quantas complicações! (pensou Pai João).
- Meu pai é dono de
Engenho e tem grandes negócios na Europa. Minha mãe morreu e eu
sonhei que nesta Cachoeira alguém me esperava. Viemos eu e Chiquito
para nunca mais voltar. Libertei todos os negros que estavam no
tronco e sei que eles também virão. Chiquito vai descer novamente,
virar o barco e voltar a pé, depois de alardear o meu afogamento.
Todos pensarão que morri.
Neste ínterim todas
as jovens já estavam juntas dando risadas. A euforia era tão grande
que não houve sessão no Congá. Tudo ia correndo mais ou menos,
todos se conhecendo melhor. Então uma grande harmonia foi evoluindo
aquela gente. Pai Zé Pedro cada dia se evoluía no aprendizado de
Pai João. Em vez de sessão no Congá eles gostavam mais das
histórias doutrinárias de Pai João. Naquela noite, estavam todos
sentados diante de uma linda fogueira atiçada por Pai Joaquim e Mãe
Dita...
Em resumo, ali
acontecia a Doutrina Secreta, Mãe das Religiões e das Filosofias,
que se reveste de aparências diversas no correr das idades, porém
sua base permanecendo imutável em toda parte. Sim, nascida
simultaneamente na Índia e no Egito, passando daí para o Ocidente
com a onda das imigrações. Assim é que por toda parte, através da
sucessão dos tempos e dos rastros dos Povos, afirma-se a existência
de um Ensino Secreto que se encontra idêntico no fundo de todas as
grandes concepções religiosas ou filosóficas. Os Sábios, os
Pensadores, os Profetas dos Templos e dos países mais diversos, nela
acham a inspiração, a energia que faz transformar e empreender as
grandes coisas que aliviam as almas e equilibram a sociedade.
Todos se preocupavam
com a fogueira, enquanto Pai João cochilando ouvia todas essas
coisas, estas lições, estes ensinos. Mal sabia Pai João, ia
gravando tudo isso no fundo de sua alma, junto com a paz, uma
serenidade e uma força moral incomparável. Todos sorriam, sem se
lembrar do Feitor que repousava inerte na última choupana. Como a
união faz a força, se obtém geralmente resultados satisfatórios
sobre os encarnados. Todos estavam descontraídos e desprevenidos,
alheios aos seus pensamentos exceto Jurema, que não saia da
cabeceira de sua mãe.
E no meio daquela
noite surgiu um triste espetáculo: Jurema, com um pedaço de madeira
na mão, gritava escandalizando todo mundo como se fosse o próprio
Feitor!
- Negros
desgraçados, preguiçosos! (e se atirando em cima de todos e de
olhos fechados espraguejava contra Zé Pedro).
- Vem negro
desgraçado, vem me matar!
Pai Zé Pedro vendo
que ela poderia cair na fogueira, foi segurá-la. Qual nada! Jurema
investiu contra ele e o agrediu. Pai João foi ao encontro e os dois
se machucaram. Jurema estava sem a razão. Pai João levantou os
braços e na Força do chamado Deus Africano, gemeu como um leão
dizendo:
- Oh Obatalá! Oh
Obatalá! Entrego neste instante mais esta ovelha para o teu redil!
Jurema soltou o
porrete e saiu cambaleando num pranto doloroso. Pai Zé Pedro
enxugando o sangue do rosto, acariciava-a enquanto ela lhe enchia de
perguntas.
- Não tens raiva de
mim? Não te zangastes?
- Não filha (disse
por fim). Conheço o fenômeno e tu só me fazes bem. Jurema
levantando os grandes olhos rasos d’água, emitiu a Zé Pedro toda
a sua ternura. Zé Pedro sentiu todo amor de sua vida. Os dois
percorreram o transcendente e como por ventura, Jurema viu o famoso
Procurador que a cortejava e a quem tanto amava. Então ali
permaneceram sem que ninguém os reparasse. Todos estavam empolgados
no fenômeno. Pai João fez aquela Emissão ou Elevação com toda a
força dos seus sentimentos. Sentindo as dores do fenômeno, voltou
para o mesmo lugar, voltando também a ouvir Vô Agripino.
- Salve Deus! Viu
João? Fizestes tudo tão perfeito, porque tens constantemente livre
o teu Sol Interior. Te entregastes ao Cristianismo, esquecendo-te de
ti mesmo. Sim, o ensino é como pétalas de rosa que caem em nossas
mentes, enquanto vai orvalhando os Três Reinos de nossa Natureza.
- É o Centro
Coronário que me ensinaste uma vez?
- Sim! Este guarda
as pérolas que levamos para a Vida Eterna. (E disse mais) – Não
te assustes com Zé Pedro. Não te esqueças que ele tem apenas 40
anos aí na Terra.
Pai João meio
confuso, viu que Zé Pedro ainda falava com Jurema. Então voltou a
fazer outras perguntas ao seu Vô Agripino e este entre outros
esclarecimentos disse:
- João, sabes quem
tomou o aparelho de Jurema?
- Não meu Vô,
quem?
- O Feitor!
- O Feitor? Como?
Ele morreu?
- Não, o seu ódio
é tão grande que ele se desprende do corpo e faz o que fez.
- Meu Deus!
- Sim! E não
poderás dizer nada, guarde tudo para ti mesmo, porque esta gente não
tem capacidade de assimilar tudo isto.
- Oh meu Obatalá!
Tenho medo, e Zé Pedro?
- Sim, nem Zé
Pedro. Ele será feliz, porque saberá respeitar o seu grande e
imortal amor.
- E Japuacy?
- Japuacy? Veja
João. (Pai João deu uma grande risada...).
Sim meu filho
Jaguar, vou terminar a reforma da Sala de Costura com Rafael e
Fabrício, e não tenho como escrever mais, porém na próxima semana
darei a vocês mais uma parte.
Com carinho,
A Mãe em Cristo,
Capítulo
V
Salve Deus!
Meus filhos
Jaguares!
Explica-se a
diferença entre a velha estrada e o novo caminho.
A velha estrada é
cheia de medo, de temor a Deus. A velha estrada foi palmilhada por
milhares de pessoas, milhares de teorias sempre escritas e nunca
praticadas. O novo caminho, entretanto foi traçado pelo suor, pela
própria energia de quem o traçou e vive a emitir com tanto amor.
Vamos sentir o
caminho do Amanhecer, sem superstições e sem as teorias dos
pensadores, pela vivência na prática, na execução desta Doutrina
e seus fenômenos sensoriais.
Vamos senti-lo no
respeito à dor alheia, no carinho aos humildes, no afeto das ninfas,
no progresso e na compreensão de nossa família.
Este é o caminho
traçado para o homem na Doutrina do Amanhecer.
Quem diria que
naquela Era distante os Enoques levassem tão alto esta filosofia,
esta Corrente.
Sim, Pai João, o
mais velho, era quem observava com mais precisão o desenrolar das
vidas nos Carmas. Suas preocupações aumentavam enquanto Pai Zé
Pedro filosofava de vez em quando.
Os dias passavam sem
qualquer anormalidade, isto é, sempre acontecendo fenômenos que ali
já eram corriqueiros. Porém, só Deus sabia como e onde chegariam.
Havia dias alegres e outros menos alegres, porém sempre em harmonia.
Até que as forças
foram se materializando e tudo começasse a ser mais verdadeiro, mais
preciso.
Pai João se
inebriava com todos aqueles fenômenos e estava sempre à espreita
dos mínimos acontecimentos. Os momentos de descanso era cochilando
embaixo de uma pequena árvore.
O pequeno arraial
estava tranqüilo quando Pai João em um dos cochilos viu um
finíssimo fio magnético entrando numa das cabanas, ao mesmo tempo
que ouviu o grito desesperado de alguém que fora atingido.
Era um fenômeno
Mediúnico, puramente Espiritual. O grito era da jovem Iracema que
rolava com uma dor na espinha, como se tivesse levado uma pancada.
Pai João então
correu e fez uma “Elevação” tirando-lhe a dor.
Ele então começou
a pensar que nada havia enxergado. Tinha certeza de ter visto aquele
fio saindo da cabana do Feitor.
Chamou então Pai Zé
Pedro e contou-lhe o que vira e os dois começaram a ter medo da
situação.
Nisto Jurema,
manifestada por um Caboclo começou a dizer:
- “Meus filhos!
Tomem cuidado, este Feitor é um instrumento feliz de evolução. O
pobre infeliz vive ainda pelas mãos caridosas de Sinhá Sabina. O
fenômeno foi visto por vosmissê João, para que tome cuidado!”.
- Como? (perguntou
Pai João).
- Ele vai entrando
em transe (respondeu o Caboclo) e sua alma ruim, odiosa, pega a quem
ele mais ama ou odeia.
- Salve Deus!
(disseram todos de uma vez).
- E eu que pensava
que somente os desencarnados atuavam...
- Sim! (continuou o
Caboclo) Vocês estão em uma jornada para desenvolvimento, até que
passe todo o Carma da escravidão.
- O homem será
feliz quando tiver a libertação? (perguntou Pai Zé Pedro).
- Não! (continuou o
Caboclo) O homem jamais se libertará.
E dizendo isso
deixou Juremá e se foi.
Todos ficaram sem
entender nada. Jurema porém entendeu e saiu correndo dali para a
cabana do Feitor, decidida a falar com ele e dizendo que iria
mata-lo, quando Pai João interferiu dizendo:
- Jurema, a
concepção de morte resulta de um entendimento completamente errado
da vida, porquê na verdade ela jamais existiu. O Espírito não
morre e então o Feitor nos atentará mil vezes mais. Matando-o ele
ficará mais leve, mais sutil.
- Todos que se
prendem pelo pensamento e se enchem de ódio, ao se verem
desencarnados no astral inferior, é evidente que voltam, sendo mais
comuns as suas furiosas crises.
- Vamos Jurema,
vamos tentar doutriná-lo antes que morra e se torne invisível aos
nossos olhos.
Chegaram na cabana
do Feitor. Ele estava esticado numa cama de vara e capim. Sabina veio
sorrindo ao encontro deles. O feitor começou a espraguejar e Pai
João a lhe fazer Doutrina, porém com medo de Jurema que o observava
seriamente com seus olhos verdes e amendoados.
Sem perceber, disse
então Pai João: - Pobre Imperador! Viestes com tão nobre missão
e, no entanto eis o que restou! Pensa Eufrásio, no que estou te
dizendo. Vou levar Jurema e voltarei.
O dia já estava
terminando quando Pai Zé Pedro e Pai João se encontraram de novo e
se entenderam. Pai Zé Pedro deslumbrado ficava repetindo: - A
irradiação dos encarnados se desprende do corpo e manifesta com a
mesma leveza do Espírito dos mortos...
Nisto se ouviu um
grito e em seguida gargalhadas; Pai Zacarias caíra na Cachoeira e
estava todo molhado, porém nada havia lhe acontecido senão o susto.
Coisas desta espécie aconteciam sempre.
Sim, mas essa
alegria durou pouco. Chegou o Feitor da Fazenda onde Juremá vivia.
Ele chegou arrogante
e já ia pegando Juremá quando Tomáz gritou: - Larga, porco imundo,
aqui é diferente! – Nem tanto (gritou o Feitor) porque você vai
morrer!
Dizendo assim
esporeou o cavalo e marchou para Tomáz. Como um relâmpago passou
por cima dele com o cavalo esmagando o seu estômago. Quando Pai Zé
Pedro e Pai João chegaram era tarde demais. Tomáz já estava morto!
Todos gritaram
fazendo um ambiente de terror naquele lugar.
O Feitor foi fugindo
desapercebido levando Juremá.
Aquela dor era
grande demais e ninguém, e ninguém se lembrou do Feitor assassino e
nem de Juremá.
A morte de Tomáz
trouxe tanta tristeza que mudou a sintonia do lugar. Os Nagôs não
cantaram mais e nas fogueiras riam raras vezes. A harmonia porém
continuava.
Começaram então os
projetos para irem buscar Juremá. Tomáz fora quase criado por Pai
Zé Pedro.
Dois Nagôs que
muito amavam Pai Zé Pedro resolveram buscar Juremá. Calados, sem
que ninguém soubesse, puseram uma “matula” na mochila e se foram
sem que ninguém soubesse.
Jurema porém os viu
na sua vidência.
Pai João por sua
vez sentiu tudo que estava se passando.
Todos porém se
fizeram de desentendidos e ninguém impediu os dois Nagôs.
Jurema não olhava
para Pai João e nem Pai Zé Pedro, pois viviam ainda o espírito de
vingança pelo seu querido Tomáz.
E realmente Joaquim
e Cassiano chegaram com Juremá.
Novamente o
rebuliço.
Juremá não falava,
perdera a voz.
Todos queriam saber
o que houvera, porém nada diziam e ninguém tinha coragem de
perguntar. Permaneciam em volta da fogueira e só ouviam o murmúrio
da Cachoeira. Ninguém tinha mesmo coragem de quebrar aquele
silêncio.
De repente Jurema
deu uma risada, Janaína foi para perto dela e as duas se abraçaram,
Jurema, porém, mantendo uma atitude que não era dela, disse: -
Salve Deus! (e chamando Joaquim e Cassiano disse): - Porquê fizeram
isso? Mataram o Feitor e seu Sinhozinho! Isto não é de um filho de
Deus e que está ‘a caminho! Terá que voltar ‘a Terra e receber
o Feitor como teu filho. E tu Cassiano, terás o teu Sinhozinho
também como filho!
A estas alturas
Cassiano e Joaquim já sabiam o que Jurema queria dizer.
- Me perdoe, bom
Espírito (disse Joaquim) porém aquele malvado matou nosso Tomáz em
sua covardia!
Cassiano por sua vez
perguntou ao Espírito incorporado em Jurema em Jurema se eles
poderiam continuar vivendo ali.
- Sim! (disse o
Espírito) Deus não tem pressa. Cada um daqui assumirá a sua
sentença ou sua libertação.
Juremá enchia-se de
cuidados por Jurema.
Tão logo terminou a
incorporação cada um voltou ao seu estado d’alma. Uns foram
dormir e outros ficaram ali na fogueira.
Nisso ouviram gritos
alucinantes!
Meu Deus! Novamente
o fio magnético. Novamente Iracema fora atingida pelo Feitor
Eufrásio. Tudo se repetiu com as mesmas correrias, até que Pai João
liquidou novamente o assunto com nova Elevação. Desta vez, porém,
com muito trabalho.
Mais dias decorreram
e se notou que Iracema ficava cada dia mais pálida, com ar doente. A
partir daí tudo foi de mal a pior.
Certo dia fizeram
uma vidência para saber o que deveriam fazer com a pobrezinha da
Jurema. Dela participou Vovó Cambina, que viera da Bahia para tirar
o quebranto dos filhos da Sinhá. E na sessão daquela noite decidiu
seguir os seus irmãos naquela jornada.
Vovó Cambina da
Bahia “rezou” Iracema e esta com seu “Passe Magnético”
começou a melhorar. A partir daí, na proporção em que ia se
fortalecendo, ia também adquirindo forças para repelir o magnético
do Feitor.
A essas alturas,
porém, as coisas já haviam tomado um rumo muito sério. Ninguém se
lembrava mais de Tomáz. Toda a concentração agora era no Feitor
Eufrásio. Urgia faze-lo amigo antes que ele os atingisse. Isso
porque Pai João explicara que se doutrinassem o Feitor, ele deixaria
de atacar com seu magnético. A partir daí o Feitor começou a
receber constantes visitas e foi melhorando tanto, que chegou a pedir
perdão muitas vezes.
Eufrásio passou
então a ser o confidente daquele povo!
Sim, Eufrásio fora
um grande Senhor, até o dia que perdera a sua fortuna e sua família
devido ao jogo. Com isso fora obrigado a aceitar o triste lugar de
Feitor naquela Fazenda de tragédia. Mais uma vez a prova de que o
homem se liberta por si mesmo...
Sim, enquanto Pai
João e Pai Zé Pedro ensinavam a sua Doutrina de Amor, o Feitor
ensinava, também, o que sabia dos mundos por onde andara.
Vovó Cambina da
Bahia também o “rezava” todos os dias.
A vida do arraial,
sem ter perdido sua harmonia, só agora, entretanto voltava ao normal
das toadas e das alegres fogueiras. Certo dia estavam todos
assentados quando ouviram um barulho no mato, como seu fosse um
estouro de boiada arrastando tudo... Eles então carregaram suas
espingardas e se entrincheiraram...
Era uma vara de
porcos selvagens que por ali passava, felizmente por fora do arraial.
Assim mesmo os Nagôs mataram mais de 20 porcos, fazendo fartura de
carne.
Pai Juvêncio e Zefa
eram os únicos que tinham coragem de ir até um lugarejo por nome
Abóbora.
Certa feita chegavam
na entrada da cidadezinha, quando Pai Juvêncio viu uma mulher com
uma menina meio desacordada nos braços. Ele chamou Zefa e cochichou
no seu ouvido. Ela concordou com o que ele disse e ambos benzeram a
menina, isto é, tiraram o Espírito que estava com ela. A menina
ficou boa e Tânia, sua mãe, deu a eles algumas frutas que tinha, se
desculpando por não ter mais nada.
Juvêncio e Zefa
comeram as frutas, trataram dos assuntos que os havia trazido à
cidade e voltaram para casa. Ao chegarem, nem bem haviam pisado na
soleira da cabana, quando sentiram uma violenta dor de barriga. Suas
barrigas começaram a doer, doer tanto a ponto de chamarem Vovó
Cambina da Bahia para socorre-los.
Seria veneno?
A desinteria piorava
e os dois apresentavam os mesmos sintomas.
Pobrezinhos, dizia
Pai João. – Resolveram tantas coisas para nós nessa viagem! Deve
ser provação, deve ser Deus testando seus corações.
Logo mais à noite,
todos estavam em torno da fogueira e pediam notícias. Súbito,
Jurema que estava ao lado de Pai Zé Pedro, levantou-se bruscamente e
apontando para os dois que estavam abaixadinhos junto à fogueira
gemendo de dor, disse:
- Eles comeram
prenda ganha pela sua caridade!
- Como? (disse Pai
João) – Ah! Sim, Pena Branca não quer que a gente ganhe nada em
troca do que faz! Sim, Vovó Agripino também já disse: - A gente só
aprende com o espinho na carne, fincando!
- É Pai João,
todos nós temos um espinho na carne!
- Oh! Meu Deus!
(gritaram todos de uma vez) – Sim! Estamos conscientes!
Nessa altura, graças
a Deus, Vovó Cambina já estava chegando com a cuia de chá. Eles
após tomaram o chá, contaram o que havia acontecido na entrada de
Abóbora.
Todos então
abraçaram os dois pela sua ação e cantaram em coro – Juvêncio e
Zefa comeram prenda da caridade que fizeram! – Sim, receberam
pagamento e o Pena Branca não gosta de presentes ou de “cobre”!
Zefa e Juvêncio
ainda tiveram uns três dias de dor na barriga.
Tudo foi alegre e
passou.
Eufrásio, que agora
era o Conselheiro do grupo, também achou a lição muito importante.
Primeiro pelas frutas, uma vez que Pena Branca não aceita pagamento
pelo seu trabalho mediúnico, e segundo pela denúncia de Jurema, que
em sua Clarividência vira o que se passara.
O pobre casal fora
lesado pelas suas mentes preguiçosas. E tudo está Espiritualmente
pronto.
Pai Zé Pedro e Pai
João se regozijavam da situação. Zé Pedro sempre perguntava: - O
que será de nós, onde iremos? O que será de nós? Não seria
melhor sairmos, em vez de esperar o Mundo aqui? Eu já não suporto
mais! Oh! Meu Deus!
- Zé Pedro (dizia
Pai João) Quando o celeiro está pronto o Mestre aparece! – São
palavras de Vô Agripino!
Pai Zé Pedro, Pai
Lourenço, Pai Francisco e muitos outros dos 70 membros daquele grupo
estavam inquietos. Menos Pai João e Eufrásio o Feitor, que firmes
em Vovô Agripino, permaneciam calmos.
Certa manhã Jurema
avisou o Pai Zé Pedro que chegaria muita gente para se curar. Os
Nagôs se reuniram e se prepararam para recebe-los. Já fazia dois
anos que ali estavam.
- Lá vêm eles, lá
vêm eles!
Lá embaixo
avistava-se uma enorme fila de gente chegando.
Só se ouvia gente
correr para receber os chegantes.
Zefa e Juvêncio
reconheceram entre eles a mulher cuja menina haviam curado e
gritaram: - Jurema, Pai João, Pai Zé Pedro! São gente que vêm em
busca da caridade! (e perguntaram baixinho a Pai João): - Não tem
perigo de nossa barriga doer?
- Não! (respondeu
Pai João).
E o Povo foi
chegando e fazendo e fazendo ambiente.
Que maravilha! Todos
estavam felizes, a felicidade dos Missionários de Deus!
Tudo foi lindo com
suas Curas Desobsessivas e seu Amor, a dedicação de toda aquela
gente.
Meus filhos, eu
gostaria de contar mais desta história, porém Manezinho, o 7º Raio
de Yucatã não me deixa. Sabe porquê? Porque ele é também um
personagem da Cachoeira do Jaguar.
E você também, meu
filho, procure se encontrar nela.
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Vale do
Amanhecer-DF, 08 de março de 1980.
Capítulo
VI
Salve Deus!
Meu filho Jaguar!
As trevas da noite
nada significam para o Espírito, pois este vê através do seu
resplendor.
Sim meu filho,
declaro com toda confiança, que não está longe o dia em que a
ciência irá se colocar diante desta realidade que é a
reencarnação.
Ninguém poderá
impedir o progresso. O mundo de hoje está brincando com fogo. O
tempo no espaço não se registra. Não se sabe porém os caminhos
físicos. No centro nervoso da Terra tudo é lento, tudo vibra para
formar a harmonia no centro eterno do homem. Seus rápidos contatos
do etéreo-magnético é o bem que lhes dá força. O homem mesmo na
sua inconsciência, confirma o seu penhor no eterno e junto aos seus
velhos sábios retorna ao seu Sol Interior.
Sim meu filho,
breves dias irão chegar em que o Homem Espiritualizado será sentido
pelo “PROFANO”, como uma música literária da mais alta
sinfonia.
Sim meu filho,
segundo as leis e forças que governam todas as coisas que Deus
criou, o homem na totalidade, sempre procura empregar sua força mais
para impedir o desenvolvimento da Terra. Vê-se assim, como a se
punir pelas suas próprias leis. Leis, sempre para punir outros e não
sabem se desviar e continuar a punir.
Sim meu filho, não
é fácil abandonar a multidão, fixar-se em si para buscar a
verdade. E quando conseguimos encontrá-la, é mais difícil ainda
permanecer com ela. Permanecer com a Verdade quando a encontramos.
Sim meu filho, com
este Espírito de lealdade vamos encontrar o nosso Povo na Cachoeira
do Jaguar. Foi tudo muito bem aquele primeiro dia. Curas, muitas
curas que se espalharam por toda parte. De longe se viam luzes
naquela Cachoeira. Nossos Missionários estavam unidos pelos
compromissos Cármicos.
Pai João amanheceu
doente. Seis horas da manhã e o céu não clareava, fazendo os
pensamentos se encontrarem. Eufrásio entoava um “bendito” da
Igreja Católica. Jurema juntou a roupa e desceu com uma enorme
trouxa para a fonte, e com ela Janaína, Jandaia e Janara. Alguns
Nagôs já voltavam das caçadas e outros seguiam para as roças. As
Sinhás preparavam a feijoada e outras ainda reavivavam o fogo da
célebre fogueira.
Pai João sentia a
tristeza daquela gente e sua mente começou a voltar. Foi quando Pai
Zé Pedro chegou fazendo algumas premonições. Sim! Pai Zé Pedro
previa alguma dor devido também ao procedimento daquela gente.
Pai Zé Pedro estava
triste porque Pai João já havia contado uma certa comunicação sua
com Vô Agripino, que segundo os fenômenos habituais, a desarmonia
que há horas estava se dando no grupo, era forçada pelas vibrações
dos familiares de Janaína. Eles acabariam descobrindo o seu
paradeiro. Evidente, seria uma guerra. Perder Janaína seria um
terrível descontrole para Jurema. Seus pensamentos não chegaram a
se concretizar.
Da entrada da aldeia
três cavaleiros gritavam: - Negros! Queremos paz, porém, nos
entreguem a Sinhazinha Janaína, porque o Senhor seu pai pede a
cabeça de todos vocês que roubaram sua filha.
- Ela não se
encontra aqui (disse decidida Jurema).
Janaína, que estava
de cócoras, saiu correndo e entrou na cabana de Eufrásio, que tinha
um Cravinote na sua cabeceira para se defender de bichos (onças,
lobos, etc). Vendo Janaína tremendo de medo, segurou o Cravinote e
ficou ali ‘a espreita do que desse e viesse.
Ah! Foi horrível!
Os homens desceram dos cavalos e foram direto ‘a cabana de
Eufrásio. Este, fazendo um esforço acima de suas condições
físicas, vendo o homem quase pegando Janaína, segurou a arma e
atirou. Dois ficaram caídos e o outro foi embora pela mata adentro.
Pai João mandou que
desarreassem os cavalos e os juntasse à tropa.
Todos correram para
a cabana de Eufrásio que só sabia dizer: - Oh! Pai João, pelo amor
de Deus, jamais pude pensar em tão desesperado gesto. Sim, Pai Zé
Pedro! (Eufrásio continuava a falar) Eu não podia deixar que eles
pusessem a mão nesta criaturinha...
Nisto um urro.
Reviraram o homem que estava de bruços com a boca no chão, ele
ainda estava vivo, porém, o outro estava morto. Foi horrível.
Ninguém sabia como proceder. Mas, a verdade não se pode esconder:
Estava um homem morto, e o outro ninguém sabia o seu estado de
saúde. Somente quando o dia clareou é que foram dar conta da
tragédia.
Eufrásio já estava
só novamente.
Um grande grito se
fez ouvir, era Eufrásio; estava sentado na cama.
- Sim! Pai João,
Deus se compadeceu de mim, estou sentado. Oh! Pai Zé Pedro. Todos
viraram-se para Eufrásio, ficando a dor da tragédia mais amena.
Maria Conga não
parava, enquanto todos sofriam em seu pranto emocional, ela junto à
Vovó Sabina e também alguns Nagôs, já haviam cuidado do morto e
do ferido, e até já sabiam que o morto se chamava Crésio e o
doente Amâncio e que inclusive, estavam por conta própria, ninguém
os havia mandado ali. Eram os velhos reajustes da noite fatal na
Senzala.
- Oh! Meu Deus!
(gritavam todos) Eufrásio vai andar... entre lágrimas, gritos e
emoções, Eufrásio dava alguns passos pelas mãos de muitas pessoas
eufóricas que chamavam aquele fenômeno de milagre.
Pai Zé Pedro estava
em conflito e foi atrás de Pai João.
- Como pode? Matou e
ficou curado! Como pode? João, um fenômeno deste?
- Cala-te Zé Pedro!
Deixe de fazer julgamento. Estes três homens não eram mandados do
pai de Janaína, e sim estavam com má intenção na pobrezinha desta
virgem. Olha Zé Pedro, já estamos aqui há mais de cinco anos! Não
está lembrado que o Sinhozinho Eric vendeu tudo que tinha e foi
embora pensando que sua filha havia morrido afogada? Houve até uma
lenda que Janaína aparecia cantando por cima das águas nas noites
de lua cheia? De um ano para cá, porém, alguém começou a
desconfiar que realmente ela estava aqui. Confiança Zé Pedro! Nas
coisas de Deus! Estamos em maremoto, porém, para um nada. É confuso
tudo isto, certo?
- Oh! João, graças
a Deus! Não sabes o bem que me fizeste.
Pai João mandou um
recado para o Sinhozinho de Pai Zé Pedro e este arrumou toda a
situação ilegal, inclusive junto ao pequeno arraial de Abóboras.
Eufrásio realmente
ficou bom. Então tudo virou. Eufrásio queria procurar a família,
os seus e, tão impaciente estava que já se aborrecia por qualquer
coisa e por fim se apaixonou pela meiga Iracema. Então, em tudo
colocava a amargura. Não parecia mais aquele Eufrásio cheio de
cuidados.
Certa noite, a lua
estava cheia, ninguém se preocupava com a fogueira. Pai Zé Pedro e
Pai João estavam fora, mais para longe da aldeia e começaram a
fazer as reparações.
- Eufrásio
(comentavam), como uma criatura podia modificar em tantos aspectos,
em tão vil procedimento?
- É possível João,
alguém regredir tão depressa?
- Sim Zé Pedro,
naquela noite trágica, muita experiência Deus nos deu à luz do
saber. E eis o que sei dos meus contatos com Vô Agripino: - Eufrásio
foi somente um instrumento de nossa evolução – e disse mais: que
eu nunca me iludisse com o seu comportamento e nem tampouco com a sua
evolução.
Sim, tudo era
compreensível, porque o homem não se evolui em tão pouco tempo.
- Oh! Meu Deus!
Começo a compreender o que estamos passando.
Nisso chega
Eufrásio.
- Pai João, vou-me
embora, não estou suportando mais esta vida! Vou sair, vou procurar
emprego onde chegar. Darei notícias e jamais irei me esquecer de
todos aqui, e muito menos de vocês dois.
Olhando, Pai Zé
Pedro, que espantado não dissera uma só palavra, perguntou: -
Quando desejas partir?
- Agora (respondeu
Eufrásio) e sem muitas despedidas. E foi embora, montado na mula do
finado.
Pai João, Pai Zé
Pedro e alguns Nagôs que já haviam se juntado ali, estavam
perplexos. Ninguém, ninguém deu uma só palavra. Subiram até a
aldeia sem comentários e com toda mágoa no coração se sentaram
junto à fogueira. Jurema virando-se para Zé Pedro, disse:
- Tenho pena de
Vosmecês, e assim dizendo foi incorporando.
- Salve Deus! (era
Vô Agripino) Meus filhos! Eufrásio foi embora, cumpriu seu tempo
com vocês, não se preocupem que ele não irá muito longe. Fez
grandes dívidas nestes arredores. Pagou sua dívida com Janaína e
vai se encontrar com sua família aí nas Abóboras. E vocês, João
e Zé Pedro, se preparem que virá uma ordem para vocês partirem
daqui.
- Nas Abóboras? Sua
família aí tão pertinho? (perguntou Pai João).
- Sim! Porém, ele
saiu daqui sem saber (continuou Vô Agripino) Sim! Vocês vão partir
daqui, partir para bem longe. Jurema, Janaína, Iracema, Jandaia,
Juremá, Janara, Iramar, Jazaíra e Jaiza precisam se casar. Esta
aldeia já não tem mais energia para vocês.
- Sim! Energia
Transcendental, Herança que se encaminha na Lei do Auxílio.
Pai Zé Pedro e
alguns Nagôs estavam ainda decepcionados, mal ouviam o que o Vô
dizia.
Terminou a sessão e
todos tristes, foram dormir.
Sim, nesta época já
viviam ali naquela Aldeia 108 personagens. Era uma família que com a
saída de Eufrásio, ficou bem mais unida. Só Deus agora daria o
destino daquela gente.
Em volta da fogueira
todos “murchos”; o coração de Pai João doía... Reagindo,
voltou-se para os demais dizendo:
- Meus filhos, o
homem não vive com o coração dilacerado pela desilusão. Não
fiquem assim compungidos pela falta de Eufrásio.
Alguns comentaram –
Eufrásio era tão bom, nos dava tantos conselhos, nos orientava em
tudo...
Pai João começou a
pensar: Quando o homem se esquece das faltas do outro é porque está
se evoluindo. Ali naquele caso, todos só lembravam de Eufrásio na
sua boa fase. Sim, Iracema, a crioulinha mais indefesa, e a quem mais
fez sofrer...
- Zé Pedro (disse
Pai João) Estes são realmente os velhos Reis e Imperadores.
- Por quê João,
afirmas com tanta euforia?
- Zé Pedro, o homem
que viveu em encarnação superior, digo, de procedência refinada,
não perde a confiança em si mesmo. Sempre estão a lhe passar o
Espírito de Justiça e não se envolvem em mesquinharias. Somos 108,
sabe?
- Sim, foram todos
Reis e Rainhas, e todos viverão muito tempo conosco.
- Deveras (disse Pai
Zé Pedro) – Eles só se lembram de Eufrásio, de Eufrásio em suas
boas ações e de seu martírio na cama.
Continuavam perto da
fogueira. Jurema fazia previsões. Chegando a vez de Iracema ela
disse:
- Iracema, você
voltará para ser a esposa de Petrúcio. Sim, seguirá para muito
longe. Iracema e Iramar atravessarão o Espaço para receber a missão
e depois voltarão esposas do mesmo Imperador.
- Eu? (espantou-se
Iracema), esposa do Imperador?
- Sim! (continuou
Jurema) Cujo Imperador será Eufrásio, que neste instante já se
prepara para partir no rumo de sua missão.
Deveras, foi
horrível aquela noite. Frustramento, sonhos pesados, porém ninguém
ousava dizer nada, até que Pai João quebrou o silêncio.
- Sim! (disse
Jurema) Uma morrerá e Iramar se casará por último e, depois todos
nós partiremos de lá para outro lugar aqui perto...
A vida continuava.
Logo se acostumaram com a saída de Eufrásio. Reinava agora um
suspense. Sempre sustos, reparações Doutrinárias, uma harmonia
quase que de medo. Certo dia Pai João se juntou na fogueira e
começou a falar:
- Vejam meus filhos,
como a lei segura o homem. Vê-se assim, como o homem pode ser punido
pelas próprias leis que estabelece, sem se desviar deles. São as
leis feitas pelos homens, que punem. Os Poderes Superiores podem
proteger o homem das forças negativas que causam doença e
sofrimento, porém, o pedido de proteção, segurança contida de
paz, harmonia do nosso todo, isso é possível somente na Lei do
Auxílio. Fazendo a caridade é que abatemos na Lei do nosso carma. O
sofrimento de hoje é a luz do amanhã. Individualizamos a vida e, no
entanto, somos guiados por Deus. Há muitos séculos o homem tentou
criar e fez a força cega em si mesma, dirigida pelo Chefe das
Almas...
Pai Zé Pedro ouvia
atento as palavras de Pai João, e remoia em seu canto a falta, a
transformação de Eufrásio.
- João, o quê é
Deus? Não é dado ao homem conhecer Deus, que por si mesmo deve
compreender? Sabemos que um homem está com Deus pelo seu
procedimento. Por que regride o homem? Eufrásio estava em Deus, como
pode cair tão de repente?
- Sim Zé Pedro,
cuidado com a tua forma de pensar, vancê é um Nego Velho pro
chicote e não para julgar com tanta convicção.
Os dois começaram a
rir e João disse com Amor:
- Sim Zé Pedro,
ouça bem o que diz Vô Agripino: Deus é absolutamente Fé, é
absolutamente Razão. E ser a Razão é ser a ciência. Eufrásio não
estava em Deus, Deus tentava penetrar apenas em seu coração, como
tocou ao vosso naquela noite.
- Como? (pergunta Zé
Pedro).
- Assumindo com
Eufrásio os seus desatinos! Afirmou Pai João.
- Então tudo foi
perdido? (indagou Zé Pedro).
- Não Zé Pedro,
nada se perdeu, muito pelo contrário, Eufrásio saiu para cumprir
seu destino. Deus não lhe daria o perdão de suas faltas por aquele
curto tempo em que esteve paralítico aqui na cabana. Espancou muitos
homens, foi o pivô da noite trágica. Quantas mortes em seu nome?
Tudo o que aconteceu foi à bem do seu Espírito, não se esqueça do
que disse o Caboclo Pena Branca: Breve, muito breve, iremos nos
encontrar. Salve Deus!
- João, na verdade
o homem não tem capacidade de julgar o outro.
Os dois começaram a
sorrir, achando graça daquelas coisas que falaram e que tanto lhes
fizera bem. Tudo vinha de Vô Agripino a Pai João.
Felizes, felizes
estavam agora. Recordavam de sua vida passada, o porquê daquela
escravidão.
A felicidade porém
durou pouco. Como por encanto um temporal, como um furacão, ameaçava
aquela aldeia – o mar crescia, as árvores chegavam suas copas no
chão. Pai Zé Pedro e Pai João juntavam a todos e em súplicas
olhavam o céu. As palavras de Vô Agripino, eram agora o leme
daquele povo: “CORAGEM! FIRMEZA! A FÉ, O AMOR, SÓ EM DEUS!...”.
Quando a voz do
Índio Estrangeiro, como uma melodia de paz se fez ouvir: É A HORA
DE POMPÉIA! Foi a Voz Direta.
Todos ouviam e viam
seus Olhos Verdes incomparáveis, iluminando naquela escuridão. Logo
todos estavam juntos.
Oh! Meu Deus! Em que
Plano? Em que Dimensão? Foram todos ou ficou alguém, alguns
daqueles pobres Missionários?
Meu filho Jaguar:
Nós veremos na próxima semana um outro capítulo, porque Rafael,
Jorge, Vildinha, Soares e Izaura precisam de mim, e eu, sua Mãe em
Cristo, vou atendê-los.
Sua
Mãe em Cristo.
Vale do
Amanhecer-DF, 16 de maio de 1980.
Capítulo
VII
Salve Deus!
Meu filho:
Vamos voltar à
Cachoeira do Jaguar. Vamos mais uma vez sentir a realização daquele
Povo, os nossos antepassados.
É filhos, quem
diria que aquela filosofia de Pai João e Pai Zé Pedro partisse
daqueles Nagôs? Sim filhos, é preciso que conheçam a vida fora da
matéria, sabendo que vivemos na Terra a experiência de que somos
testados pelos nossos amores, e pesados pelos nossos corações.
Vivemos neste Globo
Terrestre onde analisamos a um ovo; a vida atmosférica que não nos
dá a mínima condição de viver sem dispensar as normas reais da
vida. E assim, como ocorre na Terra, muito mais é no espaço, onde o
poder do Pensamento Criador é incomparavelmente maior.
Depois de atravessar
uma pequena clareira, vamos encontrar os nossos queridos Pai Zé
Pedro e Pai João no verdadeiro caminho que nos une à Eternidade.
Tudo era movimento,
no dia que Pai João e Pai Zé Pedro foram chamados para o Sono
Cultural.
Salve Deus!
Pai João e Pai Zé
Pedro se preparavam para o anfiteatro. Suas cabeças não haviam
despertado daquele triste crepúsculo na Terra, na Cachoeira do
Jaguar. Sentados em frente de uma grande tela, que nos Planos
Espirituais do Canal Vermelho é como um cinema; aparece tudo que
queremos saber de nossa vida na Terra. Pai João e Pai Zé Pedro viam
com paixão tudo que lhes era tão caro; aqui e ali os dois
comentavam:
- Todos, todos
estavam ali conosco.
- Sim! (dizia um ao
outro) Viam tudo...
Nisso ouviu-se um
soluço, era Efigênia que soluçava por não poder mais voltar a
Terra, pois o seu crânio ainda merecia cuidado.
Nisto ouviram também
alguém que chegava:
- Oh! Quantas
saudades... falaram muito, tudo o que se passou, como se tivessem
perdidos de vista. Depois Pai João perguntou:
- Por quê Efigênia
não pode voltar a Terra?
- João (falava Vô
Agripino): As forças biogênicas são transmutações das Forças
Cósmicas. A função da matéria é organizada pelo sistema do Corpo
Etérico. O corpo é sempre um e o mesmo tem sua origem na matéria
orgânica, metamorfose da Matéria Cósmica. As funções são muitas
e várias. Têm sua origem nos fenômenos vitais, que é criado pela
matéria inorgânica que forma o corpo bruto, inerte, sem atividade
própria. Efigênia naturalmente não está preparada para tanto.
Ouviu-se um estrondo... O quadro se modificou.
Vô Agripino
sorrindo disse: - Vou lhes dar uma rica surpresa.
- Ah! Lá estão
todos que irão voltar...
- Onde estamos?
(perguntou Pai Zé Pedro).
- Na Mansão dos
Jaguares – E quem você está procurando Zé Pedro?
- Eufrásio!
- Ah! Sim, (disse
Pai João) Eufrásio ainda não chegou.
Perguntaram quanto
tempo já se encontravam ali. Cinco anos e no entanto estavam todos
ali. Sim, pensava Pai Zé Pedro: No Universo não há inércia. O
movimento é incessante. A atividade é essencialmente produtora e as
forças não param. Se ficarmos parados ela se vai e ficamos sós.
Sim, repetia ele, o homem é portanto o Microcosmo, matéria e força,
corpo e funções; o corpo físico não gera a vida ou a força
promotora dos movimentos, mas absorve-os. O organismo é um
reservatório universal, é assim o instrumento da vida, aparelho que
varia do infinito, aos pesados contatos da Terra que alimentam as
células vegetais...
Sim, a experiência
foi muito brusca, muito fatal. Pai João e Pai Zé Pedro não sabiam,
nem mais nem menos o que estavam fazendo. Levados pelos arrolhos dos
tumultos, arrastavam em suas mentes aquele crepúsculo final. Sim.
Perguntavam-se sempre: Porquê uma dor tão grande? Verdade!
Lembravam-se na Cachoeira... Os dois presos, soterrados da cintura
para baixo, sem poder socorrer os demais, até que outra avalanche os
levasse para o fim.
Sim, pensavam,
ficamos presos por castigo de Deus? Perguntavam sempre. Ficamos
presos por reparação... castigo?... Eram as dúvidas e os conflitos
daqueles dois. Porque suas cabeças não sabiam analisar, os dois
presos para assistir toda a catástrofe. Sua revolta já estava
levando-os a descambar para “Ponta Negra”.
Verdade, amamos na
Terra e no entanto sofremos tanto! – Cadê o Vô Agripino? –
Ficou com as crioulas e os Nagôs? – Porquê saímos de perto
deles?
Porque nossas mentes
têm que se encontrar por si mesmas e não vê Zé Pedro, aquele
bendito arrolho nos jogou para aqui sem que nós sentíssemos?
Nisto ouviram um
grito que penetrava diretamente em seus ouvidos: - Tibério, eu sou e
serei o teu Cônsul fiel, tenho prisioneiros: Marcus Cláudio e
Vinícius os teus traidores. Os dois homens soterrados naquele imenso
pântano. Saiam chispas de fogo pelos olhos. Pai João e Pai Zé
Pedro se olhavam sem nada poder dizer. Porém, o homem continuava sua
obra. – Marcus Vinícius, o traidor!
- Sim, diziam os
nossos queridos, não temos dúvidas, o quadro era idêntico, somente
o ódio daquela gente era o oposto da Cachoeira do Jaguar.
Quando se deram
conta de si, estavam na Indumentária de Tibério (Pai João) e
Marcus Vinícius (Pai Zé Pedro). Os Espíritos do triste comício
agora gritavam com mais intensidade, foi na deposição de Gália,
lembrou-se Pai João.
- Oh! Meu Deus,
porque estamos aqui?
- É a misericórdia
de Deus. Sim, não acreditamos nem mesmo em Vô Agripino, e olhando
para suas novas vestimentas, Pai Zé Pedro gritou: Fujamos daqui
antes de sermos vistos nestas Indumentárias! Vamos daqui! Nisto
ouviu-se um assovio e um grupo de Cavaleiros surgiu, se espalhando
por todo aquele pântano, ficando somente um Luminoso, que se
aproximou dos nossos queridos e num tom de crítica prestou homenagem
aos dois, que ainda vestiam as Indumentárias. Pai João e Pai Zé
Pedro sentindo a maior humilhação disseram:
- Viemos
recentemente da Terra.
- Estou vendo, porém
nem tão recente. Sei que sofreram muito nesta jornada a ponto de
perderem a sua Individualidade. Esqueceram-se do Amor de Deus,
cumpriram com Amor e Dignidade a Missão na Terra; no entanto aqui,
depois de cinco anos, estão para cair apenas por não terem
encontrado a razão do seu crepúsculo. Egoísmo, o egoísmo poderá
arrastar tão grandes e nobres Missionários?
- Porque estamos
assim? (perguntou Pai João) Vestidos assim?
- A falta de
segurança e de Amor a Deus.
- Nos culpamos por
ter ficado presos, vendo toda a tragédia sem poder nos movimentar,
vendo todos perecerem. Tememos que fosse uma reparação e no entanto
não sabemos onde ficou o erro.
- Pelo que sei Vovô
Agripino os orientava dando-lhes lindas lições.
Nisto gritou Zé
Pedro: João, João Nagô! Tire depressa de sua mente esta roupagem.
Os dois começaram a rir e abraçados, tudo se modificou. Agora
olhavam para o Vale Negro. Lá embaixo tudo já estava diferente, os
Centuriões já os haviam levado em suas Redes Magnéticas.
- Oh! Meu Deus! Como
nos martirizamos. – Sim Zé Pedro, talvez queríamos ser recebidos
com festa.
Pai Zé Pedro e Pai
João sentaram-se na primeira Pracinha e tristes começaram suas
queixas: - O que será de nós? Temos que receber uma Missão e ficar
juntos outra vez.
Sim meus filhos,
agora eles se recordavam mesmo de tudo...
Quando estavam
falando chegaram as sete Crioulas e tudo foi festa. Jurema já
parecia uma Princesa.
- Onde andavam meus
queridos irmãos? Sabemos que estavam juntos, dizia com graça, daqui
onde estamos avistamos tudo, até mesmo “Ponta Negra” e o “Vale
Negro”.
Quando Jurema
terminou, Pai Zé Pedro disse baixinho: - Te viram na encarnação do
Imperador Tibério César.
- E você Marcus
Vinícius.
- Sim (disse Jurema)
Salve Deus! É natural que façamos estas reparações. É difícil
entender, estivemos ali e tudo foi como se Deus nos quisesse testar.
- Sim, já
entendemos tudo, Tibério enterrava os seus prisioneiros até a
cintura e deixava que os bichos os comessem ainda vivos, no entanto
não nos deixou vivos por muito tempo.
Nisto uma pequena
luz aparecia ao longe.
- Olha! Disse
Jurema. Olha Zé Pedro! Jerônimo soube que os senhores estão aqui e
vem lhes ver.
Pai João e Pai Zé
Pedro se olharam, sim, como Jerônimo?...
- Oh! Zé Pedro e
João! Disse Jerônimo todo feliz. Vim buscar os senhores para a nova
Mansão dos Jaguares.
- Jerônimo, meu
Jerônimo, como pode tanta compreensão?
- Sim, disse
Jerônimo, tenho a cabeça e o coração bem menores que o dos
senhores, por conseguinte, a missão foi menor também.
- É verdade, tudo
vem de um Plano de Deus. Sim! Remataram...
Ouviu-se um
estrondo, eles já estavam perto da Mansão dos Jaguares. Jerônimo
mostrava tudo por onde passavam. Sim, Jerônimo já estava ali há
sete anos e sempre foi um Espírito conformado. Por último, vendo a
admiração de Pai João e Pai Zé Pedro, disse: - Sabe meus queridos
Mestres, tenho tudo que me ensinaram na minha cabeça, só Deus
poderá lhes pagar.
- A nossa Doutrina
não chegou para nós: Vê que já estávamos descambando para “Ponta
Negra”.
Nisto ouviram vozes:
Eram Antera, Zefa, Lívia, Emerenciana, Maria Conga, Sabina e
Cambina, e junto os Nagôs, só faltava Eufrásio. Foram abraços e
comentários como se estivessem chegando de uma grande viagem.
Pai João se ligou a
Antera e quando viram já estavam com uma nova roupagem.
- Por Deus não te
reconheceria, se tu também não estivesse junto com os outros.
Todos entraram e os
dois foram para uma Pracinha recordar as suas façanhas na Terra. Foi
um tempo bonito, todos se conheceram em casais, saíam e com saudades
esperavam o Amor de Deus.
Já era hora da
prece... “do Canto Universal”. Saíram dali e foram ao “Campo
de Morsas” vibrar para os que ainda estavam na Terra.
- Como? Perguntou
Pai João.
- Sim, no “Campo
de Morsas” vibram os que ainda têm os seus familiares na Terra.
- Tens alguém, Zé
Pedro?
Este surpreso
respondeu – Tenho... tenho o meu Sinhozinho e minha Sinhazinha.
- E eu (disse
Janaína), vou devolver-lhes as rezas que fizeram pensando que eu
estivesse morta.
- Onde estão os
teus familiares Janaína? Perguntou Jerônimo.
- Na Europa,
respondeu.
- Se é na Europa, é
logo ali...
Todos sorriram,
vendo a verdadeira família.
Nisto o jovem Tomáz,
que se vestia como um belo Fidalgo Grego, foi se juntar a Janaína.
- Tomáz! Gritou Pai
João meio ressabiado. Tomáz, meu querido Tomáz! Como sofremos por
tua partida.
- Sim, pelo que sei,
e partiremos em breve.
- Oh! Meu Deus!
Disse Jurema que estava ao lado de Japuacy, também na roupagem de
cidadão romano.
Verdade, até parece
conto de fadas; todos com seus amores chegaram ao grande e luminoso
“Campo de Morsas”. Todos estavam em suas afirmações sentindo
aquela força em perfume que exala dos Mundos Espirituais de Deus. As
energias iam e vinham como laços de fitas. Pai João e Pai Zé Pedro
sorriam e choravam, vendo aquela maravilha que jamais pensaram
existir. Risos e luzes. De repente começou o sermão. A Voz Direta
que também era maravilhoso.
- Salve Deus! Quem
está falando? Quem fala em nós como se nos conhecesse?
- São as Vozes dos
Ministros que nos preparam para voltar a Terra.
- Como poderemos
partir com todos os nossos amores?
- Sim meu filho,
como será a despedida dos nossos queridos? Veremos no próximo
capítulo.
Com carinho.
A
Mãe em Cristo...
Obs: Sempre
solicitada em muitas sintonias, a Clarividente não prosseguiu com a
história. Salve
Deus
Tiãozinho e
Justininha
Salve Deus!
Meu filho Jaguar:
Em uma bela Fazenda
situada no município de Ponta Porá, Estado do Mato Grosso, tendo
como proprietário o Sr. Germano Perez, com sua esposa Dona Guiomar
Perez e seus três filhos...
Sua filha mais
velha, bela mocinha nos seus 14 anos de idade, cabelos compridos e
louros, olhos negros “rasgados”; a bela jovem chamava-se
Justininha Perez.
Ali vivia em
completa harmonia esta honesta família. O Sr. Germano tinha grandes
negócios de animais em criação de variável qualidade. Apesar de
sua nacionalidade paraguaia, já sentia-se naturalizado brasileiro.
Em 1915, eu,
Sebastião Quirino de Vasconcelos nos meus 18 anos de idade, filho de
dois velhos fazendeiros de Mato Grosso, Joaquim de Vasconcelos e
minha mãe, Dona Persínia Quirino de Vasconcelos. Meus pais muito me
amavam, por ser eu firme administrador dos nossos bens...
Certo dia então,
meu pai chamou-me e deu-me uma quantia em dinheiro dizendo:
- Meu filho, já
tens um pouco de estudo e melhor seria para nós se não precisasse
sair daqui. Porém, podias ir até Ponta Porá comprar uma partida de
gado e soltar nestas invernadas. Esta é a melhor maneira de empregar
o teu dinheiro. Dizem que na Fazenda Perez, tem um gado sadio e por
bom preço. Sim meu filho, em breve casará e deves desde já cuidar
do teu futuro. Vá meu filho, aproveita estas invernadas.
Três dias depois
destes conselhos, equipei uma tropa de bons animais, com 5 vaqueiros
armados com seus Bacamartes(1) de chumbo grosso. Sim, era muito
perigosa aquela região, infestada de onças traiçoeiras... Levei
também dois Comandantes, peritos em guiar boiadas e um crioulinho
por nome Zeferino, de minha inteira confiança, pois o mesmo fora
criado junto comigo fazendo nos considerar irmãos. Porém, eu era
bem claro e ele pretinho como piche. Levamos cargueiros com
apetrechos de cozinha. Com a bênção dos meus pais, as
recomendações de minha boa mãe, partimos com destino a Ponta Porá.
Gastamos longos 20
dias. Ficamos conhecendo uma porção de lugarejos, onde parávamos
para descansar os animais...
Muitas moças
namorei na minha bela idade.
Então chegamos na
bem formada Fazenda de criações. Ao chegarmos fomos recebidos por
um senhor gordo, de aspecto bonachão. Veio ao nosso encontro dizendo
ser o Sr. Germano. Mandou-nos entrar e deu ordens para nos servir o
jantar. Depois fomos nos sentar na ampla sala de visitas, quando
entrou uma mocinha com belas tranças, em sua graça angelical. O
senhor Germano disse:
- Justininha, minha
filha! Venha até aqui conhecer estes cidadãos. E, apresentando sua
filha, nos disse em seguida: - Esta é a minha filha mais velha; ela,
coitadinha, é muito acanhada e não gosta de festas, não sai de
casa a não ser na casa de sua tia, muito sistemática esta menina.
Todos pegaram sua mão em cumprimento. Porém, ao chegar diante de
mim, olhamo-nos como se já tivéssemos nos visto em outras eras.
Senti arrepios percorrerem todo meu corpo.
Depois de passar
aquelas primeiras horas, o senhor Germano propôs com Dona Guiomar,
que era também uma senhora muito alegre, dizendo:
- Vamos pegar os
instrumentos e cantar até a hora de dormir. Todos apoiamos a boa
idéia. Vieram alguns tocadores, chegaram também algumas mocinhas.
Todos cantavam enquanto os donos da casa, muito alegres, serviam
bebidas, doces, biscoitos...
Passado algum tempo,
ouviu-se uma exclamação do velho fazendeiro ao deparar-se com sua
filha Justininha ali sentada. Sim, pois não era seu costume
permanecer em reuniões daquela espécie. O senhor Germano muito
satisfeito com a transformação de sua filha, disse:
- Justininha agora
vai cantar uma canção oferecida aos viajantes! Ela, muito acanhada,
chegou perto de um violonista e começou:
Meu amor nunca
chega
Eu me canso de
espera
A garça branca
me disse
Que ele não ia
demorar
Papaizinho me
consola
Garça branca vai
buscar
Não é mentira
do papai
Meu amor já vem
pra cá
Todos batemos
palmas. Era uma criança aquela bela criaturinha. Depois pediram que
eu cantasse. Eu que já me sentia todo apaixonado pela bela
Justininha, segurei o violão e comecei:
Morena minha
morena
Morena dos sonhos
meus
Lábios da cor de
verbena(2)
Morena dos olhos
meus
Deus por te fazer
criança
Deu-te entre as
flores mais belas
Dando tua alma de
esperança
O teu olhar de
estrelas
Quero dormir em
teus braços
Aos gozos do
coração
Minha alma assim
não resiste
Com tanta
ingratidão
No mar de tuas
madeixas(3)
Quisera me
naufragar
Teus olhos negros
me matam
De singeleza sem
par
Ao terminar todos
vieram cumprimentar-me e o senhor Germano disse:
- Jovem! Tens uma
bela voz. Acredito mesmo que deixou muitos corações apaixonados...
Hora de dormir,
todos foram se retirando e eu fiquei ali junto de uma fogueira ainda
meio acesa. Cheguei a distrair-me pensando: É verdade. Sempre sonhei
com uma criatura como esta. Sinto mesmo ter matado toda a saudade que
vivia alimentando sem mesmo saber por quem. E, com toda aquela
paixão, continuava com meus pensamentos quando senti a presença de
alguém chegando às minhas costas. Virei-me e qual não foi a minha
surpresa... Ali estava ela com sua saia bem comprida, seus cabelos
soltos a uma echarpe(4).
Senti fraquejar as
pernas. Se não estivesse sentado, por certo teria caído. Ela disse:
- Meu paizito mandou-me vir ter contigo, porque disse que tu és
jovem de bela família e sente-se triste aqui entre nós. Depois com
uma “falinha” angelical continuou: Sabe senhor Sebastião, eu
quero que o senhor cante novamente aquela canção, gostei tanto! E
escondendo seu lindo rostinho perguntou: - Foi para mim que o senhor
cantou? Se foi para mim, recite-a agora, sem música, quero ouvi-la
novamente.
Eu que não tirava
os olhos daquela pequena fada, disse: - Dona Justininha, a senhora
quando cantou, disse que seu amor estava longe, porém já vinha para
ti, é verdade que ele existe e que teu pai bem o conhece?
Responda-me porque eu a amo e quero que seja minha esposa. Ela sorriu
e respondeu:
- Não, não! Eu não
tenho nenhum amor... Sinto uma grande saudade, que eu mesma não sei
de quem, só sei que ele existe e um dia chegará e me levará para
longe daqui. E, virando-se para mim, perguntou: - O senhor vem de
longe, muito longe?
- Sim! (Respondi e
perguntei) – E tu, tens coragem de casar-se comigo e juntos irmos
embora?
- Sim, sim!
(Respondeu ela) – Se és tu o meu amor, casar-me-ei e partirei;
isto é, se papaizito e mamãezita consentirem. (e concluiu) – É
verdade! Tu cantaste para mim. Porém não gostei, porque parecia que
olhavas com ternura para Marinalva, aquela sirigaita(5) que eu não
suporto... E tu também bateu palmas quando cantou a Maura. Sabe? Não
gostei. Fiquei um pouco sem graça, quase com raiva e não quis mais
cantar. Eu que já ia cantar uma canção tão linda para você. (e
concluiu com firmeza) quando você quiser alguma coisa, peça para
mim que eu mesma virei trazer-te. Pode dirigir-se a mim, ouviu? Não
precisas pedir nada as outras moças. Eu mesma o atenderei.
E ao ouvi-la,
pensei: Como é singular esta moça! Cada vez mais me sentia
apaixonado por aquele anjo. Disse-lhe então: - Justininha, nada
quero com estas moças. Estou apaixonado por você e quero casar
contigo se teus pais consentirem. Amanhã irei embora, e marcaremos
um dia para eu voltar e pedir-te em casamento...
Logo depois chegou o
senhor Germano dizendo: - Meu rapaz, estás de parabéns, porque
minha filha bem parecia um bichinho e, no entanto, pelo que vejo
tornou-se sua amiga. Parabéns meu jovem, parabéns.
Sorri como resposta
e fomos dormir.
No outro dia bem
cedo, entramos em negócio do meditado gado, fiz o devido pagamento,
juntei meus empregados e tudo ficou pronto para partir. Na hora da
despedida, fui ter com os velhos. Senhor Germano contou-me então que
tinha muitos anos ali e que sentia vontade de passear um pouco com a
família. Foi então que ofereci nossa casa, ficando marcado assim:
Logo que pudessem iriam passar uns dias conosco em nossa fazenda.
Justininha veio ao curral despedir-se de mim. Disse-lhe que logo eles
conheceriam também os meus pais. Ela saiu chorando e eu senti algo
atravessar minha garganta a sufocar-me. Parti com meu povo, levando o
gado que contava 500 cabeças. Passávamos por outros lugares, porém
eu não tinha mais alegria. Meu coração ficara ao lado da pequena
paraguaia. Os meus companheiros riam-se de mim dizendo: - A paraguaia
parece que prendeu o coração do patrãozinho! Os outros sorrindo
confirmavam: - É verdade, pelo que vemos vai ter festança em breve.
E continuavam brincando comigo.
Na verdade eu já
sentia ânsias de gritar aquele amor que me sufocava o peito. Notei
então, que Zeferino estava como eu. Sentindo vontade de saber a
causa de sua tristeza, fui ter com ele e ficando nós dois a sós,
perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele baixou a cabeça e disse
quase a chorar: - Tiãozinho, é verdade, gostei daquela crioulinha
por nome Tianinha, que foi criada com Dona Guiomar. Não sei Tião,
mas se eu não me casar com ela, morro de paixão. E sei que ela
também morre.
Eu que tudo escutava
fiquei boquiaberto. Resolvi então contar a minha situação pela
linda paraguaia, e animei-lhe dizendo que tudo faria para vê-lo
feliz. Ele ficou tão alegre que agarrando-se ao Bacamarte, mirou ao
alto disparando um tiro de salva ao nosso colóquio. Sob o impacto do
estampido, tivemos tanto susto que quase caímos de costas. Depois
sorrimos ao vê-lo alegre a dizer: - Vou me casar com Tianinha, vou
me casar! Convido a todos para o meu casório...
Depois daquele
descanso, seguimos novamente nossa viagem.
Assim, sofrendo e
brincando chegamos em casa. Minha mãe e meu pai já estavam
preocupados e saudosos. Fizeram grande festa à nossa chegada. Fui
então ter com Martinha, minha antiga namorada a qual muito surpreso
me deixou. Nos meus dois meses de viagem, ela ficara noiva de
outro...
Nos dias mais calmos
eu ia contando aos meus pais tudo o que se passara na viagem, em casa
do senhor Germano e até mesmo como nos tratou o bom senhor. Cheguei
a contar que Zeferino pretendia casar-se com a Tiana, contando mesmo
todos os pormenores. Meus pais ficaram então simpatizando com a tal
família, a ponto de desejar sua visita.
Passara-se um ano e
eu já não tinha paz de espírito, senão pensar na minha bela
paraguaia. Zeferino começava a perder as esperanças. Foi então que
chamei meus pais e pedi que mandassem um portador com um convite ao
senhor Germano para vir passar o Natal conosco. Logo o mesmo partiu e
ficamos à espera. Passados alguns dias, chegou a notícia que
chegava toda a família Perez.
Eu estava em um dos
currais quando quase sem fala, chega Zeferino correndo e agarrado em
meus braços gritava e pulava: - Chegaram! Chegaram! Ela já estava
lá em casa. Saí também correndo. Ao longe já se viam os animais
parados à porta. Foram dias de grandes festas, os velhos ficaram
muito amigos e tudo era alegria. Alguns dias depois foi celebrado o
casamento de Zeferino e Tiana. Um mês depois também o meu. Ela
vestida de noiva parecia o símbolo da pureza, porém os seus ciúmes
eram os mais engraçados possíveis, todos riam dela.
Fomos morar em um
retiro perto da sede da fazenda. Lembro-me bem que já estávamos com
dois meses de casados e em uma das vezes que fomos visitar os meus
pais, lá encontramos umas moças, minhas primas que vieram de
Parnaíba visitar-nos. Justininha, ao vê-las ficou com raiva, dando
suas birrinhas. Tive então que retirar-me dando desculpas, que não
podia ficar ali por motivo de visitar Zeferino. Quando já íamos
saindo minhas primas vieram ao meu encontro pedindo que não fosse.
Porém, Justininha ergueu-se com um gestinho altaneiro e disse:
- Respeite, ouviram?
Ele é meu esposo e quem manda sou eu. Por isso Sinhás Corujas,
cheguem perto pra ver...
Depois, virando-se
para mim falou: - E você, não gostou?
Fui até onde ela
estava, peguei-a nos braços e dei-lhe um beijo, sorrindo daquela
cena.
Sim, meus irmãos,
quando amamos verdadeiramente, quando estamos com nossa alma gêmea,
estamos com a mais doce das mulheres, e em geral aquelas são, aos
nossos olhos as mais divinas e belas, originais! Por este amor
perdoamos tudo, em recompensa do que nos traz. Éramos eternos
namorados, porém seus ciúmes continuavam. Eu bem compreendia, a
ponto de achar graça nos seus tão infantis caprichos. Já estávamos
com cinco meses de casados quando resolvemos passear na casa de minha
tia, onde eu estudara.
Tudo combinado,
partimos. Todos em casa gostaram da idéia.
Com todas as
recomendações dos velhos seguimos em direção à cidade de
Parnaíba. Ao avistar o grande rio senti medo; porém nada disse.
Entramos naquela embarcação, em meio ao rio senti que não
estávamos seguros e segurei em meus braços o meu amor...
Senti a morte;
porém, o resto foi tão repentino que não posso bem descrever.
Depois desta perturbação escutei o grito de Justininha que me
dizia:
- Tiãozinho! Saia
de perto dessa Coruja. E virando-se para uma moça que estava ali
junto, continuou: - Saia de perto do meu esposo, Sinhá Coruja! Ele é
meu esposo, viu?
Vimos então, que a
moça olhava ao longe aquela fatal Chalana(7). Sim, a Chalana que
acabava de afundar nas águas do Parnaíba. Depois escutamos gritos
de desespero... Olhamo-nos e bem compreendemos que não éramos mais
deste mundo exterior. Sim, ali esperamos algum chamado para outras
moradias.
Depois de algum
tempo assistimos quando chegaram os nossos restos mortais. Justininha
tudo reparava e ria achando graça de tudo. Porém, se alguma moça
dizia qualquer coisa a respeito do meu cadáver, ela brigava e dizia
coisas que me faziam rir. Tudo ali era novidade e motivo de riso para
nós. Começava a escurecer e então comecei a temer. Que devia
fazer? Ela parecia um passarinho, continuava junto a mim. Era o que
me preocupava, sua inocência e sua confiança em mim a tirava de
qualquer pensamento mau. Chamei-a e disse:
- Justininha! Somos
Espíritos e o Mundo dos Espíritos me parece ser outro longe daqui.
Vamos pedir a Deus para que nos mande um Guia seu, para bem nos
guiar, pois não sabemos o caminho e temos que chegar até lá.
Ela começou a rezar
a ladainha de Nossa Senhora. Eu sabia apenas a Ave Maria, que minha
tia havia ensinado. Chegou então um Fidalgo(8) que disse chamar-se
Netuno; porém, tivemos medo e não queríamos acompanha-lo e então,
começamos a sofrer de um lado para o outro. De quando em vez, nos
apareciam aqueles Espíritos que mais pareciam bichos(9), vinham
tentando nos agarrar, porém nós começávamos a chamar por Deus e
na mesma hora eles se afastavam.
Já estávamos
cansados de tanta perseguição, quando chegou novamente o Fidalgo e
nos disse:
- Meus filhos!
Sempre fui protetor de vocês e no entanto temem, pois se esqueceram
de mim. Agora, escutem o que vou dizer-lhes... Nisso ia passando um
casal de encarnados e ele então confirmou: - Sim! Vocês são
Espíritos! Vou dar-lhes mais uma prova. Vá Tiãozinho, pegue
Justininha e passem por eles, falou apontando o casal. Sim,
lembro-me, passamos por eles, o casal apenas revelou sentir arrepios
e continuaram caminhando. O período que passamos vagando começara a
nos deixar em dúvidas quanto a termos ou não desencarnado.
Voltamos então ao
nosso Instrutor e o mesmo disse:
- Agora vamos até
onde está aquele pequeno grupo de senhores. Era um grupo de homens
que conversavam animadamente sobre seus negócios materiais.
Passaram-se alguns minutos (nós entre eles) e começaram a sentir-se
mal. Um queixava-se de sua enxaqueca, outro dizia estar sentindo um
grande peso nas costas... Enfim, se foram deixando-nos a sós. Eu
então perguntei a causa daqueles transtornos naqueles senhores, que
antes de nossa chegada pareciam nada sentir. Ele sorriu e nos disse:
- Quando vocês
passaram pelo casal, tanto quanto em meio aos senhores, lhes foram
fornecidos os necessários fluídos(10), força vital. E levando-nos
a um certo lugar(11), continuou: Agora procurem ver o quadro dos seus
feitos...
Foi então que tudo
se clareou para nós. Não tivemos mais medo do nosso Protetor, e
seguimos a um Plano de Readaptação(12).
Passamos então sob
as exigências da Hierarquia Espiritual.
Hoje, após várias
Missões, inclusive em nosso lar(12). Agora aqui estamos, integrados
à Missão do Grande Seta Branca. Somos também Jaguares, junto a
vocês, Mestre Sol e Mestre Lua, Doutrinador e Apará...
Salve Deus.
Com carinho,
A Mãe em Cristo
Jesus.
Almas Gêmeas
Salve Deus!
Meu filho Jaguar:
Através de suas
Faixas Cármicas na longa jornada evolutiva, em qualquer situação
em que não estiverem juntos, haverá sempre uma imensa saudade que
se reflete em cada um dos dois, tornando suas existências
incompletas. Podem amar e ter tudo no Plano Material, mas fica uma
sensação de insatisfação, de não estar completa a felicidade,
que só se realiza quando as duas Almas Gêmeas se reencontram. E
esse reencontro também só as realiza quando ambas estão livres de
seus compromissos cármicos, como veremos mais adiante na história
que Tia Neiva nos contou.
Não temos como
penetrar a Mente Divina e perscrutar os misteriosos desígnios do
Criador, mas, o mecanismo das ALMAS GÊMEAS é poderoso incentivo ao
retorno às origens, ao seio do que é completo, a garantia de que um
dia os Espíritos voltarão à Divindade.
E é muito linda a
jornada das Almas Gêmeas. Como progridem em missões separadas, na
maioria dos casos uma se dedica ao auxílio da outra. Vivem no amor
completo e incondicional. Quantas chegam ao último degrau de sua
Evolução na Terra, mas, como sua outra metade ainda está a
caminho, pedem a graça de poder voltar e ajudar suas Almas Gêmeas.
E é um grande sacrifício este, pois este Planeta é excessivamente
pesado em suas Faixas Vibratórias e um Espírito sofre muito em uma
reencarnação dessas. Mas parte feliz, com esperança, com
dedicação, porque é uma missão de amor.
Para se ter um
exemplo do encontro das Almas Gêmeas e de seus compromissos, vamos
ver a história de um velho Jaguar e Rosa Maria, que Tia Neiva nos
contou em uma aula dominical.
Salve Deus!
Certa vez fui
abordada por um Espírito calmo, tranqüilo, muito bacana mesmo,
desses que você pode ler em sua mente, ver em seu rosto toda a
dignidade, as coisas boas que porta o homem sem frustração.
Honesto, sem essa maneira de querer enganar alguém.
Tive a certeza de
que era um daqueles Espíritos que, conforme a época que estou
passando, Amanto, Umahã ou mesmo Pai Seta Branca, me enviam para
transmitir uma história, uma mensagem.
Aquele Espírito foi
chegando e começou a falar tranqüilamente sobre sua vida.
- Tia – falou –
Eu sou aquele do sonho... Aquele sonho...
Lembrei-me de que já
o encontrara antes e me contara muita coisa. Perguntei:
- Graças a Deus!
Tem mais alguma coisa boa para dar continuidade?
- Sim Tia, tenho.
Tenho o princípio da história da minha vida, que vou lhe contar. Eu
era um homem perverso, um verdadeiro tirano. Sou um Jaguar! Vivi nas
planícies e estive por todas as partes da Terra. Só aprendi tirania
e violência. Não conhecia o Amor. Um dia reencarnei no Império
como Senhor de Engenho.
Sorri lembrando-me
de vocês meus filhos. Esses seus rostos, cada um revelando um
Jaguar, Senhor de Escravos, Senhor de Engenho...
- Fui Senhor de
Escravos – continuou – Mas era muito direito em meus negócios e
procurava aplicar a justiça a meu modo. Fui muito querido pelo
Imperador, chegando mesmo a merecer plena confiança dele.
Constantemente estava no Palácio – E então citou diversos nomes
de políticos, senadores, homens importantes naquela época, com os
quais tinha estreitos laços de amizade.
- Eu era um homem
tão temido que quando chegava em minha Fazenda Tia, uma das melhores
da região, com uma bela mansão, os escravos ficavam temerosos de
mim. Faziam tudo com medo de mim, da punição que era certa se não
agissem conforme minha vontade. Minha família era a mais bonita que
havia. Minha esposa era linda e meus dois filhos, um casal, eram
verdadeiros Príncipes. Enfim Tia, parecia que eu não tinha mais
nada para desejar na vida. Bastava que eu falasse uma coisa e todos
corriam para me atender. Eu fui esse homem Tia Neiva... Tinha tudo,
mas a verdade é que não tinha Amor por nada.
- Esse é o grande
mal – Comentei – Quando não temos Amor no coração filho, a
vida se torna seca, difícil...
- É, Tia, eu era
honesto com minha família, com minha mulher, com meus negócios.
Mas, sentia no íntimo que alguma coisa me faltava. Um dia... – Ele
parou de falar e em seu olhar havia um brilho diferente, quando
continuou com meiguice:
- Tia, a senhora
vive falando sobre as Almas Gêmeas. Pois um dia esbarrei com minha
Alma Gêmea. Interessante Tia, que nunca notara a presença daquela
escrava. Era uma jovem bem clara e naquele dia quando eu me dirigia
ao portão da casa, ela vinha com uma cesta de verduras e não me
viu. Deu um encontrão em mim e as verduras se espalharam pelo chão.
Ela ficou em pânico... Abaixou-se para catar as verduras chorando e
implorando que não a castigasse. Queria até mesmo beijar meus pés
na sua aflição e humildade. Fiquei reparando nela e alguma coisa
despertou no meu íntimo. Senti que ela era diferente. Senti meu
coração se encher de alegria com a presença dela. Então, peguei
sua mão e a ergui, eu mesmo me abaixando e catando as verduras para
recolocá-las na cesta. Ela paralisada pelo medo, me olhava com os
lindos olhos marejados de lágrimas. Balbuciava desculpas e pedia que
eu não a castigasse. Acabei de encher a cesta e me levantei,
encarando aquela linda moça. Trocamos um longo olhar e acho que
consegui transmitir a ela o que eu sentia, de tal forma que ela
pareceu se tranqüilizar, acabando por dar um tímido sorriso. Eu é
que me desculpei por minha falta de atenção, e fiquei parado vendo
aquela figurinha tão querida, sumir entre as plantas do jardim
levando sua cesta.
Desse momento em
diante meus filhos, aquele Jaguar se transformou. Aquele encontro com
sua Alma Gêmea – de que ambos não tinham consciência por estarem
encarnados – despertou no coração dele o Amor. E o Amor
transforma as pessoas. Enquanto caminhava para casa ia pensando no
que havia ocorrido. Sentiu profundo desprezo pela fama que tinha ao
lembrar a aflição de sua querida, o medo de ser castigada por algo
tão banal. Aquela maneira humilde de pedir desculpas... Aquele
olhar... Sim, decidiu que dali para frente não mais seria aquele
tirano.
Em casa, à noite,
não conseguia dormir. Os dias se seguiram e ele ficou isolado sem
falar com ninguém, mal comendo, com o pensamento naquela escrava
adorada, cuja presença ele não havia percebido até aquele dia. Não
entendia o que estava acontecendo... Como podia não ter notado
aquela meiga presença? Ansiava por vê-la e ao mesmo tempo temia
como pudesse reagir a um novo encontro.
Seu comportamento
preocupava a todos. Sua mulher achava mesmo que ele estava
enfeitiçado, tal era a mudança que se operava nele. E um dia
receberam a visita do Imperador.
A azáfama da
recepção quebrou a rotina da Fazenda e até o Jaguar, saiu um pouco
de seus pensamentos para receber o ilustre amigo. E na hora de servir
o chá, quem se apresentou com a bandeja foi a bela escrava. Quando
ela se deparou com o Jaguar começou a tremer tomada de emoção e
desequilibrou a bandeja que caiu, despejando tudo sobre a mesa. A
Sinhazinha que havia com sua percepção sentido a reação dos dois
ao se olharem, ficou furiosa e chamou o Feitor para que retirasse
imediatamente aquela escrava dali e lhe aplicasse terrível castigo.
O Imperador que era muito galante e percebera a escrava encantadora,
pediu que nada fizessem com ela. Era um acidente e pronto. Já tinha
passado, não devia a moça ser castigada. Também o velho Jaguar
interferiu, dizendo ao Feitor que não era preciso levá-la.
Essa reação mais
raiva provocou na Sinhazinha, tomada pelo ciúme, já deduzindo que
aquela bela jovem tinha algo a ver com a modificação que se passara
com o marido. Ordenou ao Feitor que a levasse.
Logo que o Feitor
saiu com ela, empurrando-a com brutalidade, o Jaguar foi atrás e
mandou que ele a soltasse e que ela fosse para junto das outras
escravas na Senzala.
Era a época dos
Nagôs que trabalhavam muito com Espíritos e faziam trabalhos que os
outros diziam que eram feitiços. Por isso a Sinhazinha achou que
finalmente descobrira a causa de tão brusca alteração no
comportamento do marido: Ele fora enfeitiçado por aquela escrava.
Começou a perseguir a moça e o Jaguar percebendo tudo, procurou
solucionar a questão. Arrumou um amigo de confiança e pediu que ele
fizesse uma compra forjada daquela escrava para que ela pudesse
escapar da Sinhazinha.
E assim foi feito.
Comprada a escrava, parecia que tudo voltaria ao normal na Fazenda. O
próprio Jaguar insistira para que ela fosse vendida, dizendo que já
não agüentava ver à sua frente aquela mulher que tanta vergonha os
haviam feito passar diante do Imperador...
Mas o que não
sabiam é que o Senhor da Fazenda arranjara um sítio solitário e
escondido onde a bela escrava foi se ocultar. E uma vez ali
instalada, longe das garras da Sinhazinha, aquelas duas Almas Gêmeas
puderam construir um pequeno mundo. Passaram a se encontrar e sempre
que possível, o Sinhozinho corria a ver a sua amada.
O Amor das Almas
Gêmeas é uma coisa sublime, muito lindo, pois nunca pode se erguer
sobre as ruínas dos outros. Para a plena realização torna-se
necessário que ambos estejam livres de compromissos. Mas o
Sinhozinho tinha a família e, então, era preciso que acontecesse um
verdadeiro milagre – como eles mesmo diziam – para que ele
pudesse se libertar. A esposa, os filhos ainda pequenos,
representavam uma verdadeira barreira para a plena vida daquele Amor.
O respeito da moça
– que se chamava Rosa Maria – pelas responsabilidades do Jaguar,
mantinha a harmonia daquele romance sem criar sofrimentos.
O tempo passou. Os
filhos do Sinhozinho já mais crescidos foram estudar em Portugal. E
naquele mundo de encantamento das duas Almas Gêmeas, teve início o
último reajuste pelo qual deveriam passar para se libertarem
totalmente. Lembrem-se meus filhos, que só retornamos às origens
quando nada mais nos resta a resgatar. Vejam o exemplo de Aragana,
que viu aquele cobrador a urrar de ódio, e submeteu-se a um
julgamento para libertá-lo, a fim de que pudesse tranqüilamente
voltar à origem.
Havia uma conta do
passado. E para resgatar essa dívida, Rosa Maria concebeu um filho
que seria aquele Espírito reencarnado para se reajustar com ambos.
Mas, o fato de ficar grávida envergonhou tanto Rosa Maria perante o
Jaguar, que ela perdeu o encanto pela vida. Achava que aquilo era uma
falta de respeito para com seu amado, gerando uma responsabilidade
que ele não tinha condições de assumir.
É que encarnados
não se lembravam dos compromissos assumidos no espaço. Aquilo tudo
havia sido tramado com eles no espaço, sob os desígnios da Lei de
Deus, que lhes fornecia aquela oportunidade de resgatarem sua última
dívida. Porque as Almas Gêmeas só se realizam quando nada mais
devem, quando não têm mais qualquer obsessor e quando já
atravessaram suas faixas cármicas positivas e negativas e podem,
assim, retornar juntas às origens. Porque é muito bonito meus
filhos, ver o trabalho das Almas Gêmeas. Uma ajudando a outra a
evoluir e a se libertar. Quantas já não precisavam mais retornar à
Terra, mas como estão mais evoluídas que a sua Alma Gêmea,
reencarnam e sofrem para ajudar aquela a subir o degrau. Sempre com
dedicação, com Amor. Uma beleza...
Mas, sem consciência
de suas tramas no espaço, Rosa Maria sofreu com a situação, até
dar à luz uma bela criança. Um menino clarinho, louro, com lindos
olhos azuis. O nascimento do menino modificou a sintonia do casal.
Rosa Maria passou a viver mais feliz e ambos se dedicavam com grande
Amor àquela criança. Aquele Amor ia resgatando a dívida com aquele
Espírito.
O menino crescia e o
Sinhozinho estava totalmente modificado. Pela realização de seu
Amor, pela sintonia com Rosa Maria, pelo tesouro que o menino
representava em suas vidas, ele se transformara em um homem bondoso e
amável. Tão bom que todos que o conheceram antes se admiravam.
Havia mandado embora de sua Fazenda o malvado Feitor, aquele homem
feroz que castigava e surrava os escravos e, tudo era administrado
com Amor.
Isso é que eu gosto
de mostrar a vocês meus filhos. O Amor é uma força poderosa,
bendita, que não deixa que se possa fazer mal aos outros ou ferir
alguém. Quando se ama, mas se ama realmente, a gente ama todo mundo.
É filhos, o mundo inteiro a gente ama. Não sei quantos de vocês já
puderam sentir isso, ter a oportunidade de viver um Amor assim, um
Amor de respeito, um Amor que a gente respeita, que a gente sente
realmente estar muito acima dessas baixezas... Duas pessoas que
sentem um Amor verdadeiro, sabem se entender à distância, se falam
no silêncio, se harmonizam a cada momento de suas vidas. Este é o
Amor das Almas Gêmeas!
Muitos me falam que
encontraram sua Alma Gêmea. Eu concordo, pois não quero causar
tristeza. Mas, o Amor das Almas Gêmeas transforma as pessoas. Elas
ficam boas, não pensam em fazer mal à sua família, não pensam em
fazer mal aos outros, não desrespeitam a família. A primeira coisa
que fazem é passar a amar também os outros, principalmente os
filhos, mesmo que sejam fruto de ligações com outras pessoas.
Acho lindo o Amor
das Almas Gêmeas no espaço. Têm a mesma paixão, a mesma vida como
temos aqui. Muitas tiveram filhos na Terra e os buscam para,
reunidos, viverem juntos em suas mansões do espaço. São tão
felizes e se realizam tanto com seu Amor, que buscam levar a
felicidade aos outros. Com essa intenção, protegidos pela vibração
desse Amor tão puro, penetram naqueles pântanos sombrios,
arrebatando das trevas muitos Espíritos que por ali se debatem.
Vejam o exemplo
desse velho Jaguar: Era um tirano – e ele me mostrou muitas das
barbaridades que havia cometido – e temido por todos. Um dia – um
simples olhar modificou tudo. Pelo esclarecimento dos dois tudo se
transformou, e ele se tornou tão bom que até mesmo no Palácio do
Imperador se comentava o milagre de sua modificação.
A felicidade do
encontro das Almas Gêmeas aqui na Terra, reside no fato de não
terem compromisso com outras pessoas. Elas se encontram, se amam
verdadeiramente, mas não podem desfazer os laços cármicos, seus
laços transcendentais. Apenas porque se encontram, porque se amam,
não podem abandonar seus lares.
E isso é o que
havia acontecido com aqueles dois: tinham vindo apenas para resgatar
aquela dívida, libertar aquele Espírito que estava encarnado como o
filho dos dois.
Mas a Lei de Causa e
Efeito sempre está em vigor. E um velho chamado Gregório, que muito
havia sofrido naquela Fazenda a mando do Sinhozinho, soube da
existência daquela criança e descobriu toda a situação.
Impulsionado pelo desejo de vingança correu a contar tudo para a
Sinhazinha. Não poupou detalhes malvados e aumentou muito as coisas,
para fazer sofrer o mais que pudesse aquele que o tinham castigado um
dia.
Atenção meus
filhos! Temos visto muitos “Gregorinhos” e “Gregorinhas” por
aí, sempre contando novidades – maior parte mentiras! Espalhando o
ódio e a desconfiança entre esposa e marido, desfazendo lares,
gerando desequilíbrios. Isso é muito perigoso. Quantos ao chegarem
no dia de prestar contas vão verificar que com suas línguas,
cortaram o carma de outras pessoas e não poderão pôr a culpa em
ninguém, senão em si próprios, no seu coração ainda em
evolução...
A Sinhazinha,
enlouquecida pelo ódio e pelo ciúme por tudo que ouvira de
Gregório, tramou em segredo a destruição de Rosa Maria e do
menino. Aproveitando-se do ódio que o malvado Feitor nutria por ter
sido despedido pelo Sinhozinho, conseguiu induzi-lo a realizar seu
plano. Um dia, quando o Sinhozinho teve que ir ao Palácio ver o
Imperador, o Feitor raptou Rosa Maria e o filho, levou-os para um
local ermo, e ali os executou ocultando os corpos. Ninguém vira essa
ação criminosa, de modo que quando o Sinhozinho voltou e foi
correndo ao seu ninho de Amor, não encontrou sua amada nem o filho,
nem qualquer orientação sobre o destino daqueles dois seres tão
queridos. Também pelas redondezas, ninguém sabia informar o que
teria acontecido.
Desesperado,
continuou buscando-os por muito tempo, sem descobrir o que houvera.
Mesmo mergulhado na dor e na aflição, a bondade daquele Jaguar
superou suas forças. Continuou a ser bom e caridoso e testado por
Deus, que quis saber até onde ia sua paciência, superou todo o seu
desespero e completou sua missão na Terra, com aquela força bendita
que o Amor lhe dera.
Sua jornada ainda
continuou muitos anos. Na solidão, chorava a ausência de sua amada.
Muitas noites quando mergulhava em seus pensamentos, vinha-lhe a
certeza de que sua esposa tinha muito o que ver com aquele
desaparecimento misterioso. Também não sentia ódio ou desejo de
vingança. Lembrava-se de que Rosa Maria sempre lhe dizia, que
chegaria um dia em que morreriam e poderiam ficar juntos para sempre,
no céu. Mas, se ele fizesse alguma maldade, não seria possível o
encontro, pois Deus não permitiria que gente ruim entrasse no céu.
Ele lembrava dos olhos de Rosa Maria. Quando falava essas coisas,
ficava brilhando como estrelas, como se tivesse certeza do que
falava, como se o amor deles só pudesse atingir toda a plenitude
depois que tivessem deixado essa vida. E porque a amava, tinha
confiança nela e achava que o único meio de tornar a encontrá-la,
seria manter-se acima do mal. Mas a dor da ausência de Rosa Maria
tornara-o triste, e a vida era quase mecânica. Seu coração
sangrava de saudade. Tornou-se Espiritualista. Continuou acompanhando
sua esposa sem demonstrar sua desconfiança, mas a vida já não
tinha mais prazer. Só existia para ele a lembrança daquele Amor.
Muitas coisas
enfrentou até o dia de sua morte. Contou diversas passagens, e me
admirei com a fibra daquele Jaguar. Era uma época terrível aquela.
Muitos Espíritos haviam encarnado na Terra na missão de
Evangelizar. Alguns mesmo vinham preparados para domar como se fossem
animais, aqueles Espíritos de Imperadores, Centuriões, vestindo
roupagens de Pretos Velhos e Escravos. Aquele Jaguar havia sido
diferente. Morreu purificado pelo Amor, por suas boas ações, e sua
câmara mortuária foi perfumada pelos Pretos Velhos, a quem vivia
pedindo perdão pelos males causados outrora.
Pouco antes de
morrer, soube de toda a trama da esposa, o triste fim que tinham tido
seus amados. Mandou chamar Gregório e fez com que ele visse o punhal
que atravessou em seu coração. Mesmo assim, perdoou-lhe e ainda
arranjou meios de ajudar ao velho que tanto mal lhe causara.
Há muitas passagens
lindas nessa história. Houve até o caso de uma aparição de Jesus
ao sofrido Jaguar. Um dia contarei!
Quando desencarnou,
Rosa Maria veio recebê-lo. É muito grande a felicidade do
reencontro de duas Almas Gêmeas, preparado pelos Mentores. Pensavam
que havia chegado o momento de seguirem a linda caminhada para a
origem. Mas, ainda não era a hora. Havia permanecido aquele Espírito
cobrador, do filho deles, que o ciúme da Sinhazinha não deixara
realizar a missão do reajuste.
Era preciso reparar
o destino daquela criança, que por culpa deles havia nascido em tão
tristes circunstâncias. Era responsabilidade do Jaguar, que devia
ter tomado as providências para evitar aquela gestação que o
respeito impunha, pois não haveria condições para criar um filho.
Com isso, ele criara uma responsabilidade a mais e teria que voltar à
Terra para cumprir sua última missão.
Após o feliz
encontro, Rosa Maria ficou triste sabendo que ainda teriam que
esperar a conclusão dessa missão para poderem ir para a origem.
Preocupava-se com seu amado, incerta sobre as condições dele para
enfrentar mais essa prova. Ele fora um tirano, mas o Amor mudara
completamente seu Espírito por saber Amar. Mas fora a presença de
Rosa Maria que o havia despertado para o Amor. Agora ela não viria à
Terra, como agiria ele?
Tudo foi preparado
no espaço e quando chegou o momento, o Jaguar despediu-se de Rosa
Maria e, triste pela separação se encaminhou para o sono cultural.
Quando o Espírito
vai reencarnar, meus filhos, é uma tristeza maior do que a morte
aqui na Terra. Ele vai partir para uma missão da qual tem
consciência, sabe da responsabilidade e, corajosamente se entrega ao
sono cultural, que vai apagar de sua consciência toda a memória
transcendental, preparando-o para ser colocado no feto e nascer na
Terra.
E o velho Jaguar, o
velho Senhor de escravos, parte em busca do seu filho, o lindo menino
louro de olhos azuis.
Mas Deus não diz
para você que será tudo “bonitinho” nem os Mentores resolvem
que será tudo fácil. Não! Ele por exemplo, iria voltar à Terra e
desposar uma mulher que seria aquele mesmo Espírito da Sinhazinha –
mau a ponto de mandar matar uma criança – e em meio a muitas
provações e dificuldades, deveria salvar seu filho, Espírito que
até aquele instante não perdoara a ele nem a Rosa Maria.
Na Terra o início
foi relativamente fácil. Casou-se (com aquela que havia sido a
Sinhazinha) e teve alguns filhos. Mas, esquecido dos planos do espaço
pelo efeito do sono cultural, não entendia o vazio que sentia.
Faltava alguma coisa que não identificava, para sua vida fazê-lo
feliz, realizado. Perguntava a si mesmo porque aquela paixão pelas
pessoas, pelas coisas, aquela insatisfação permanente. E o
desespero começava a tomar conta de seus pensamentos, nas horas em
que estava sozinho.
Foi quando nasceu um
novo filho, um menino debilitado, com um aleijão na perna e que mais
tarde quando começou a falar tinha dificuldades em se expressar, um
pouco mais moreno do que os demais irmãos e, que o fez sentir algo
estranho. Quando pegava o menino no colo, sentia um arrepio, uma
sensação que não identificava, mas sabia ser de repulsão àquela
criança. A mãe do menino também demonstrava total intolerância e
até mesmo desprezo pelo pequenino. Vendo essa reação de ambos, o
Jaguar superou tudo e passou a amar mais àquele filho do que aos
demais. Também a criança ficou num grande agarramento com o pai.
Em seus sonhos o
Jaguar se encontrava com uma moça muito bonita – Rosa Maria –
que lhe falava na força do Amor, e pedia que ele sempre tivesse
esperança em seu coração.
Sempre protegendo a
criança do ódio da mãe e do desprezo dos irmãos, o Jaguar
prosseguiu em sua missão. Ficou seriamente doente e o filho mais
novo não se separava dele. Ficava ali atento ao que fosse preciso,
dando-lhe água, remédio, preso pelos laços de uma profunda
afeição.
Uma noite
profundamente enfraquecido, estado em que se fica mais próximo da
Espiritualidade, foi levado por aquela mulher de seus sonhos até uma
casa onde havia uma criança. Esta estava muito mal, já para morrer.
Os pais ali perto choravam a morte do filho, já não tendo mais nada
a fazer. A criança com os olhos fechados parecia estar sofrendo
muito. O Espírito do Jaguar ficou preso àquele quadro e se
aproximou da criança que, abrindo os olhos percebeu a imagem do
Jaguar e exclamou: “Papai!”.
Os pais se
alvoroçaram, e o pai abraçou a criança certo de sua melhora, pois
ouvira o chamado. Mas o Espírito do Jaguar percebeu emocionado quem
era a criança, quando vira aqueles olhinhos azuis e sabia a quem ela
chamara de pai. Sim, aquele era o seu filho, a quem buscava para
resgatar suas dívidas do passado.
Mas, teve que
retornar ao corpo e sua memória apagou-se quase totalmente. Ficou
uma lembrança do menino, mas em sua fraqueza não sabia separar bem
os fatos. Seu estado piorou e começou a delirar, falando de um
menino louro de olhos azuis que era seu filho, que ele tinha que
encontrar. Suas palavras não eram entendidas pela mulher e pelos
filhos, que achavam ser tudo fruto de sua delicada situação de
saúde.
Finalmente o mal
começou a ser debelado, e ele teve a fase de recuperação povoada
pela lembrança daquela criança. Irritado por não ser entendido
pelos outros, criara em sua cabeça a necessidade de encontrar aquele
menino, que ele sabia existir em algum lugar.
Já recuperado
começou a andar pela cidade. Assim fazia um exercício e atendia à
sua ânsia de descobrir a criança.
Andava certa vez
pela beira do cais, quando o choro de uma criança chegou até ele.
Curioso aproximou-se
de uma pobre casa de onde parecia vir aquele choro convulso. Um
vizinho estava por ali e ele perguntou o que fazia aquela criança
chorar tanto.
- É uma triste
história – disse o vizinho – O pai desse menino trabalhava
naquele navio ali e saiu com a esposa para dar um passeio de barco. O
barco virou e os dois morreram. Restou o filho que está ai com esses
parentes, mas, desde então chora como se nada o pudesse fazer
calar...
Bateu à porta do
casebre e uma pobre mulher o atendeu. Pediu para conhecer o pequeno
órfão e entrou. Pôde ver então aquele menino por quem tanto
buscava, por quem seu coração ansiava loucamente, chorando. Aquela
linda criança loura com os olhos azuis...
Emocionado, pediu
àquela gente que o deixasse levar o menino para cuidar dele. Foi
atendido prontamente, pois os parentes estavam loucos para se verem
livres daquele choro angustiado, e seria menos uma boca para
alimentar.
Chegou feliz à sua
casa. No trajeto para lá a criança se calara e aconchegara-se a ele
como se estivesse acostumada com o seu colo. Sentindo-o em seus
braços, o velho Jaguar sentia que amava muito aquele pequeno Ser. Um
amor muito maior do que o que nutria por qualquer de seus filhos, até
pelo mais novo.
Começou uma nova
fase de complicações. Os laços de amizade tão profundos entre o
Jaguar e aquela criança abandonada haviam despertado a inveja e o
ciúme da família. A hostilidade da esposa – que na outra
encarnação mandara executar o menino – era para com os dois. O
tempo foi passando, e cada vez mais estreita era a amizade entre o
Jaguar e o menino.
Mas o grau de
maldade da esposa era tanto, um Espírito que não se abria para o
amor, e assim, não evoluía e esperava uma oportunidade para se
vingar daquela criança. E quando o esposo precisou ausentar-se um
pouco mais demoradamente de casa, pegou o menino e o colocou para
fora de casa. A pobre criança já com sete anos, não pode fazer
nada senão afastar-se triste daquela casa, onde estava alguém que
lhe era muito caro.
Retornando e não
encontrando o menino, o Jaguar forçou a esposa a dizer o que havia
feito. Ela confessou que havia mandado embora aquele estranho e não
permitiria que voltasse.
Ele saiu em busca do
menino e teve um palpite que poderia encontrá-lo onde o fora buscar
– na beira do cais. Correu para lá e viu o garoto sentado, olhando
o mar com o queixo apoiado na mão, como se aguardasse alguém.
Alegre pelo encontro
chamou o menino. Este assustou-se com o chamado e levantou rápido de
onde estava, virando-se para ver seu querido benfeitor. Mas, agitando
os braços perdeu o equilíbrio e caiu do cais, naquele local cheio
de pedras, madeirame e ferros batidos pelas ondas do mar.
Desesperado, o velho
Jaguar correu e pulou na água. Diversas pessoas que estavam por ali
tentaram ajudar, mas o destino havia marcado aquele desenlace.
Morreram ali, pai e filho, tragados pelo mar.
Esse é o destino do
homem meus filhos! Muitas vezes temos uma tristeza muito grande sem
saber porquê. Muitas vezes o homem se casa e tem por obrigação
honrar aquele casamento, os filhos que dele nascem, mas em seu íntimo
não está feliz. Porém, existe uma responsabilidade maior: o
destino cármico. Ninguém pode ser feliz, feliz mesmo, se não
terminar a sua missão, se não libertar seus cobradores.
Imaginem que aquele
filho mais novo, moreno, do casal, era o Espírito do velho Gregório,
que apesar de seus defeitos físicos, amou muito aquele a quem tanto
mal fizera e por ele foi amado. Foi aquela mulher que tanto mal
fizera que o recebeu no ventre e, pela bênção de Deus o criou com
cuidados, mas sem amor. Mas Gregório conseguiu resgatar suas faltas,
pelo amor daquele a quem tanto fizera sofrer.
E no desenlace da
história, quando o homem e o menino desencarnaram no mar, seus
Espíritos se reencontraram com Rosa Maria e juntos, felizes, foram
para sua origem.
E a Sinhazinha que
voltara agora como uma simples dona de casa, não evoluiu, não
aproveitou a chance que lhe foi dada, e nada fez de bom. Então, seu
sofrimento será grande. Deverá voltar várias vezes, para subir
seus degraus na Evolução.
Mesmo assim, ela foi
objeto da ajuda dos Espíritos do Jaguar e de Rosa Maria, que
entenderam que tudo que ela havia cometido servira como degrau para a
libertação deles, através da Evolução. Na realidade, fora a
Sinhazinha que preparara a subida dessas Almas Gêmeas.
Por isso, jamais
devemos nos queixar de Deus. Ele nos dá tudo, nos proporciona os
meios para nossa libertação. O conhecimento, a consciência, é que
nos impulsionam no caminho certo. Ele nos dá força antes de
chegarmos aqui e, chegamos preparados para cumprir nossa missão. É
errado só se desejar coisas boas e reclamá-las de Deus. Pelo
sofrimento, conseguimos nossa libertação, nossa Evolução. Nem
Deus, nem nossos Mentores, nos seguram para que possamos subir os
degraus de nossa jornada. Temos que caminhar por nós mesmos, com
nossas próprias pernas. Deus nos dá tudo...
Salve Deus!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
As Vidas do
Lenhador
Salve Deus!
Meus filhos:
Este é um exemplo
vivo do que tanto precisam e que me serviu – e vem servindo – a
vida inteira. Condicionados, nós nos esquecemos do nosso
relacionamento eterno com Deus...
Sim, porque ao homem
condicionado muito pouco podemos fazer na Doutrina. É tão grande a
sua indiferença às coisas deste Universo, que então todo o Sistema
Espiritual, principalmente se ele desfrutar de saúde e cultura, vive
e sofre para contestar o Espírito da Verdade. Ele enche seu ambiente
com seus maus pensamentos, tornando mais triste este mundo.
Esta espécie de
homem vamos encontrar no LENHADOR. Junto a ele encontraremos os que
se julgam em liberdade. Veremos também, que os mesmos não passam de
cativos da ignorância e da desventura: são os ENCOURAÇADOS dos
poderes da Terra. E assim, vamos prosseguir nossa história.
O dia começava a
raiar na Terra, quando me encontrei na Mansão dos Encouraçados. Vi
gente que entrava e saía, como se fosse uma rodoviária. Nisso,
passou alguém que me chamou a atenção: o LENHADOR – um homem de
aspecto cansado. Ouvi quando Amanto disse bem alto:
- Este homem tem um
lindo exemplo a contar. Sua história alcança muitos séculos.
Ouvindo como eu a
narração de Amanto, ele se virou e batendo a mão em meu ombro foi
me arrastando dali.
Meio surpresa o
acompanhei, e ele começou sua narrativa:
Veja minha irmã, o
perigo das manias entusiastas: elas são contagiosas e ninguém se
inclina impunemente à beira do abismo da demência. Aqui está uma
coisa horrível que vou contar.
Então, meio
desconfigurado começou a levantar a pedra de seu sepulcro, dizendo:
Antes vamos
agradecer a Deus, a força e a maneira como aceitamos os desígnios
de nossa evolução na lei imutável do carma. Sim, a Lei de Deus nos
faculta que tenhamos cultura nos recursos de nossa inteligência, mas
esperando, fica a nos proteger em nossas dificuldades, pelo atraso de
saber e não fazer. Como é fácil de anotar na Individualidade, o
que criamos na Terra pela ânsia de fazer sem saber. Às vezes,
adiantamos tanto uma Doutrina e não sabemos expressar o nosso Amor.
Minha querida Tia
Neiva, tudo começou assim: eu estava na Terra e em uma linda manhã
de sol, saí para o campo para ali receber os seus raios, pois
precisava me aquecer. Porém, a Natureza mais uma vez me pregou uma
peça. O tempo mudou e em vez do sol veio um terrível temporal que
me obrigou a sair correndo de volta para casa.
Oh, meu Deus! Como
sofro ao lembrar, mesmo agora, depois de longos quatro séculos. As
árvores dobravam suas copas até o chão. Mal cheguei ao portão,
ouvi alguém que gemia pedindo para entrar. Era uma jovem que mal
enxergando a luz com seus negros olhos, queria também atravessar o
portão. Ouvi ao longe os gritos da Condessa, minha esposa, e num
gesto de cuidados não deixei entrar aquela jovem, porque sabia que
não seria compreendido por Nice, minha querida esposa. Também não
disse a ela nada sobre a jovem.
O temporal
prosseguiu como um furacão, causando destruições naquelas
imediações.
No outro dia sucedeu
o que sempre sucede aos covardes e egoístas: os criados aflitos
contavam o desespero de um triste pai que encontrara morta a sua
filha nas imediações do meu Castelo. A jovem havia morrido de frio
e medo...
Era uma família de
Fidalgos que morava ali perto da minha Província. É difícil
descrever a dor que senti diante de um quadro tão culposo para mim.
Não tinha coragem de contar a ninguém a minha imensa covardia.
Dois anos depois,
Nice me deu uma linda filha, que ia crescendo e me fazia lembrar
ainda mais aquele olhar suplicante da pequena Fidalga.
Tudo se passou,
chegando eu a fazer um bom relacionamento com os Fidalgos. Por fim,
Nice morreu quando ia dar à luz uma outra linda menina.
Passei meus dias
sozinho naquele imenso Castelo, procurando me intelectualizar ao
máximo, já que nada tinha para fazer. Os criados tinham uma espécie
de compaixão por me verem tão só. Porém, um certo dia estava a me
martirizar de dores, quando ouvi a porta do quarto ranger como se
fosse abrir e, me apareceu a figurinha de Nice, que em um relance me
disse:
- Venha... Venha...
Chegou o seu tempo!
Assustado quis
segurá-la, mas ela já desaparecia. Gritei por seu nome tão alto
que os criados vieram ao meu encontro. Eu estava ardendo de febre. Vi
os criados a correrem, porém não sentia interesse em perguntar
nada. Fui ficando leve e desaparecendo daquele local, sentindo que
uma corrente muito forte tomava conta de mim. Sem visão,
absolutamente sem nada e... sem esperanças.
Minha Tia Neiva, só
Deus sabe as dificuldades que o sentido emocional provoca em nossa
alma.
Sim, porque a
matéria sem sintonia com a alma fica em desajuste, fica dispersa e
passa a ser uma ENERGIA ESPARSA, sem contato do Etérico.
- Um homem, simples
homem. É a hora de minha morte!...
Ouvia o movimento
dos criados, do médico e, por fim, passei a sentir como se levitasse
num crepúsculo, em um balé de luzes que acendiam e apagavam. Vi meu
pai e minha mãe se despedindo de mim e já em minhas agonias
pensava:
- Como? Se eles já
morreram e eu estou também morrendo?
Oh, meus paizinhos
queridos! Logo estaremos juntos! Nisso chegou minha Nice e me foi
levando pela mão. Senti uma dor atroz no coração. Então ouvia a
voz de Bruno, meu mordomo:
- Pobre Conde! Fez
sua passagem. Como sofreu o meu querido patrão.
Ouvi também o choro
dos criados.
Oh, fenômeno! Oh,
meu Deus! Sentia que toda a matéria até então organizada, começava
a representar uma modalidade de energia esparsa, que ia me definindo
em outra situação, em outra condição de homem. Porém a mente era
lúcida, cada vez mais lúcida. Minha cabeça rodava, rodava e,
finalmente entrei num novo estágio: formou-se outra atmosfera. Um
terrível zumbido, como se meus ouvidos fossem arrebentar e a
transformação incompatível se fez em uma dor, também
incomparável, porém muito rápida. Foi então que me senti do outro
lado da vida.
- Dor? – Perguntei
– Por quê dor? Se eu estava morto, se já havia feito a
passagem...
Sim Tia Neiva, é o
que me pareceu. Porém, o deslocamento do PLEXO FÍSICO, o impacto da
energia compactada à corrente etero-magnética é uma dor física
tão grande que não tem qualificativos. Inclusive, fica no nosso
subconsciente a ponto de muitas vezes, por maior que seja o
desespero, temos medo de morrer. É a razão deste tamanho medo da
morte.
Dali parti para um
novo e desconhecido mundo. Só – mais uma vez, só...
Ouvia agora vozes no
meu novo mundo, como se fossem me instruir para mais outra
experiência.
- Seja o que Deus
quiser – pensava sempre comigo e assim fui me libertando dos meus
defeitos.
No terceiro dia
levantei a vista, e vi ao longe um lindo Castelo. Então parti para
lá como se fosse a minha única salvação. E qual não foi minha
dor!... Ao chegar ao portão ouvi os gritos de Nice dizendo:
- Venha! Venha meu
amor! Venha me salvar...
Comecei e andar no
interior do Castelo enquanto seus gritos iam se distanciando. Oh, meu
Deus! Já estava cansado quando ouvi uma voz que me alertou:
- Conde Lepant!
Estás a seguir tua própria consciência. Nice já passou por aqui
faz dez anos.
- Oh! – Gritei –
Onde estou?
- Estás sob o jugo
de sua consciência, já disse.
- Consciência? Não
me lembro de nada. Diga-me onde estou.
- Em Pedra Branca,
no exílio dos mortos da Terra. Daqui partirás. Partirás para uma
nova vida. Os teus pensamentos o levarão a mundos que a tua
percepção ainda não atingiu. Procura estar atento ao Comando
Universal, porque estás completando o teu Retiro e dentro de algumas
horas partirás para a Terra.
- Como? Eu venho de
lá e não deixei ninguém a me esperar...
- Sim. Deixastes os
teus criados e terás portanto de voltar à Terra.
Não sei por quanto
tempo ouvi a mesma voz. A cada hora me sentia mais lúcido. O fato é
que não sei porque tinha saudades de uma certa harmonia que
penetrava em meu nariz, em minha boca e nos meus poros.
Sim, não sei mais
por quanto tempo. Lembro-me somente de ter ouvido, como se fosse uma
melodia o Guia Universal dizer:
- Passageiros da
Terra: fiquem alertas para voltar. Já completaram o seu Retiro.
Comecei a ter medo
do que até então não tivera. Para onde iria? Enquanto pensava fui
atraído por um impulso vindo a descortinar uma grande rodoviária,
onde pessoas teleguiadas tomavam os seus rumos. Eu também segui o
meu sem qualquer percepção do meu destino. E qual não foi minha
surpresa: Uma compreensão muito grande e, em fração de segundos
estava em frente ao meu Castelo. Quem sabe o que estava acontecendo?
Meu Deus! Entrei como se estivesse VIVO, porém sem sentir as
anormalidades do corpo. Agora era tudo diferente. Leve... leve...
como se estivesse em um corpo de pluma.
O Castelo cheio de
parentes, meu procurador e demais pessoas. Como é horrível Tia
Neiva, ver pessoas estranhas violarem os nossos objetos. É realmente
terrível.
Tentei sentar-me à
minha mesa. Porém um grupo que saiu do corredor tomou toda a mesa.
Nisso o meu procurador começou a ler o testamento que eu havia
deixado.
Deixara uma grande
parte para Janete, a Governanta, e para Bruno, meu Mordomo, meus
criados queridos.
Quando foi lido o
nome de Janete, ouvi seu choro convulsivo e corri para atendê-la.
Meu gesto a comoveu e eu – pobre de mim – debrucei sobre o seu
corpo e ouvia o meu som a dizer o que bem precisava...
Nisto, ouvi a voz
que dizia:
- Chega Lepant! Sua
hora está chegada. Vamos. Temos muito o que fazer. Uma nova vida!
Era Germano, o meu
Guia Espiritual.
Saí dali sem saber
como terminara o meu inventário e também não me preocupei.
Uma linda Chalana me
esperava e saí sem pensar em nada. Se alguém perguntou o meu nome?
Não saberia dizer.
Nuvens espessas
cobriam o aparelho. Então, um novo mundo se descortinou em mim:
RESSURREIÇÃO. Ressurreição! Gritei diante daquele quadro que se
apresentava em frente aos meus olhos.
Oh, Deus Todo
Poderoso! Saí de um mundo e entrei em outro. De repente, comecei a
raciocinar: Como seria minha vida? Nice, minha Nice, onde deverá
estar neste momento neste Universo tão imenso? Comecei a ter medo.
Medo do que eu não conhecia... Sim, não sei porque, mas aquela
beleza me dava medo.
Oh, que saudades de
minha Nice!
Por fim, o aparelho
parou diante de um enorme hospital, onde havia um letreiro: CASA
TRANSITÓRIA DE FABIANO.
Oh, meu Deus!
Desembarquei sem ninguém mandar. Porém, no interior do hospital,
encontrei um amigo: Lafaiete.
- Oh, Lepant. Como
vai?
Porque estava ali,
não sei.
- Você me dá
notícias de Nice, minha esposa?
- Ela passou por
aqui, há dez anos. Não tenho nenhum roteiro.
Nisto alguém
chamou:
- Lepant! Venha para
esta sala que a tua família espera.
Oh, meu Deus!
Cheguei e encontrei uma enorme tela que me assustou. Sentamos –
Eram muitos – e começou a grande prova para mim. Eu que até então
pensava ter entrado no esquecimento... Germano puxou uma alavanca, e
tudo começou: eram 10 horas da manhã na Mansão dos Lepant, quando
um lindo casal deixava os portões do Castelo e as flores se
misturavam com as cores do rosado vestido da Condesinha, minha Nice e
seu irmão Roberto, um terrível jogador que acabara com a fortuna do
Conde meu sogro. Em resumo: Nice por amor a seu irmão roubava
dinheiro do meu cofre, ou melhor, do nosso cofre, e pagava as contas
de seu irmão, inclusive com sorrisos e insinuações ao lado do
terrível cobrador.
Comecei a me lembrar
de sua rápida enfermidade, dos desencontros e de nossos reajustes.
Comecei a ver seu romantismo, o mundo de onde eu viera.
Oh, meu Deus! –
Pensava. Como? No entanto, eu deixara morrer a pobrezinha de frio e
medo, para não melindrá-la. Distraído em minha dor comecei a ouvir
a voz do meu Mentor amigo:
- Chega por hoje.
Veja como sofrem os que passam na Terra sem nada fazer. Nunca fostes
saber o que acontecia em seus arredores. Bruno e Janete foram seus
legítimos pais. Pediram a Deus esta oportunidade de serem seus
criados, para resgatar uma velha dívida que contraíram outrora com
você.
- Oh, meu Deus! Como
fui tolo! – disse eu na força da expressão, lembrando do olhar
carinhoso de Janete e de Bruno.
Após breve
silêncio, Germano continuou:
- Salve Deus! Agora
vamos ouvir o Rosário de Salmos, que é o Canto da Energia Imortal.
Venha ver quem realmente se venera neste recanto de Amor e Paz.
Fizeste na Terra aquele rico Castelo, sem suor do teu rosto e sim
pelo ouro pesado. Aqui é o Jardim que os anos e o tempo não
destroem. Fecha os teus olhos e verifique que ainda está diante de
ti mesmo, do teu jugo. Agora deixe teu fardo nas mãos de quem poderá
sustentá-lo.
Nisso, uma jovem
mulher apareceu, parecidíssima com minha Nice. Senti amá-la, porém
algo me dizia – aquele Espírito tinha o todo de Nice – enquanto
pensava sem rancor, fora traído pela minha pobre consciência.
- Deixa o teu fardo,
Lepant! Já lhe disse...
Oh, meu Deus! Onde
estaria eu àquelas horas? A minha pequena cabeça não saía do
ciclo vicioso, sempre com os mesmos pensamentos – Nice me traíra –
e eu? Estou na Terra, no espaço ou em que plano? Deveria estar...
De repente, um forte
abalo me fez alertar. Senti medo da solidão e gritei:
- Oh, meu Deus!
Germano me perguntou
com carinho:
- O que houve?
Lepant, para estar perto de Deus só nos basta pensar nas boas obras.
Os nossos pensamentos são as nossas asas.
- Por quê este
estrondo?
- O silêncio é
perigoso quando temos muitas falhas no subconsciente. Aqui também
trabalhamos... O que você não soube fazer com sua riqueza na Terra.
- Sim – gritei –
o trabalho. Não sei fazer nada!
- Saberás, quando
tua alma também souber se entrelaçar a outras almas.
Nisso, um grito nos
tirou do recinto onde estávamos: uma mulher pedia por socorro.
Instintivamente corri para lá. Oh, meu Deus! Fui em socorro de
alguém pela primeira vez em minha vida. – Lepant, somente naquela
encarnação fostes tão indiferente. Começa em ti a grande luta.
Seja verdadeiro contigo mesmo. A sinceridade, quando real, persiste e
vence.
Todos estes
movimentos vêm da natureza universal inferior. Dar expressão a um
impulso ou movimento não é o suficiente para uma afirmação
religiosa ou doutrinária no caminho da Evolução. Deixe que a
iluminação te brilhe a alma. O intercâmbio vital não lhe serve
mais. Procura! Não fiques a chorar pelo que não fizeste e sim
procure entoar teu Canto Universal.
- Oh, meu Deus. Tudo
é delicioso!...
Como pode, Tia!
Aquele lindo Missionário e eu, um pobre Sofredor, tão bem
coordenados. A cada dia eu mais me entregava ao trabalho, em missão
junto àqueles chegantes, e minha mente ia se desenvolvendo.
Tia Neiva, esta
história é realmente interessante, digna de ser ouvida. Sim, Tia.
Ainda não terminei. A parte mais interessante vem agora.
Salve Deus! Desde
que eu estivera ali, jamais sentira o que neste dia – ou tempo,
como marcamos no espaço – sentira. Diferente de tudo o que até
então sentira. Fiquei à espreita de meu querido Mentor Germano e
fui prevenindo minha alma.
- Vamos partir –
disse – Vamos, porque não tens mais com que pagar a tua estada.
Oh, meu Deus!
Lembrei-me de que estava fraco e minha perturbação tinha razão de
ser. Minha alma discorreu e balancei a cabeça. Pensei como devem
sofrer aqueles que na Terra não têm dinheiro para se alimentar.
Oh! Fui prevenido
por minha alma... Salve Deus!
- Sim – disse
Germano – este é o Todo Poderoso...
Saímos dali
caminhando, caminhando como se estivéssemos na Terra. Caminhamos,
caminhamos até cruzarmos com um homem. Germano perguntou-lhe:
- Conheces bem estas
imediações?
- Não, estou
foragido – disse ele, apressando-se a distanciar-se de nós.
Então, Germano
comentou que ele vivia há muito tempo naquelas redondezas. Senti um
pouco de fraqueza e dor em meu coração. E aqueles pobrezinhos que
viviam nas imediações de meu Castelo? Oh, meu Deus. Deixei que
morressem de fome e, no entanto tudo me sobrava. Tentei, mais uma
vez, afastar o meu remorso, a minha imensa covardia. Germano me
advertiu:
- Prossegue. Vamos,
prossegue. Não tentes cair no mesmo padrão vibratório. Aos poucos
tu vais pagando o que deves.
Continuamos nossa
busca até chegarmos em frente a um enorme Albergue. Lá, encontramos
uma mulher, cujas jóias a ornavam da cabeça aos pés. Olhei o meu
traje e Germano observava-me com um leve sorriso nos lábios. A que
poderia atribuir o comportamento daquela senhora? Louca, simplesmente
louca. Atônito, disse:
- Não trabalha. E
como ela vive? Se não me tivessem tirado da Mansão de Fabiano, eu
estaria sofrendo terrível perturbação por falta de BÔNUS para o
meu alimento. E ela, como os ganha?
- Foi ela quem
trouxe tudo da Terra.
- Como, Germano?
Trouxe da Terra? Explica-me melhor.
- Sim, te direi.
Porém, antes que
Germano dissesse alguma coisa, apareceram dezenas de escravas,
tentando servi-la. Vinham muitas, porém ela gritou:
- Esperem. Um pouco
de cada vez.
- Viu? Elas a
obedecem...
Foi então que
surgiu um casal muito lindo e começou a ser feita uma Doutrina. Não
sei por quanto tempo demorou aquela solenidade. O fato é que todos
ali tomaram um novo rumo sob as Bênçãos de Deus.
- Viste, Lepant? Não
podemos julgar os outros pelas aparências.
Desta vez, mais do
que nunca, os acontecimentos me deixaram confuso. Sentindo fome,
muita fome, olhei para cima e vi algo que me deslumbrou: uma nave
muito grande se deslocava no espaço. Para onde iria?
- Lepant, tenhas
cuidado. Uma coisa de cada vez. Por quê não procuras saber o
destino dos escravos?
- Oh, Jesus! Como
sou distraído. Desculpa-me, irmão.
- Sim, Lepant.
Enquanto estávamos em harmonia não pudemos expandir a nossa força.
Ouça:
Lá no final do
Albergue tocavam uma sineta.
- Vamos, para termos
um bom lugar.
Sim, sempre
pensando: Onde irei, o quê me espera?
A senhora das jóias
não participava. Permaneceu em seu lugar. Linda mulher. Agora eu
podia ver muito bem o que se passava. Ia perguntar, quando duas
Chalanas se encontraram e um enorme estrondo nos tirou da sintonia,
nos removendo para outro Plano.
Comecei a raciocinar
bem melhor e a me preocupar com as coisas que vira e ouvira. Por
exemplo: aquela mulher, a sua beleza, suas maneiras. Como a
encontrara... tudo tão estranho.
- Para onde vamos? –
Perguntei.
- Vamos voltar para
o Albergue.
- Estamos em outra
estrada?
- Sim, estamos.
- Por quê?
- Vamos para outro
Albergue.
Desta vez, enquanto
caminhávamos, pensava como era perfeito este Universo. Chegamos a um
rico Albergue, onde uma grande família ria de seus desencontros na
Terra. Sem ser notado fiquei ouvindo. Tive inveja de um certo
comentário de uma linda jovem que estava ali e havia sido esposa de
um cego, cujo destino o levara à mendicância. Logo entrou o ex-cego
e ambos se beijaram abraçados. Meu Deus, tanta simplicidade.
Nisto, entrou a
linda mulher das jóias, com muita familiaridade.
- Oh, querida Sabá!
Entre e cante para nós.
A jovem cantou e
dançou lindas canções. Senti como se todo o Universo a estivesse
ouvindo. Depois, ela levou a mão ao peito e suspirou dizendo:
- Oh, meu Deus!
Porquê me faltou Amor no momento mais precioso de toda a minha vida?
Dizendo estas
palavras soluçou. Fiquei vibrando para saber mais alguma coisa sobre
aquela linda mulher, mas, logo entrou um estranho nos botando para
fora do Albergue.
Nisto, reconheci um
Abade que passou e, num relance, compreendi que todos que ali estavam
saíram à procura dele.
Então fiquei só
com Germano e a linda mulher que estava sentada em uma pequena e
triste pracinha. Cheguei-me para junto dela, sentei-me e comecei a
perguntar sobre sua procedência. Ela começou a me contar sua
história dizendo:
- Vivia numa pequena
cidade no interior da Índia. Meu pai e minha mãe eram pescadores de
pérolas, e formaram um grande patrimônio. Tão grande que me
fizeram Rainha. Tornei-me poderosa, mas cedo meus pais morreram.
Então fiquei endurecida. Não amava ninguém, dificilmente sorria.
Até que um dia encontrei o olhar do jovem Janara, filho de meu
escravo. Ah, meu amigo, quanta paixão. Nunca me perdoarei por ter
desperdiçado a minha oportunidade. Lembro-me agora com saudades.
Tenho ânsias. Que horror! Foi triste, realmente. Só me resta
contudo recuperar o tempo perdido nestas condições deprimentes.
Encho-me de jóias preciosas e fico à mercê dos que me julgam.
Enquanto Sabá
falava ocorreu-me um pensamento: tão linda que eu não posso
acreditar em sua piedade; não acredito também que alguém possa
desposá-la. Porém, como estávamos no mesmo nível de evolução,
ela não sabia o que eu pensava e nem eu, tampouco, sabia o que ela
pensava.
Ela sorriu mostrando
a sua beleza, e eu ainda fiquei pensando mil coisas quando um forte
estrondo nos fez tremer.
- Oh, meu Deus! –
gritei – Não me acostumo. Não me acostumarei nunca com esses
estrondos...
Ela deu uma
gargalhada como se fosse um Canto e despedindo-se me disse:
- Hoje me libertarei
daqui. Deus, o bom Deus te libertará também um dia.
Foi se levantando
como um lindo pássaro naquele crepúsculo, que é como nos parecia
aquele Plano de nossa evolução.
Só! Novamente só,
continuei sentado naquela pracinha, não sei por quanto tempo. De vez
em quando aparecia alguém que se sentava, contava suas dores, suas
paixões e prosseguia. Porém eu era além de medroso, um grande
preguiçoso. Foi preciso que um forte estrondo me atirasse em outro
lugar – um bonito Albergue. Compreendi que os estrondos nos tiravam
a sintonia e nos levavam a uma situação primária. Sim, primária...
Na minha força de
expressão, o fato é que a nossa mente entra em choque e um processo
de nosso próprio mecanismo expulsa as ficções, nos dando outras
oportunidades de novos raciocínios. Sempre a mesma coisa: alguém se
lastimando do que deixou de fazer.
Estava observando os
movimentos de alguns Centuriões que se movimentavam na escuridão, e
tive inveja. Perguntei:
- O que poderia
fazer para ingressar nessa comitiva algum dia?
- Voltar à Terra –
disse alguém.
- Voltar à Terra? –
Admirei, sentindo nova esperança. Poderia tirar a imagem que tanto
me torturava.
Não podia ficar ali
parado. Resolvi caminhar, porém sempre com medo de me afastar muito.
À medida que caminhava a iluminação ia se ofuscando, como se
tivesse chegado à hora do crepúsculo. Comecei a ouvir sons –
risadas, gente alegre que estava em missão. Não preciso explicar
que me familiarizei com toda aquela gente. Não sei por quanto tempo
vivi ali meio despercebido do resto do grupo.
Um certo senhor de
voz calma, se levantando em um degrau mais alto daquele luxuoso
pavilhão onde estávamos, disse em voz de quem vai discursar:
- Meus caros
contemporâneos, chegou o nosso grande momento. Voltaremos para a
Terra na grande missão que nos foi dada. Iremos remover séculos.
Partiremos para uma nova conquista e mais uma vez, iremos libertar
aqueles Espíritos e remover novamente neste primitivo roteiro – e
apontando com uma espécie de lápis mostrava na grande tela a Terra
em seus diversos ângulos. De repente, surgiu na tela uma embarcação
sobre o oceano tempestuoso, parecendo uma pequena folha prestes a
sucumbir nas águas.
Em seu discurso ele
dizia o nome dos personagens que futuramente estariam em sua direção.
Dizia, também, que iriam reencarnar em Portugal.
Veio em minha mente
a pergunta: de onde teria vindo esse grupo, estes personagens tão
unidos? Eu sei que viera da França. Como se tivesse ouvido minha
pergunta, o orador continuou seu discurso:
- Oh, meu Deus!
Parece que foi hoje quando descemos as cordilheiras e chegamos às
Planícies Macedônicas, descobrindo Esparta. Foi horrível! Fomos
massacrados pelos Dórios. Oh, como foi dura aquela Península
Peloponense. Os Gregos nutriam verdadeiro ódio provocado pelos
Dórios, a ponto de impregnar aquele ódio em toda a Península, ou
melhor, em toda aquela gente. Os Gregos e os Egípcios acreditavam na
vida além física, os segredos da morte; nas revelações sucessivas
e nas comunicações com os Mundos. Esse ensino provocava uma grande
evolução da alma, provocava impressões tão profundas infundindo
uma paz, uma serenidade e uma força moral incomparável. Em resumo,
a DOUTRINA SECRETA, Mãe das Religiões, na maneira de cada Tribo,
foi infundida a ponto de nunca morrer.
- Porquê nunca
morreu? – Perguntou alguém.
- É impossível que
morra a Doutrina Mãe, como a chamamos na Terra. Ela é uma
revelação, é algo biológico do predestinado, de sua missão, que
age segundo sabemos pela indução recíproca; altamente moderada
sobre o centro principal do seu eixo. Quando as células inferiores
entram em excitação por excesso de estimulações na linha do
interoceptível, que ameaçando o sensitivo do homem, se esgota pela
seqüência moderadora ou regência moderada, impondo o freio e o
controle dinâmico-sensorial, exigindo sua ação. São as células
coronárias que decidem os três reinos. São estas células que
governam o cérebro, ou pineal, ou células inferiores. Entram em
período de estafa ou decomposição do sistema dualista nervoso, ou
de outra parte do núcleo vegetativo, os quais dão origem às
fibras. Não há como superar funcionalmente os dois setores
nervosos, porque ambos são vinculados ao cérebro, sujeitos às suas
flutuações. São rigidamente controlados pelo sistema da flutuante
alma, que estabelece um equilíbrio cerebral, pela indução
recíproca dos três reinos de sua natureza. Esta atividade
desordenada na concepção do sistema nervoso, é desvantajosa ao
homem na Terra. Meus irmãos que pensam voltar à Terra. O homem
físico sofre seriamente pela sua falta de Amor. As suas propriedades
são imensas, porém sempre de acordo com o seu padrão vibratório.
- Oh, meu Deus! –
Pensei – Quanta coisa além do infinito. Meu Deus, sou um
estrangeiro que jamais voltará à sua pátria, ao seu primeiro
estágio.
- Desculpe, Lepant –
Disse alguém – O teu suspiro vem de longe. Pensa e tenha
esperanças. Não ouves uma só palavra, não vês bem o meu rosto, a
minha face. Passou a hora dos sonhos. Este é um mundo em que não se
oculta nada. Ainda és um hóspede silencioso.
- Passaram as horas
do sonho – Oh! – Gritei, como se fosse um gemido – Estou preso
pelas garras do meu Castelo, sinto-me amarrado a seus portões. Não
vejo à minha frente a luz da manhã. Não posso expulsar de meus
pensamentos meu horrendo crime – ele vem a vaguear à vontade.
- Venha, meu hóspede
silencioso – disse a voz – Eu me chamo Lamúrcio e já estou com
a missão em Deus de voltar à Terra. Olhe, Lepant, a alma do mundo é
uma força que tende sempre ao equilíbrio. É preciso que a vontade
triunfe sobre ela ou ela triunfa sobre a vontade. Toda vida
incompleta é atormentadora. É preciso conhecer nesta visão, o
homem acordado deste plano asfixiado pelas emanações da Terra. Saia
deste falso sonambulismo que o seu inconseqüente estado de espírito
provocou. O seu único reflexo vivo é a ciência do mundo invisível,
e continua a ser um dos mais importantes ensinamentos reservados.
Sim, porém, a
ciência invisível entre os homens, e as almas desencarnadas pelas
propriedades desses fluídos, pela ação que a vontade exerce sobre
eles, onde explicamos os fenômenos da sugestão da transmissão de
pensamentos, segundo o passado e o passado no futuro. É preciso
saber que a vontade do homem modifica também o seu comportamento, a
sua razão nos seus amores, nos seus impulsos e nos seus desejos.
Aqui tens uma natureza e na Terra tivestes outra, bem mais ardente, a
que te fez chorar hoje e poderá te fazer rir amanhã. A própria
natureza do homem ensina por indução que existe ordem. O Ser é
substância e vida. A vida se manifesta pelo movimento e o movimento
se perpetua pelo equilíbrio. Assim, o equilíbrio é pois a Lei
Imortal. A consciência é o sentimento e a justiça. Chega, Lepant.
Já te condenastes e não fizestes nada.
- Salve Deus! –
Gritei – Quero fazer alguma coisa. Eu quero fazer alguma coisa.
- Sim – Disse o
nosso Comandante – Breve teremos uma oportunidade para
reencarnarmos.
- Eu quero essa
oportunidade – gritei eufórico.
- Sim – Disse
alguém – Espero que Deus te conceda essa oportunidade.
Como sempre um
grande estrondo nos tirou da sintonia e, de repente, estávamos em
outro local. Lembrei-me de Germano – Nossos pensamentos são como
as nossas asas – E ali estava ele parecendo estar à minha espera e
me falou:
- Como? Então já
pensas em partir para a Terra?
- Sim, penso. E
mais: Vou com um grupo que, segundo me informaram, parte para uma
grande conquista.
- É um compromisso
muito grande. Recebeste alguma coisa?
- Não. Estou com
muita fome. Onde vamos?
- Para o Albergue de
Nana. Lá você não sentirá mais fome.
- Por quê?
- Porque lá existe
trabalho.
- Sim, porém na
Terra eu comia e não trabalhava.
- Lepant! Esta
missão é perigosa. Hoje a sua mente está muito pesada. Porém tão
logo se acerte, tudo estará bem. Vais ter prazer em viver aqui,
fazendo a caridade. Saibas que as imperfeições da vida não se
corrigem através da meditação, porque a alma não entra em
atividade normal, aqui neste Terceiro Plano onde nos encontramos.
Salve Deus! Vamos continuar nossa jornada.
De repente chegamos
a um lindo Albergue. Bateram palmas com nossa chegada. Foi
emocionante. Muitas pessoas comentavam assuntos diversos e eu sem
sentir comecei a participar, como se estivesse há muito tempo
naquele ambiente. As horas alegres e as horas tristes terminavam de
uma maneira que me deixava realizado.
Voltei para o
Albergue de Matozinho, onde já estava bem familiarizado. Estava
sentado em uma pracinha, quando ouvi terrível algazarra e em seguida
um estrondo. Só restou Germano que veio falar comigo.
- Oh, Lepant! Vim
despedir-me de ti.
- Para onde vais? –
Perguntei.
- Vou para a Terra.
- Para a Terra?
Como? – Perguntei – Como?
- Desde que a Terra
libertou o Homem Pássaro, nunca mais evoluiu. O Homem Pássaro veio
logo depois dos Equitumãs. Eles vieram na força da era. Dizem que
se transportavam de um lado para outro e foram esses homens que se
afastaram de Deus, deixando a vibração da Terra na pior sintonia.
Ah! Se não fossem aqueles homens a Terra estaria melhor...
- Não estou
entendendo muito bem esta sua narração. Por acaso não estás com
algum cobrador a te vibrar? Sim, se vais para a Terra...
- Não, Lepant, não.
Vou para a Terra, já te disse. Porém, as vibrações não estão me
atingindo. Estou falando dos Homens Pássaros porque eu fui um deles
– e tu também. Porquê fostes tão egoísta quando estivestes por
lá?
- Eu? Não me lembro
de nada, de nada mesmo.
- Vamos para a
Terra. Aproveita, pois os tempos vão chegar em que as oportunidades
irão ficar muito escassas.
- Não tenho
coragem, enquanto não me esquecer da jovem Inara.
- Só esquecemos
quando pagamos nossos débitos.
- Oh, meu Deus. Sou
realmente um preguiçoso. Fico de um lado para outro sem me
preocupar. Depois como irei escapar? – Pensei.
Com esses
pensamentos, nos despedimos.
Era 30 de outubro e
eu me levantei com mil pensamentos, quando ouvi os aplausos de todo o
povo reunido, alegre, sem saber o que me vinha na alma.
Meio atônita, meio
desequilibrada, me mantive sem demonstrar o que sabia do futuro
daquela gente.